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A música conecta

Dorivando meets Isis Salvaterra

Por Doriva Rozek em Dorivando 23.11.2016

Olá meus queridos leitores, é um prazer enorme estar aqui no Alataj, desta vez com o meu blog, contribuindo mais uma vez, com a parte didática de algo que podemos passar adiante, que é conhecimento. Algumas pessoas talvez não concordem com o que vou escrever aqui, outras pessoas podem se identificar muito. Quero que esse espaço, ajude de certa maneira o que estamos construindo na nossa cena local e nacional, calejar as ideias, criando assim cabeças mais pensantes. Eu volto com o meu blog, depois de quase dois anos sem o fazê-lo. Queria agradecer ao ao Mohamad e o Eliel que me impulsionaram no começo, quando ele era no site Psicoldelia de Curitiba (para quem tiver curiosidade eles ainda estão lá, só basta procurar no Google) e para quem não me conhece, eu sou Doriva Rozek, DJ há 9 anos, agenciado pelo D-EDGE de São Paulo, parte do Embed e da Minim. Sou um music lover e entusiasta da nossa cena de música eletrônica.

Quero ser breve nesse começo do primeiro, porque o que vem a seguir é de uma certa forma intrigante. Conversei com uma das pessoas mais queridas e inteligentes que conheci nos últimos anos. De certo modo, essa entrevista ajudou inclusive a abrir a minha cabeça, no que se diz respeito a como observar a música na questão de valores. A minha convidada é a brasileira Isis Salvaterra, formada em Sociologia e Psicologia e Third World Politics, que estuda os governos de países como os da América do Sul. Ela reside em Londres há muitos anos e é label manager de umas mais respeitadas marcas do underground europeu, a Toi Toi Musik.

San Proper e Isis

Pegando do começo, ela e o marido – Claus Voigtmann – participavam de uma secret party de domingo que acontece em Londres, chamada Lo*kee que era algo mais having fun, então eles decidiram sair e fundar a Toi Toi.

“Quando a Toi Toi começou, basicamente o que a gente queria era pegar uma sala, com o melhor soundsystem e tipo quebrar a cabeça entendeu? Fazer o design de uma sala e trazer os artistas que a gente admira basicamente.”


A primeira festa contou com o alemão Sammy Dee.

“Eu estava clubbing em Londres durante muito tempo e  já fazia parte da Lo*kee. Então a festa já começou com uma comunidade, não precisamos cria-la, porque já havia sido criado durante a minha jornada em Londres.”

A festa iniciou com um único intuito, que pudesse apresentar um som que desafiasse o público e que tivesse uma qualidade de soundsystem perfeita, the purist you can get.

“A gente quer uma sala com 400 pessoas e não mais, se tiver que cortar pessoas eu corto, porque eu quero esse nível de interação com os artistas”

Hoje, além da party label, a Toi Toi é também uma agência e music label. Isis cuida de toda a parte de booking de sete artistas, Audio Werner, Voigtmann, LoSoul, Ion Ludwig, Junki Inoue, Nicola Kazimir e Cab Drivers.

“Quando eu estava para abrir a agência, o Audio Werner e o Ion Ludwig chegaram para mim e falaram — Isis você pode fazer os nossos bookings? Então ok, eu precisava de um website, entrei no Google e digitei, como fazer seu website? Ele foi desenhado bem para a necessidade desses artistas, eles são muito específicos, tem que mergulhar na arte deles, cada um é bem único, são arquitetos, pintores, poetas, não são só DJs e produtores, são full artists, se você não entende esse valor artístico, você não pode dar a representação a altura que eles necessitam.”

Assim nasceu a Toi Toi Agency.

“Se eu ou o Claus tivéssemos a intenção da Toi Toi ser um business, já aí de começo, sua intenção é outra. Assim eu posso levar a música como elevação cultural e pura, sem influências externas.”

O label já nasceu de uma forma mais inusitada.

“Eu estava procurando o Mr. G para bookar fazia uma cara, ai eu achei, ele olhou pra mim e disse, — bom se você me achou, você merece ter. Aí ele veio tocar e quando ele terminou de tocar, ele me disse — Eu ia parar de tocar LIVE, porque eu só faço LIVE, aí eu vou nos lugares, precisa de engenheiro de som, e blá blá blá e eu estou na sua festa, normalmente quinze minutos depois de tocar eu vou embora, mas Isis eu tomei uma garrafa de Rum, eu perdi meu moletom, estou suado da cabeça aos pés e são sete horas da manhã. Depois disso eu levei ele para o Boiler Room, com 55 anos, ele olhou pra mim e disse — Isis vocês vão abrir um label e não aceito não como resposta.”

O primeiro release foi Mr G – Much Love EP.IFrame

O selo nasceu como plataforma mais para mostrar de “de onde estamos vindo” como os artistas da Perlon, Ion Ludwig, Audio Werner e todos os outros. Dentro dessa ideia, nasceu o Subsequent. Diferente da Toi Toi Label que é cuidado por ela, o Subsequent é cuidado pelo Voigtmann. Ele responde o restante da frase  “de onde estamos vindo, para onde estamos indo”. Os releases não tem remixes, sempre buscando novos artistas e sonoridades. A qualidade assim como nas festas, é sempre prioridade.IFrame

“A nossa música historicamente já não tem tanto crédito como música de verdade. Se eu pegar uma track unreleased e aceitar que ela tem uma qualidade inferior, feita em um computador em casa, eu estou concordando que a minha música tem uma definição inferior a música de verdade. Agora se você tem uma música sólida, feita em machines, com qualidade de som, ela vai chegar no seu estômago e “that is the feeling”. Muita gente subestima isso, porque estamos lidando com frequências e essas frequências entram no nosso corpo e fazem a gente sentir e nos mover. A união do dancefloor, se não estamos olhando para isso, é vazio.”

Sempre olhamos com brilho no olhos para a cena européia, as festas e festivais, além de terem super line-ups, super soundsystems, acessibilidade no valor dos ingressos, o que torna a música não apenas uma festa, mas uma experiência que pode ser vivenciada diariamente como fator cultural. Mas e quando é o contrário?

“Muito complexa a cena da América do Sul. Eu fiz uma entrevista onde me perguntaram se eu tinha intenção de trazer o projeto para o Brasil. Eu disse, de maneira alguma, porque o Brasil comparado a outros países não está inserido numa cena underground em uma situação muito boa, porque se eu quero levar um artista, é o mínimo que posso dar para ele, é o reconhecimento dele como artista. Se tem um dancefloor ou uma crowd que não conhece nada sobre esse artista, não tem interesse, se é esse artista ou não artista, se quem está tocando não faz diferença eu acho que não é a altura do reconhecimento do trabalho dele. Quando me questionam — Isis vamos olhar para a América do Sul e veremos o que podemos fazer. De maneira alguma, é tudo muito orgânico, até que a América do Sul chegue até mim, eu não estarei lá. Porque o meu trabalho é difundir o trabalho dos meus artistas. Quando alguém escuta a música e vem até mim, isso quer dizer que é pra ser, pelas razões certas, a música vai abrindo as portas. Nesse momento é hora de pensar em fazer algo.”

Surpresa pelo fato de ter sido adicionada em um grupo de Facebook aqui, chamado Without a Name, onde uma nova geração estava compartilhando e interagindo com música, valorizando a cultura do vinil, em um mercado que praticamente é inexistente no Brasil, ela viu que a partir daí, poderia ter mais espaço.

“O maior problema que eu vejo no Brasil, como qualquer cultura, tem que existir colaboração. O status de ser, “só quero ser eu que trago esse artista”, não existe, assim não existe cena. O artista que toca numa festa menor de 300 pessoas, quando ele vai da outra vez e toca num club maior, as 300 pessoas vão pro club, pra ver o artista, é onde juntamos tudo. É o trabalho que fazemos com o Fabric por exemplo. O Fabric está acima e pegamos todo mundo que está embaixo no underground e colocamos eles representarem nas pistas do Fabric. Craig Richards vem e educa a minha crowd no meu dancefloor da mesma maneira que o Voigtmann faz no Fabric, sem esse diálogo fica estagnado, sem a nova geração e a velha, não existe cena, tem que ser benéfico para todos. Eu tiro o Villalobos da sala 1 do Fabric e levo ele para uma warehouse, como foi no meu aniversário, com 200 pessoas, é o contato do Ricardo com o underground, ele precisa disso, a gente precisa dele, essa comunicação  tem que acontecer, essa colaboração tem que existir para uma cena ser saudável. A mensagem que eu tenho é que essa colaboração tem que existir mais e mais pra cena desenvolver.”

Isis é frequentadora da Fabric a 17 anos e também trabalha lá, ela tem o clube como sua casa, tudo o que aprendeu sobre música, engenharia de som, tudo, veio de lá.

“Quando você tem isso como nível de crescimento e educação, você aprende que você não tem que aceitar menos, você não deve aceitar menos. Quando você tem um dos melhores sound systems do mundo, e você entra naquela sala vazia e coloca seu corpo no meio da sala, você entende o poder da música, entende o poder do som, como uma fonte de eletricidade e eletricidade é energia.”

Com artistas residentes como Craig Richards e Ricardo Villalobos, o Fabric é de suma importância para a cultura de música eletrônica a nível global. Todos os maiores artistas de House, Techno e até outros gêneros como Drum and Bass e Dubstep, já passaram por alguma das 3 pistas do club.

“Você tem o privilégio de ter o nível de educação que o Ricardo e o Craig Richards te dão desde muito nova, é o nível de: não tem como ser mais grata. São pessoas com coração dentro dessa indústria e eu digo a nível global. Quando hoje está tudo muito overground, são pessoas com esse nível de profissionalismo e entrega, isso tanto para os DJs e as pessoas que trabalham pelo Fabric, são pessoas como nós, music lovers.”

Esse ano o Fabric foi forçado a fechar suas portas. A vida noturna londrina perdeu quase mil clubs nos últimos 2 anos segundo Isis. O governo britânico e a especulação imobiliária tem engessado os movimentos e fechado o cerco.

“Eu sentei na sala de revisão do processo da licença, para revisar o caso, não encontraram nada. Eles queriam colocar cães farejadores, mas discordamos por segurança ao nosso público, eles queriam achar evidências, tiveram que pedir desculpas. Mas quando fizeram isso o club estava aberto, então o que fizeram, usaram uma lei contra terrorismo e usaram isso para justificar fechar.”

O Fabric vai a corte britânica questionar as leis que foram usadas para o fechamento do clube, já que o Reino Unido é regido por estatutos, jurisprudências e tratados, não necessariamente guiado por uma constituição escrita de fato.

“O fabric vai a corte, lutar pelo futuro de Londres, seja pela warehouse ou a festa que você faz na sua cozinha. Ele é a ponta do ecossistema, ele representa toda essa cadeia, ele é o topo. Somente uma instituição cultural, que tem uma história e criou uma história tem poder para enfrentar as leis de um país. A gente não pode deixar ser eliminado sem uma luta. O dia da corte da fabric é o dia do meu aniversário, ou vai ser a minha morte ou vai ser meu renascimento, estou muito otimista que vamos conseguir.”

Aqui no Brasil se acompanhou nos últimos anos uma ebulição de novos DJs e produtores, alguns muito descontentes com a falta de espaço, seguindo modismos, o que você pode falar para os que estão começando?

“Se você faz qualquer coisa relacionado a música, não coloque primeiro, o dinheiro ou business ou o fato de você querer tocar naquela festa. Primeiro temos que amar a música, comprar vinil, eu não toco, mas coleciono discos, sou obcecada em comprar e estar com esses meninos e escutar, isso é primário, o resto é consequência. Quando você coloca amor e paixão em cima da música, o resto vem de uma maneira natural e quando vem, é pra ser. Não só o fato de eu quero ser DJ, eu que estar atrás dos decks, fama, exposição, “eu sou um DJ”. Todos somos music lovers, mas somos todos pessoas, alguns têm mais experiência e devem ser respeitados por isso, precisam entender que precisam fazer o suficiente para querer chegar naqueles decks, para querer chegar a tocar para aquela crowd em respeito a música, sem ego, ego atrapalha tudo. Estudem, estudem muito, vão a fundo naquilo que vocês tem interesse, saibam o que vocês gostam. Entendam que educação e cultura vai muito além de “ah eu tenho essa track e você não tem” faça a sua própria pesquisa de uma maneira original, não existe certo ou errado, existe qualidade e sem qualidade. Quanto mais profundamente tiver informação e exploração, isso reflete no set na estrutura e como representa como artista. Colaborem uns com os outros, artistas, promoters, crowd, jornalistas… se ajudem. Competição não faz parte do que a gente faz, todo mundo tem a ganhar.”

Acesse o site da Toi Toi Musik

Eu queria agradecer a Isis pelas palavras, por confiar que existe sim, aqui no Brasil, uma longa jornada a ser feita, além daquela que já está sendo, mas que podemos seguir sempre ótimos exemplos e tomá-los como referência. Acho que a escolha da entrevista dela pro meu primeiro texto aqui, não foi por acaso, foi importante para o momento que estamos vivendo. Nos vemos em breve. 🙂

thanks, D.

PS: Enquanto eu organizava e revisava a entrevista, o Fabric conseguiu a liberação para a sua reabertura, no dia 21 de novembro.

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