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A música conecta

Alataj entrevista OMOLOKO

Por Alan Medeiros em Entrevistas 01.03.2019

Seria equivocado da nossa parte dizer que OMOLOKO é uma das promessas da intensa cena eletrônica de Belo Horizonte. OMOLOKO já é realidade. Cada vez mais o diggin de João Vitor Cobat (seu nome de batismo) chega ao ouvido de novas pessoas e a cada oportunidade ele faz questão de demonstrar todo potencial que existe em sua música. Prova disso são suas recentes aparições em pistas como a da Gop Tun em São Paulo e do festival Xama 2019, na paradisíaca Algodões.

João é um dos responsáveis pela linha de frente da 1010, coletivo que tem ajudado a transformar por completo o cenário eletrônico da capital mineira. Além disso, ele também ocupa o posto de residente da festa e mantém função relativamente semelhante na CurraL – aqui, ao invés de residente, OMOLOKO é curador. Perito em conduzir pistas transbordando energia, João não nega sua aptidão para grandes eventos, mas possui um perfil bem adaptável para diferentes situações.

Aproveitamos o momento especial de sua carreira para um bate-papo exclusivo, que nesta ocasião vem acompanhado do Alaplay 374. Confira abaixo:

Alataj: Olá, João! Tudo bem? Obrigado por falar conosco. 2018 foi um ano especial para sua carreira, com diversas conquistas no âmbito nacional. Como você avalia essa caminhada que vem sendo trilhada até aqui?

OMOLOKO: Oi Alan, tudo ótimo, obrigado pelo convite. Bem, há 3 anos eu venho fazendo um trabalho junto com uma galera bafo aqui em Belo Horizonte e, nesse tempo, nós conseguimos atingir e nos comunicar com inúmeras pessoas não só aqui da cidade, mas de outros estados e países. Basicamente eu participei da construção de todos os principais projetos responsáveis por recolocar a cena da cidade em evidência (1010, Masterplano, Mientras Dura), logo depois virei residente do Deputamadre, Bloco da Bicicletinha e criei a CurraL. Sempre estive ali presente colocando tudo para frente de uma certa maneira, seja na parte de produção, do âmbito criativo ou musical. Eu acredito que o trabalho de um DJ vai muito além de estar na frente das pessoas tocando suas músicas. Para mim, é sobre se comunicar com as pessoas ao seu redor de várias formas, influenciar e mostrar como as coisas são feitas para além da pista de dança, principalmente quando a música que nós gostamos não está em uma simples pesquisa no Google ou nos charts da Beatport, entende? O que eu quero dizer, é que a fórmula que venho tentando montar para a cena aqui de BH com os meus projetos não está no mainstream e aí é preciso ir além da função prática do DJ para conseguir ganhar um destaque. A consequência desse intenso trabalho em BH me conectou com vários projetos legais pelo Brasil, todos de uma forma muito fluida e que me abriram caminhos bem interessantes. Todos os lugares que toquei no ano passado, desde o Red Bull Festival, Xama, ou até os clubes mais undergrounds do Sul, foram resultados de pessoas que ouviram falar de BH externamente, quiseram conhecer a cena e me viram aqui fazendo um trabalho muito sincero que elas se identificam.

O projeto OMOLOKO nasceu com o ideal de tornar a pista de dança um ambiente mais inclusivo, certo? Quais iniciativas com esse direcionamento você tem colaborado atualmente?

Eu sou um jovem que nasceu em Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte. Então a necessidade de lutar por uma inclusão nos meus projetos é algo que faz parte da minha história, desde quando meus pais saíram lá da nossa cidade para tentar a vida aqui no Sudeste. Porque você sabe, é sempre difícil o processo de socialização quando você “não faz parte” daquele meio. Quando resolvi criar o projeto OMOLOKO, a minha intenção era construir através da música espaços que abraçassem um público fora do que se tinha nas festas aqui em BH quando cheguei na cidade, e esse pensamento me conectou a várias pessoas com o mesmo objetivo. A 1010 então virou minha principal plataforma para poder exercer esse trabalho de multiplicidade social na noite. A gente sempre tem um cuidado especial com as questões de paridade de gênero nos lineups e estamos sempre trabalhando para poder tornar nossas festas locais confortáveis e seguros para pessoas LGBTQI+, negros, mulheres, etc. Esse é um discurso bem comum para vários expoentes da noite, mas como homem gay, nordestino e amigo de pessoas socialmente marginalizadas, essa pauta hoje em dia torna-se ainda mais importante de ser debatida. Também dou aula de discotecagem básica para algumas pessoas que me procuram. Sou um jovem DJ, mas tenho muito prazer em compartilhar o que eu já aprendi com outras pessoas. Esse ano, nós da 1010 estamos conversando bastante sobre criar novos meios fora da noite para ajudar esses grupos de pessoas que são nosso público, mas que precisam de inclusões e uma voz além da noite. Definitivamente vai sair algum projeto esse ano ainda, voltado para atividades sociais, não dá só para liberar o off de pessoas Trans e Travestis e achar que está fazendo muito, sabe? Mas antes de tudo nós somos uma festa que primeiro precisávamos nos organizar para depois dar esse segundo passo.

Percebo que Belo Horizonte vive um momento de protagonismo no cenário nacional, principalmente por conta do alto potencial artístico apresentado pelos DJs e produtores da cidade. Qual a avaliação que você faz em torno desse momento?

Nós éramos aproximadamente umas 20 ou mais cabeças no início de tudo (entre os principais coletivos que estavam surgindo na cidade). E acho que dessas 20 cabeças, todos ali gostavam muito de música eletrônica, alguns já tocavam, outros não tinham ideia por onde dar o primeiro passo. Então começamos um trabalho de troca de conhecimento dentro do nosso coletivo e a formar DJs na nossa cidade e do nosso núcleo, já que não tínhamos espaços para isso fora do nosso eixo. Todo mundo precisa começar de um certo ponto, sabe? Operar um CDJ todo mundo consegue operar, para mim o segredo da coisa está na cabeça de cada um e em suas bagagens de vivências, assim como na forma que cada pessoa conta sua história. E aqui em Belo Horizonte nós temos ótimas cabeças e ótimas histórias, é uma cidade com um forte apelo cultural, dentro de um estado cheio de inspirações artísticas que começam lá no interior (cidades históricas como Ouro Preto, por exemplo)

Todo esse processo faz parte da demanda de conhecimento em que as coisas vão chegando, sinto que estamos entrando em uma fase que o interesse por produzir coisas nossas só aumenta e esse processo tanto de DJing quanto de produção vão se aflorando com o tempo. Somos uma cena relativamente nova e com muita coisa a se descobrir ainda e isso é o que me faz continuar a ter tanto interesse por aqui. Com a cena de BH em destaque no âmbito nacional, tendo grandes festas colocando as coisas pra girar por aqui, mais DJs e produtores vão surgir, porque não existe mais aquela referência distante que as pessoas tinham sobre o que estava acontecendo em outros estados, agora elas tem produtos locais pra se ter como referência. Mas no final, obviamente, só ficam os que realmente se dedicam e amam trabalhar com música.

1010 e CurraL são dois pontos muito importantes em sua caminhada até aqui. Quais foram os principais aprendizados que você obteve estando na liderança e como residente dessas duas festas?

Nós tivemos que aprender a virar produtores de uma festa em que antes recebia 150 pessoas e pouco tempo depois começou a receber quase 1.500 cabeças em algumas edições, então os aprendizados em termos de produzir um rolê foram inúmeros. Tivemos que nos virar para aprender a lidar com isso sozinhos, para isso foi preciso ter muita confiança no que a gente queria e aonde iríamos. Enxergo que o mais importante de tudo isso foi aprender a confiar no trabalho de cada um dentro da nossa festa e entender o que é o papel de cada pessoa. Definitivamente não dá para todo mundo querer tocar, por exemplo. Então enquanto um toca, outro cuida da parte legal, outro do bar, outro do artístico, etc. Acho que esse foi um dos principais aprendizados e que nos resultou em um crescimento absurdo. Já estamos caminhando pra outro estágio, que é de apenas cada um ser o gestor do que faz melhor e buscar outras pessoas de confiança pra encabeçar as tarefas que estão com a gente, mas que só é possível fazer isso no nível de festa que temos hoje.

A imagem pode conter: 3 pessoas, multidão, show e área interna

Como residente, certamente você tem buscado desenvolver um perfil ativo junto as marcas que representa, não é mesmo? Na sua visão, quais iniciativas tornam o relacionamento entre artista e festa algo mais proveitoso para ambas as partes?

É engraçado porque além de residente, eu também sou aquela pessoa que criou o projeto, então ainda tem essa responsabilidade de tentar passar para os residentes dos meus projetos, como é transmitir da melhor forma a identidade daquela marca que idealizei. E isso é um trabalho que não é só meu, mas também da Izabela, Barbara, Arthur Cobat, Diego e Matuca, que fazem a 1010 comigo. Digo isso, porque para falar de relacionamento entre artista e festa, você tem que saber quem você é primeiro. As gêmeas da crew conhecem BH inteira, de todas as classes; o Arthur é um gênio para relacionamento com parceiros e mídia; o Matuca vem de uma cena pop LGBTQI+ aqui da cidade que é bem forte e que hoje faz parte do nosso público; o Diego é muito focado em nosso bar e sempre busca entender o que as pessoas estão consumindo, para sempre chegar com algo interessante em termos estruturais. Daí você me pergunta como tudo isso consegue chegar até o relacionamento entre artista e festa. E eu te respondo que cada pessoa dessas colhe do nosso público uma determinada informação a partir das ligações que elas têm, e tudo isso chega até mim, como artista, através de uma fórmula do que fazer para tornar aquela festa um ambiente mais proveitoso, seja treinando uma equipe de seguranças que respeite a diversidade; fazendo uma pesquisa mais voltada para determinado gênero; ou chamando artistas locais pra fazer nossos materiais gráficos; ou montando um local de redução de danos na festa; ou fechando parceria com locais interessantes pra nosso público, etc. Tudo isso me dá um direcionamento de como agir como artista. Ser artista, acima de tudo, é saber ouvir… Muito!

Cada DJ possui um perfil artístico diferente. Alguns se destacam por uma pesquisa contemporânea, outros pelos clássicos. Há também aqueles que discotecam 100% em vinil ou ainda os que buscam misturar diversos movimentos musicais em seus sets. Como tem sido sua busca em relação a construção desse perfil sonoro que é tão importante a longo prazo?

Eu definitivamente sou dos que misturam diversos movimentos musicais. O melhor de tocar de tudo é tocar de tudo. Eu não consigo ouvir só um tipo de coisa, meu filtro é apenas um: se eu gosto eu toco, se não gosto, eu não toco. Você nunca vai ouvir um set do OMOLOKO homogêneo.

Você é um artista que já assinou mixes e podcasts para alguns canais bem interessantes. De uma forma geral, você curte esse processo de pesquisa e gravação em casa ou fora do ambiente de pista?

Sempre que vou gravar um set penso no momento em que eu quero que as pessoas ouçam aquele set. Ultimamente eu tenho gostado muito de chegar em casa depois de uma festa e colocar sets mais imersivos e diferentes e isso vem me fazendo criar coisas desse “moody” nos meus podcasts. Eu geralmente tenho meu tempo para criar isso, quando toco em uma festa essas informações de leitura das pessoas já estão ali, o clima, o lugar, a hora, o momento, se está frio ou quente, o que é diferente de se gravar uma coisa em casa. Geralmente esses sets que eu gravo são uma extensão das coisas que venho sentindo e o que cada música desperta em mim naquele momento, sabe? É muito mais pessoal, digamos.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Eu sempre fui a maluca da música e sempre vou ser.

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