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A música conecta

Uma conversa aberta sobre música e vida com Abrão

Por Alan Medeiros em Entrevistas 13.02.2017

Faltam vocais em português na música eletrônica brasileira? Um post do empresário, dono da DJcom, Sandro Horta, no fim do ano passado, rendeu um debate intenso sobre o assunto e, consequentemente, uma série de faixas lançadas com vocal em português – algumas com qualidade bastante duvidosa. O fato é: tal momento, abriu espaço para gente talentosa experimentar algumas inovações com nossa linguá materna e deu viabilidade a bons artistas que já trabalhavam com essa pegada.

https://www.youtube.com/watch?v=bB-daN6P5hE

Um dos principais destaque dentro desse quesito, são os israelenses do Red Axes – como de costume, muita coisa precisa ser reconhecida primeiro pelos gringos. O duo de Tel Aviv é dono de algumas colaborações poderosas com o brasileiro Abrão, conhecido por seu trabalho com bandas como Kafka, Jardin das Delícias e CPSP, isso tudo no século passado.

Já há algum tempo Abrão mora fora do país, trabalhando como produtor no Avalon Studio e rodando alguns países do mundo com o Red Axes. Na tour de Janeiro dos israelenses por aqui, ele esteve presente também e ficou claro sua paixão pelo país e pelo público brasileiro durante as performances. Após um live redondinho no Garden do Warung Beach Club, resolvemos convidar Abrão para uma entrevista, que gentilmente topou e gerou o resultado que você confere logo abaixo:

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1 – Olá, Abrão! Tudo bem? Nós presenciamos a sua performance no Warung ao lado do Red Axes e foi possível perceber um tom bastante emocionado na sua fala. Como é pra você cantar para o público brasileiro?

Olá a todos! Foram grandes aventuras por aqui. Fazia 26 anos que eu não me apresentava no Brasil. Nunca havia apresentado ao vivo nossa música a um público brasileiro e foi realmente muito emocionante a interação e entendimento do público. Tudo foi mais longe no coração das pessoas. Ao cantar a música “Papa Sooma” tive que me controlar para não deixar a emoção sufocar. As minhas letras vem de um universo profundamente emocional e auto biográfico.

2 – O Red Axes é uma dupla de Israel, país bastante distante, inclusive culturalmente, do Brasil. Como surgiu o seu contato com eles e como é a relação pessoal entre vocês atualmente?

Meu nome é Abrão Levin de nascença, nasci em São Paulo mas meu avô nasceu em Jerusalém. Viver em Israel foi apenas seguir o meu karma nesta vida. Morei na Índia 2 anos antes de imigrar, lá um sábio brama me ensinou o caminho da transmutação nesta vida, primeiro deve se viver o que ela traz para depois transformar. Assim cheguei a Israel e consequentemente ao trabalho com os Axes. Há 11 anos, nas minhas aventuras musicais, conheci a banda Red Cotton, me identifiquei com o som post/punk que eles faziam, sendo eu também da cena post/punk paulista dos 80’s e acabei produzindo o primeiro disco deles. 10 anos depois, eles se tornaram o Red axes e vieram a produzir o meu disco. Um ciclo karmático da vida. Hoje mais que amigos e parceiros somos conectados por uma história de vida, um karma em comum.

3 – Por falar em Red Axes, há planos de colaboração entre vocês para o futuro?

Sim! Agora nós estamos produzindo novas músicas e finalizando a produção do meu disco e também do novo LP do Red Axes – que estão praticamente prontos. Essas são as novidades para 2017. Também temos planos para 2018, que ficarão em segredo até lá.

4 – As collabs com o Red Axes resultaram nos seus trabalhos mais conhecidos dentro da dance music. Além delas, você possui outros projetos dentro da cena house/techno?

No fim, dos anos 90 e até 2010 eu fiquei atrás da mesa de controle. Estudei engenharia de som, construí meu estúdio e passei a trabalhar como engenheiro de som e produtor, produzindo trabalhos de outros, mas sem participar como músico ou compositor de nenhum outro projeto. Passei por minha fase obscura por muitos anos, sem conseguir me expressar, um enorme sofrimento…

5 – Na déca de 80 você adquiriu boa experiência em bandas como Kafka, Jardin das Delícias e CPSP. Quais são suas principais memórias dessa época?

Sim, uau! Os anos 80 foram de uma efervescência cultural enorme, me senti parte da história. Apesar de minha jovem ignorância e ingenuidade, viver a cena dos 80’s e tocar nos undergrounds de Sampa me marcaram muito, até hoje sinto as influências da época. Foram também meus anos de juventude a todo vapor, para o bem e para o mal, as cicatrizes que trago hoje fazem parte mim.

6 – Falando de um período um pouco mais próximo, podemos citar seu projeto Abraham & The Lincolns na década de 90. Como isso aconteceu e o que de melhor você tirou dessa experiência?

Tudo começou muito cedo ,ainda na infância vendo Elvis Presley. Abraham & The Lincolns, minha banda junto com o Kim Khel, guitarrista lendário paulista, foi a busca deste sonho de infância onde pude tocar minhas baladas como o Elvis. Mas também infelizmente foi o momento onde me perdi, onde as drogas venceram o rock e me acabei. Foi quando o meu rock acabou. Meu último show no Brasil 1992 no Aeroanta. Foi meu fim. A minha morte.

7 – Seu primeiro trabalho solo foi lançado ano passado pela Garzen Records. Fale um pouco sobre o processo criativo desse release…

O Ep foi produzido pelo Red axes, com faixas produzidas nos últimos anos. Meu trabalho com os Axes acontece de várias maneiras. Às vezes eles me mandam uma base e eu gravo os vocais. Outras eu mando os vocais e eles produzem em cima. Além disso, muitas vezes nos encontramos no estúdio e produzimos juntos tudo. Neste EP, existem músicas de várias fases, incluindo as mais recentes, onde eu componho e gravo vozes e piano (instrumento que tenho usado mais ultimamente para compor) e keyboards. Além disso, um momento aonde eles continuaram a produção numa espécie de simbiose musical.

8 – O que você sente mais falta quando lembra dos anos morando no Brasil?

A natureza brasileira, além de meu filho que mora no Brasil, são as únicas coisas que realmente sinto saudades. Mas me lembro de quase tudo o que vivi e a dor é grande. A última música que escrevi e está no próximo disco chama-se “Lembra”, e nela digo: “lembro muito mais do que queria, muito mais do que podia, da dor não esqueço não”…

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9 – A gente passou muito tempo sem vocais em português na dance music brasileira, apenas agora alguns artistas tem se antenado sobre essa criativa possibilidade. Na sua visão, falta um pouco de carinho dos artistas nacionais com a nossa cultura musical?

Acredito que esteja acontecendo um movimento novo na música eletrônica no mundo, algo que é a consequência da penetração do universo da música eletrônica nas produções musicais em geral – uma consequência desta era digital. Na minha opinião vai acontecer uma profusão de projetos novos com vocais brasileiros e latinos. Temos uma língua muito musical, quem sabe ainda exista um preconceito de músicos “analógicos” quanto a colaborações com a musica eletrônica, mas isso vai se tornar passado.

10 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

A música faz parte de minha vida desde a infância e se transmutou junto comigo. Passamos por várias fases e épocas. Foi sempre uma maneira de me expressar, de conseguir me comunicar muito além das palavras. Hoje eu sei que a essência da minha vida é o auto conhecimento e meu trabalho é o desenvolvimento de minha alma. A música para mim representa o instrumento de minha cura, o remédio e a esperança de um futuro.

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pics from Ariel Efron

 

 

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