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A música conecta

Perc e a música como pura percepção

Por Redação Alataj em Entrevistas 29.08.2017

Por Chico Cornejo

Em meio à multidão de produtores de techno que adensa a cada dia, Perc é um monumento deveras autêntico em homenagem à estética industrial britânica que ajudou a galvanizar o gênero desde suas origens. E sua contribuição para essa linhagem não foi feita apenas de concordância servil ou simples aceitação das regras que sustentariam tal tradição, e sim de uma profunda renovação de suas propostas mais ousadas e elementares.

Justamente essa a empreitada que ele tem levado a cabo de modo exemplar no decorrer da última década. Seja através de suas contundentes obras, que conjuram aquele ar cáustico tão característico da atmosfera sonora dessa linhagem e a estruturam sobre um refinado maquinário rítmico, ou pelo fenomenal catálogo de seu selo epônimo, onde vemos desfilar um contingente de talentos em muito próximos – tanto em intenção como em execução – do nível de excelência e produtividade que ele sempre manteve.

Bem longe de mostrar qualquer sinal de estagnação criativa ou arrefecimento desse seu ímpeto artístico, ele chega a terras tupiniquins para se apresentar como seletor na Tantsa, um dos novos pontos focais paulistano para o techno dessa cepa. Antes disso, ele divide conosco um pouco de suas visões e percepções acerca do que tanto ama fazer:

1 – Usualmente abordo esta questão por último, mas me pareceu mais apropriado lhe perguntar primeiro: qual é o lugar da música brasileira em sua criação ou entre suas influências, se houver algum?

Olá! Para ser sincero, a resposta é negativa. Ainda hoje é algo que está ao meu redor. Quando era mais jovem tinha alguma noção da existência de coisas como a Bossa Nova, mas jamais chamaria de uma influência sobre o que faço. Já nomes como Anderson Noise, DJ Marky e Renato Cohen são bem conhecidos para mim, embora o que eles façam musicalmente esteja um pouco distante do que eu faço.

2 – Perguntei isso primeiro porque a geopolítica da música – ou melhor, da crítica musical – tende a ser muito curiosa em termos de assinalar certos aspectos estéticos a lugares específicos. Assim, normalmente se associa o Brasil a praias ensolaradas e música suave, enquanto a Inglaterra nos leva de volta a paisagens industriais cinzentas. Você vê essa associação naturalmente como um sentimento de pertença a uma certa “cena” ou mesmo uma “tradição”? Eu, pessoalmente, ouço um tipo de humor muito britânico quando penso nas formas mais abrasivas de Dance Music oriundas do Reino Unido: a sagacidade do Throbbing Gristle, a interpretação um tanto dadaísta do Cabaret Voltaire, o surrealismo do Clock DVA, a ironia de Birmingham…

Certamente há um tipo de mentalidade e atitude que corre por essa musicalidade britânica. Como você disse, é parte de uma abordagem musical mais abrasiva que se origina ali. Ela não se encontra na música mais comercial e sua presença é sempre um bom sinal de que o próprio material musical vale a pena ser ouvido. Quando morei no interior e contemplava os verdes campos de dentro do meu estúdio eu ainda fazia o mesmo tipo de música que fiz quando morava numa cidade, então creio que deva ser algo em mim e não algo que provenha do ambiente no qual me encontro em determinado momento.

3 – Como funciona a “economia” das suas obras? Você tem se mantido bastante profícuo no decorrer da última década e lançou trabalhos por uma miríade de selos, então como elege o que vai para outras plataformas e o que fica para a Perc Trax? Existe um método ou até mesmo uma prioridade? Já trabalhou sob algum tipo de regime de “comissionamento”?

Hoje em dia geralmente tento não fazer algo para outros selos. A Perc Trax é meu lar e é o primeiro lugar no qual qualquer coisa é lançada. Ocasionalmente um ou outro selo comandado por pessoas próximas me pede para fazer parte em algum projeto e, se tiver tempo, eu topo. Mas eu não envio demos para outras gravadoras que admiro a fim de me juntar a elas. Nunca escrevo com um selo em mente e acho que isso pode ser muito perigoso criativamente. Não me vejo como profícuo. É raro que eu lance mais que alguns EPs por ano. Especificamente neste só terei meu álbum ‘Bitter Music’, uma faixa (‘To The Bone’) na caixa da Mord, além de um ou outro remix.

4 – E quanto ao caminho inverso? Você segue uma abordagem mais espontânea acerca da curadoria (palavra batida, eu sei) da Perc Trax ou tem um forte senso de direção estética do qual você raramente desvia? Há um som da Perc Trax que você vislumbra?

O principal objetivo para os lançamentos da Perc Trax é mostrar trabalhos que eu mesmo me empolgaria de tocar em meus sets. Não gosto de trabalhar com artistas que estão lançando por vinte selos ao mesmo tempo, isso barateia tudo e torna difícil para os fãs da música deles se atualizarem acerca do que eles estão lançando. Gosto de artistas que tenham uma narrativa que arremata seus trabalhos, assim você consegue ver seu desenvolvimento artístico no decorrer do tempo. Gravar para muitos selos, com algumas faixas levando semanas e outras até anos para verem a luz do dia interfere nisso seriamente, assim como infinitos relançamentos digitais de coisas antigas.

5 – Agora falando da arte visual envolvida, o selo sempre pareceu bastante conciso, ainda que se mantendo diverso, visualmente. Qual o desafio envolvido em manter esta identidade tão distinta?

Eu deixo os artistas decidirem o que querem para seus lançamentos, mas usando o melhor designer que conheço para que suas ideias se tornem realidade. Isto significa que há antes uma forte conexão visual entre todos os releases de determinado artista que uma identidade visual rígida do selo como um todo. A arte para os meus é bem diferente da criada para os discos do Ansome, por exemplo, mas cada peça reflete algo de onde a cabeça do artista se encontra naquele momento. Remete mais a uma visão dos artistas a respeito deles mesmos do que reforçar uma marca identitária para o selo.

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6 – Para encerrar, finalmente, e se puder comentar sobre isso, obviamente: quais são seus próximos passos, planejados ou imaginados?

Desde que “Bitter Music” foi lançado eu me mantive bastante na estrada e isso foi em detrimento do meu tempo em estúdio. Não tenhos muita coisa acabada além de remixes para Clouds e Furfriend. O meu problema é que gosto de fazer música no meu estúdio e não em algum avião ou quarto de hotel, então tenho sempre muitas ideias, mas não o tempo necessário para fazê-las virarem realidade. O Perc Trax tem dois EPs de remixes de faixas do meu álbum prestes a sair que cobrem um vasto território musical e um artista muito caro ao selo vai retornar com um EP de quatro faixas em breve, algo que me deixa muito empolgado. Tudo isso será anunciado nas próximas semanas.

A música conecta as pessoas! 

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