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A música conecta

B20 | Boghosian fala sobre a importância das residências para um DJ

Por Redação Alataj em Notícias 24.07.2019

Por Paulo Boghosian

O assunto “DJ Residente” é um dos que mais insisto e gosto de explorar, primeiro porque esse papel foi muito importante na minha carreira, segundo porque muitas pessoas não dão o devido valor a essa posição. Acredite, o residente é muito importante, e apesar do nome dele estar escrito menor no flyer em relação ao convidado, muitas vezes ele terá maior responsabilidade do que o próprio convidado para o bom andamento da noite. Isso porque o DJ residente é quem cria a identidade da noite, é ele quem interage com uma frequência regular com o público da casa e é ele quem faz o warm up, preparando a pista para o convidado de acordo com o que ele conhece do club e do público.

É verdade que alguns ainda têm um estigma com DJs residentes, como se eles fossem apenas “o cara que vai colocar um som enquanto o club está vazio e preencher horário no lineup”. Mas esse tipo de pensamento atrasado é cada vez mais raro em clubs que buscam fazer um trabalho de longo prazo e em públicos educados. Bons clubs valorizam bons residentes e buscam trabalhos duradouros com seus frequentadores. Do ponto de vista do artista, na minha opinião, eles devem buscar residências em clubs com os quais se identificam. Residências permitem aos DJs interagir com um público muito mais do que uma única data como convidado. O artista tem a possibilidade de experimentar, testar novas sonoridades, receber mais feedbacks e desenvolver sua identidade como DJ e produtor.

Percebam que é uma relação de via dupla do club com o residente. Quando existe o trabalho dos dois lados, o DJ residente tem seu trabalho amplificado pelo club através do público e do trabalho de PR, e o club se beneficia do trabalho do residente que viaja para outras cidades levantando a bandeira do local. Por isso é fundamental que exista identificação entre as partes. DJ e club precisam falar a mesma língua conceitualmente. Imaginem um DJ que toca techno industrial como residente de um beach club com proposta de som lounge. Agora imagina um DJ de lounge tocando em um club grande e escuro no horário de pico. Deu pra entender, né?

As residências na minha carreira foram e continuam sendo de extrema importância para o meu desenvolvimento como artista e meu posicionamento perante o público. Na Anzu, a primeira delas, aprendi a fazer long sets, começava no inicio da noite e ia até o final, em geral 6 horas de set, mas já tiveram ocasiões onde toquei por até nove horas na pista “Mezanino”. Ganhei uma versatilidade de poder tocar do deep house ao techno, sem perder minha essência, sem que o público deixasse de identificar que sou eu tocando.

Na Disco, um ambiente mais intimista, aprendi a troca com o público. Era um público fiel que sempre frequentava a minha noite, fiz grandes amigos e pude aprimorar meu trabalho a partir do feedback do público. Tive muita troca também com os outros residentes que já eram consagrados na noite paulistana. Explorei muito o disco, house e suas vertentes. Na D-EDGE desenvolvi o lado underground e dark do meu som, explorei cada vez mais o techno e sonoridades mais profundas. O clima high tech do projeto de iluminação do Muti e o soundsystem impecável contribuíam muito para isso.

Boghosian em 2010, no D-EDGE

Já no Warung, me deparei com um público muito responsivo e aberto a experimentação. Um público que valoriza seus DJs e permite que o artista explore diferentes estilos. Tive a oportunidade de tocar nas duas pistas em todos os horários, explorando todo o meu “case”, mas especialmente pude aprimorar a arte do warm up. Pra quem quiser ouvir, tem bastante material online que vai desde set 100% vinil b2b com Ale Reis, warm-up minimalista pro Marco Carola no main, e até encerramento do garden. Tenho a oportunidade de tocar com a maioria dos meus DJs preferidos e ganhar exposição internacionalmente. O Warung dá aos seus residentes um suporte e uma valorização sem igual.

Todas as residências me trouxeram aprendizados e capacidades importantes para quando vou me apresentar como convidado. Talvez a mais importante, que eu intencionalmente deixei por último, é a construção dos sets. Vivemos em uma geração onde boa parte dos DJs estão acostumados a tocar slots de 1h, 1h30 em festivais e/ou festas com lineups apertados. Acreditem, é impossível construir algo em 1h. O DJ acaba tocando suas músicas preferidas em uma ordem qualquer.

Ser DJ é ser capaz de mesclar as músicas de uma forma que elas tenham significado juntas e esse é o intuito da construção. Um trabalho de começo, meio e fim. Em um set bem construído, as músicas soam melhores do que se tocadas individualmente ou em qualquer ordem. Como bem disse Anthony Parasole em recente entrevista ao Resident Advisor, essa onda de “selectors”, onde DJs tocam músicas bem diversas, que não tem nada a ver umas com as outras em uma ordem qualquer, não faz sentido. E eu concordo com ele. O DJ deve saber antes de mais nada ler a pista e contar uma história.

Se tudo que eu falei ainda não faz sentido para você, aqui vai uma lista de DJs famosos que ficaram muito conhecidos por suas residências:

Larry Levan (Paradise Garage/NY), Marcel Dettmann e Ben Klock (Berghain/Alemanha), Craig Richards (Fabric/Londres), Gerd Janson (Robert Johnson/Alemanha), Danny Tenaglia (Twilo/NY), Junior Vasquez (Sound Factory), Dixon (Tresor/Alemanha), Sven Vath (Cocoon/Espanha), Luciano (Circoloco /Espanha), Paul Oakenfold (Cream Liverpool/Reino Unido), Tony Humphries (Zanzibar e Ministry of Sound), Laurent Garnier (Rex Club/França), Marco Resmann e Mathias Meyer (Watergate/Alemanha).

Pra encerrar, sempre que me perguntam conselhos para quem está começando, eu falo três coisas: ache uma boa residência, cultive um bom relacionamento com promoters e com o seu público, e produza suas próprias músicas. Esse último traz ótimos resultados por divulgar o seu trabalho, mas é controverso e eu concordo com aqueles que torcem o nariz pois, um bom DJ não necessariamente é produtor e vice-versa, mas isso é assunto para o nosso próximo papo.

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