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A música conecta

O jazz de Juan Farcik

Por Eduard Marquardt em Lançamentos 04.05.2016

Imagine se uma linha espiral crescente pudesse unir todos os instrumentos que existem no mundo. E que você pudesse cortar um pedaço desta espiral e segurar este pedaço com as mãos.
Nele, você observa, são várias camadas, crescentes e que se transformam delicadamente. A espiral inicia em instrumentos acústicos e termina em sintetizadores, mas diferença só é possível notar se você reduzir a profundidade do olhar e alternar entre camadas, ora sim, ora não. E após esse movimento, você escolhe camadas de instrumentos alternadas e ao léu, picotando-as. São, digamos, 20 camadas dessa espiral de instrumentos. Dessas camadas você escolhe aleatoriamente a 2, 15 e a 20, tanto faz, e coloca-as em movimento, simultaneamente. Como isso pode funcionar?

Não se sabe, e talvez isso não importe muito. Mas o fato é, olhando este pedaço da espiral que você tem nas mãos, nele um órgão da camada 2 é consistentemente seguido por um synth da camada 15, digamos assim, que por sua vez combina muito bem ao quase chiado da camada 20.

Outra possibilidade é considerar que essa espiral não seja crescente; que o seu contato molda a espiral irreversivelmente, provocando nuances, para cima, para baixo, aparentemente erradas ou não. Fato é que o movimento continua de um jeito ou outro; a música segue, de um modo ou outro, e sempre dentro da lógica espiralada, intocada ou não.

Essa pode ser uma interpretação da música de Juan Farcik. Considere três componentes básicos, cuja dosagem varia: uma base minimal elementar, consistente, ora com apelo techno, ora house. Nesta base oscilam elementos orgânicos, são instrumentos, mas que podem vir acoplados a synths – que, de fato, são bastante sintéticos.

Mas para manejar esses dois compostos é necessário ainda um procedimento: o jazz.

Com um século de história de jazz, e longe de sabermos tudo o que aconteceu nesses 100 anos, aprendemos a conviver com a ideia de que mais que um estilo, o jazz é um procedimento, uma postura do artista diante da música.

Há quem aprecie de ver o artista executando o próprio tema (ou o de outrem) reproduzindo-o exatamente como na versão original, a primeira que foi registrada, nos detalhes mais ínfimos. A capacidade de reprodução tal e qual diria aí a qualidade do artista. Aí, sabemos, não há jazz.
Mas há quem aprecie o artista que assume o tema próprio ou de outro artista e nele interfere, reinterpretando à luz do momento, entre tema, fuga do tema e retorno ao tema. Em um grupo de músicos, enquanto um deles se dedica a este momento particular, os demais – a cozinha – seguram a onda e aguardam o seu momento. Isso é jazz. In a silent way.

Por isso, Farcik faz jazz: prepara a sua mise-en-place mínima, coloca-a para funcionar e improvisa formas orgânicas em cujos movimentos espirais sua ação os desloca e molda decisivamente, até que em determinada altura um synth pós-moderno naturalmente substitua um piano Korg, e assim por diante. Farcik constrói um ambiente fundamental e nele encaixa com elegância elementos cuidadosamente escolhidos. Camadas de sons.

Juan Farcik nasceu na cidade de La Plata, Buenos Aires/Argentina , no início dos anos 1980. Começou no música desde muito cedo, estudando piano e composição. Foi influenciado pelo tom electropop, o techno dos 80 e pelo house da década de 90. Hoje, Farcik apresenta um produto contemporâneo, básico, mas sempre mesclando o groove à experimentação, em selos e netlabels que primam sempre pela singularidade de seus artistas: Archipel, Dessau, MorrisAudio, Preset, NightDrive Musik, Flumo, Miniatura, 2600Rec, BleepSequence , Zimmer e outros.

Na ocasião do lançamento de seu novo EP pela Psychosomatic, conversamos com Juan Farcik, e o relato que segue é o registro dessa conversa.

Suelo, o EP, inclui duas tracks, “Tamiz” e “Sunqu”. Os três nomes sugerem temas relacionados à terra, ao solo, a um instrumento como a peneira (tamiz), ou à montanha, Sunqu. “Com certeza por trás da escolha destes nomes há um significado, relacionado a uma identidade. Mas não me agrada a ideia de explicar com palavras o por que da arte em geral. Prefiro que cada um atribua seus próprios significados, se é que necessitamos deles quando se trata de música.”

“O EP surgiu de gravações que fiz entre 2015 e 2016. Deste período saíram várias tracks e no momento de armar o EP foram estas as que mais me agradaram. Em geral, os discos que faço surgem de muitas tracks e gravações que registro em períodos distintos. Estes períodos são influenciados por coisas diferentes e por isso os discos têm sempre diferenças de fundo que os torna representativos de um momento. Particularmente, acredito que este EP, embora com uma estética minimalista de base, traz uma forte carga tonal e harmônica. Gosto de trabalhar as harmonias e melodias a partir da improvisação. Acho que assim consigo sons e estruturas mais atraentes. Há uma mistura entre o racional e o irracional que possibilita elementos surpresa que não são completamente controlados, que expõem características mais subjetivas, e isso me interessa. A estética em geral me interessa bastante, em diversos ângulos. A música, assim, é um meio. Acredito que se vê muito disso nestes registros.”

Perguntamos pelo estrutura do seu setup. Farcik nos contou o seguinte:

“Para produzir uso o Logic e um piano Korg SP170 como base, uma MFB522, samples de gravações que faço, e dos quais surgem bancos de sons próprios. Também uso VST’s de emulação analógica que fui selecionando e tornando parte de meus próprios sons. Para as apresentações ao vivo uso [Ableton] Live e controladores midi. Gosto de mudar e experimentar formatos diferentes conforme a ocasião.”

Juan Farcik tem apresentações em formato live agendadas na Argentina para os próximos meses pelo selo Abstrakt, e ainda em 2016 acontece uma tour pela Europa. Nessa passagem, Farcik deve aterrissar no Brasil para uma apresentação única. Aguardamos.

A música conecta as pessoas!

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