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A música conecta

A Eli Iwasa tem muito para nos ensinar quando o assunto é música eletrônica

Por Alan Medeiros em Entrevistas 26.04.2016

Apesar de recente, a história da música eletrônica no Brasil já registra grandes personagens. Profissionais que optaram por um caminho mais longo, para colher frutos verdadeiros são a chave de um mercado que continua crescendo, revelando novos talentos em uma velocidade impressionante e inspirando pessoas a trabalharem por uma cena sustentável. A japa Eli Iwasa é figura conhecida da noite paulistana há mais de uma década. Com seu trabalho dentro e fora dos palcos ela já contribuiu muito para que as pistas brasileiras se tornassem um lugar onde artistas do mundo todo querem estar.

Atualmente, Eli é o nome a frente do Club 88 em Campinas, parte do casting da 24Bit e voz feminina ativa na constante caminhada por um Brasil melhor quando assunto é house e techno. Com toda essa experiência, ela tem muito a nos ensinar, seja discotecando ou compartilhando um pouco de suas histórias nesse bate-papo que você confere a seguir. A música conecta as pessoas!

1 – Eli, obrigado por falar conosco! Em sua bio, você cita a intuição de um bom DJ, como uma rara dádiva celeste. Na sua visão, repertório de ponta somado ao feeling, são mais importantes do que uma técnica apurada?

Meus DJs favoritos são aqueles capazes de contar uma história através da música, de criar diferentes atmosferas e tensões na pista durante um set. Sempre me senti inspirada por artistas que sabem emocionar, que conseguem encontrar a música certa para todos os momentos durante horas de uma apresentação. Técnica é importante, mas para mim, nunca foi a qualidade principal para um grande DJ. Técnica você aprende, às vezes com muito treino, às vezes com facilidade. Agora, para ser especial, tem que ter o feeling e a intuição, a coragem de ousar, para construir uma jornada musical realmente inesquecível. Você até aprimora isso ao longo dos anos, mas acho que todos os grandes artistas nascem com esta sensibilidade especial que os diferencia do resto.

2 – Você possui mais de 15 anos de estrada e certamente, sua carreira já registrou uma significativa evolução musical. Ao olhar para o começo dessa caminhada, o que mais você sente falta e o que você só aprendeu recentemente, mas gostaria de ter aplicado no passado?

O que mais sinto falta é ter tempo para ficar nas festas, para conhecer mais as pessoas, conferir outros DJs – sempre tenho um vôo, outra gig, algum compromisso – e depois de 15 anos, meu corpo não tem a mesma energia que antes. Eu sempre fui muita dura comigo mesma, e sofria muito com algum set que eu não tivesse gostado, ou se tivesse cometido algum erro. Acho que com o tempo, aprendi a relaxar mais e me divertir mais durante minhas apresentações, a interagir mais com as pessoas, e gostaria de ter feito isso lá no comecinho.

3 – Um capítulo importante da sua história foi o trabalho junto a noite Technova, no lendário Lov.e. Nos conte um pouco mais sobre esse período

Foram 7 anos, dos mais felizes da minha vida e da minha trajetória profissional. Ali no Lov.e Club, cresci em todos os sentidos, foi a maior escola que tive na minha história dentro da música eletrônica. O Technova começou como um projeto com DJ Mau Mau e Daniel UM de residentes, e dava espaço para novos talentos. Assumi a noite com a saída do Oscar Bueno – que idealizou o Technova e estava para abrir o club Stereo, onde hoje é o D-EDGE. Via o Technova como a oportunidade de trazer todos estes artistas que gostava e que nunca tinha vindo ao Brasil – Ricardo Villalobos, Marco Carola, Luciano, Technasia, Vitalic, Anthony Rother – até nomes como Laurent Garnier e Richie Hawtin para dentro de um club tão pequeno e intimista como o Lov.e. Foi muito especial, e sinto que as noites de sextas do club foram um capítulo importante na história do desenvolvimento da cena no pais. Olhando para trás, acho que foi um dos momentos mais legais para quem gostava de boa música, com um fluxo enorme de artistas vindo para São Paulo toda semana, que moldou a cultura musical de muita gente.

4 – Também em sua bio, você cita mulheres fortes como inspiração de vida. Sabemos que o feminismo é uma luta diária e que o universo da dance music ainda precisa dar mais espaço e oportunidade para as mulheres. Como você enxerga essa questão?

Prefiro acreditar que ser mulher mais me abriu portas do que as fechou, que me colocou num lugar de destaque desde cedo, num mercado tão masculino. Mas ser mulher também me ensinou que às vezes você tem que trabalhar mais duro que a maioria do homens, porque não importa quão talentosa e competente você seja, vai ter sempre a beleza, a delicadeza, o fato de ser mulher ou ser sexy, entre seu trabalho e o reconhecimento. A cena musical ainda é muito machista, mas aos poucos mais e mais mulheres vão ocupando posições de destaque – como artistas, label managers, produtoras e até engenheiras de som. Você tem que entender que eu vim de um lugar, comandado por uma mulher, que tinha uma gerente mulher, e uma diretora artística mulher – no Lov.e Club, era muito natural ver mulheres tomando decisões importantes e em cargos estratégicos – e de uma família criada por uma avó que se viu sozinha e viúva aos 40 anos, com 5 filhos para criar – eu cresci ouvindo dela que deveria ser forte e independente – então, fui criada ao redor de exemplos femininos empoderados. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, não só na cena, mas no mundo, e sinto que as mudanças não acontecem na velocidade que gostaríamos.

5 – Ainda sobre o feminismo dentro da dance music, nós queremos saber: alguma vez você já sentiu menosprezada simplesmente por ser mulher? Como você acha que as DJs e produtores mais jovens devem lidar com isso?

Você definitivamente tem que se provar mais vezes por ser mulher. Tem que trabalhar mais duro para ter credibilidade e para enxergarem seu trabalho além de um “pacote bonito”. Eu acho estranho quando me falam que eu toco como homem, é um tanto ofensivo pensar que por ser mulher, esperam que você não tenha tanta habilidade técnica ou saiba tocar tão bem quanto um homem. Não é um elogio. Eu treinava muito em casa, ficava horas tocando nas minhas pick ups, porque não queria que as pessoas questionassem minha capacidade. No começo da carreira, ser mulher é um diferencial e pode ajudar, mas muitas DJs meninas se vêem presas no estigma de DJ mulher-sexy. É um caminho mais fácil, e cada uma sabe de suas escolhas, mas como sempre, preferi o caminho mais árduo [risos]

6 – Você é um dos nomes por trás do Club 88, que possui uma das agendas mais respeitáveis do Brasil. Fale um pouco sobre os desafios de comandar um club, tocar e ainda organizar sua vida pessoal.

É difícil equilibrar todos os papéis, e muitas vezes, a vida pessoal sofre e se mistura com a vida profissional – mas a questão é que eu amo e quero fazer tudo! Amo cuidar das decisões artísticas do Club 88, e estou muito feliz com tudo que construímos ali. O clubinho, como ele é chamado por nossos amigos e clientes, se tornou um ponto de encontro importante para quem gosta de música eletrônica em Campinas, e acredito que temos um papel a cumprir para o crescimento e consolidação da cena da região, não só com o club como também com nossas festas fora da casa, promovendo talentos locais e uma curadoria interessante no 88. Nem sempre é fácil, e ter um club no Brasil é desafiador, então cada confirmação de artista, cada projeto que sai do papel é comemorado como se fosse o primeiro. Sou muito grata por ter pessoas ao meu lado, que compartilham desse amor tão grande pelo o que fazemos, e também as responsabilidades e compromissos do club, permitindo que eu me dedique à carreira de DJ e outros projetos pessoais.

7 – Sua recente entrada para o casting de artistas da 24bit parece ter sido um momento importantíssimo na sua carreira. Quais são as expectativas para essa nova etapa?

A decisão de entrar para a 24bit e ter a Analog como meu management foi uma das decisões mais conscientes e acertadas que tomei em minha carreira. Depois de 15 anos, eu senti que era hora de estar mais perto do que realmente acredito musicalmente. Acho que atingi um ponto de maturidade em que posso escolher fazer menos concessões, e ser fiel ao que amo e ao que me inspira. Quero lembrar o tempo todo porque eu escolhi fazer isso da minha vida, quero lembrar do amor que tenho pela música que me fez me tornar DJ em primeiro lugar – não quero que isto seja apenas meu trabalho. As meninas da 24bit entendem exatamente onde quero chegar, apoiam minhas decisões criativas e estamos muito alinhadas artisticamente – acabamos de começar um trabalho e os resultados foram surpreendentes. Sinto que tenho uma sintonia grande com elas, com a sensibilidade e o jeito de trabalhar delas. Tô muito feliz!

8 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música eletrônica representa em sua vida?

Sou uma pessoa mais feliz por causa música eletrônica. Ela me permitiu realizar o sonho de trabalhar e viver de música, de viajar o mundo por causa dela, de compartilhar algo tão especial. Ela me fez ter coragem de abandonar um diploma no fundo da gaveta para seguir este impulso de fazer algo pelo qual fosse apaixonada, ao invés de seguir um caminho seguro e sem muitas surpresas. Ela me deu tantas coisas, tantos momentos maravilhosos, tanto crescimento, que a única maneira que espero poder retribuir, mesmo que seja tão pouquinho perto de tudo que ela me proporcionou, é continuar fazendo meu trabalho, de maneira íntegra, verdadeira, honesta e apaixonada, além de dividir com as pessoas uma fração de um universo infinito de emoções que ela me faz sentir: a alegria, a energia, a motivação, o conforto e a força que recebi dela ao longo da minha vida.

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