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A música conecta

Alataj entrevista Pino Henrique Pedra

Por Alan Medeiros em Entrevistas 13.05.2019

Cada vez mais precisamos valorizar os diggers. São esses artistas preocupados em entregar ao público uma pesquisa diferente, algo fora do padrão comum, que impulsionam nossa evolução enquanto cena para o novo patamar. Na música eletrônica de vanguarda, mais do que fazer a pista vibrar, às vezes é necessário fazê-la refletir. Pino Henrique Pedra é um mestre nessa arte.

Ao vestir seu simpático terno que o credencia ao altar de uma igreja para o casamento do ano ou até mesmo para um evento corporativo, Pino pode até causar certa estranheza, que de certa forma justifica a maneira com que ele lida com a discotecagem. Entretanto, o que não é estranha é a sua relação com a música: profunda, inteligente, repleta de nuances.

Já há algum tempo acompanhávamos os sets ecléticos de Pino, principalmente aqueles disponíveis no mundo online. Sua apresentação no Xama 2019 foi o estalo final para o convite que resultou nesse bate-papo exclusivo que segue abaixo:

Alataj: Olá, Pino! Tudo bem? Obrigado por falar conosco. Percebo que você possui um perfil artístico bem ativo na ponte aérea Rio/SP, cidades que possuem grandes diferenças e semelhanças, não é mesmo? Como cada um desses polos e públicos contribuiu para sua evolução enquanto DJ?

Pino Henrique Pedra: Fala Alan! Eu que agradeço a oportunidade. Grandes cenas necessitam (e merecem!) de grandes veículos de difusão. O que acontece nesse momento na América Latina é muito rico e poderoso. Isso precisa ser devidamente documentado e noticiado. Obrigado você e a turma do Alataj por serem parte de algo tão importante.

Sobre a pergunta, eu sou do Rio mas moro em São Paulo há quase 2 anos. Como você disse, realmente, as duas cidades são muito parecidas e super diferentes ao mesmo tempo. Minhas impressões pessoais: o Rio é muito misturado. Desde pequeno, o carioca se acostuma a conviver com todos os tipos de pessoa, classes e diferentes histórias em grandes espaços de lazer públicos como a praia. Na região da Lapa, por exemplo, onde se iniciou a vida noturna da enorme maioria dos jovens da minha geração, você pode em um raio de poucos quilômetros, em uma mesma noite, curtir uma festa de rap, um baile funk, uma rave na fundição progresso (isso no início dos anos 2000), um samba de raiz ou um show no circo voador. Esse mix foi o grande responsável pela minha formação musical. Até hoje, procuro ao máximo misturar vários estilos e eras nos meus sets.

Já em São Paulo, o que joga a favor daquele que quer evoluir como artista é a escala. Por aqui, a quantidade de pessoas incríveis, grandes talentos, sebos aos montes, inúmeros agitos, te forçam a querer se superar a cada dia, caso contrário você fica pra trás. É preciso não transformar isso em uma competição, mas sim entender que não dá pra ficar parado. Sempre haverá espaço pra quem se dedica, ama e é bom no que faz.

Seu set no Xama Bar foi um dos meus preferidos de todo o festival: eclético, ousado, dançante… como foi pra você essa experiência? Quais são as melhores lembranças que você possui do festival e de sua apresentação?

Que bom! Fico super feliz a cada elogio desse set. Obrigado! Preparei ele por meses. Sendo muito sincero, fiquei bastante nervoso e inseguro em alguns momentos. Entretanto, fiz o que eu tinha me preparado pra fazer e a reação da pista foi muito boa. Me diverti tocando, coisa que nem sempre (infelizmente) é possível. Já estou morrendo de saudades do XAMA e feliz por estar mais perto do próximo a cada dia. Honra máxima em dividir um line up com artistas que admiro e tive a sorte de virar amigo. Agradeço de coração aos parceiros da Gop Tun, Selvagem e Tikal pela moral.

Você é um cara que divide suas funções artísticas com outras atribuições profissionais no dia-a-dia, correto? Como tem sido possível organizar isso de uma forma que uma área não atrapalhe a outra?

Tem sido difícil. Adoro essa vida dividida, mas os dias não são infinitos. Fazer a produção executiva de eventos culturais, comprar LPs/compactos/CDs, pesquisar músicas, digitalizar discos, preparar sets, baixar tracks, dar uns tapas no Ableton, organizar Pen Drives, criar listas no Rekordbox, ter uma vida social, cuidar de si e da casa, zerar a caixa de e-mails e por último dormir, é muita coisa pra somente 24 horas. Procuro melhorar minha organização pessoal a cada dia. Pratico e leio muito a respeito. Acredito que esse seja o caminho para o máximo de produtividade sem enlouquecer. Recomendo a todos que estejam aqui lendo, o livro “GTD: Getting Things Done”. Ser fiel aos pontos sugeridos na obra tem mudado minha vida.

Ao longo do intenso calendário do Na Manteiga Rádio você já teve a oportunidade de atuar como host em algumas situações bem importantes, como no caso do Dekmantel 2018. Existe algum tipo de preparação para essas aparições? Como você enxerga e lida com essa responsa?

É impressionante como a maioria das coisas incríveis da vida (pelo menos pra mim) acontecem por acaso. Essa foi mais uma. Não lembro direito como o convite surgiu, mas sei que pouco antes do festival, meu amigo Thiago Arantes me pediu ajuda com isso. Topei e tem sido incrível. Não existe uma preparação muito rigorosa. Eu vou atrás de alguma breve curiosidade sobre o artista que irá se apresentar e também de onde ele vem: bairro e cidade. Depois disso é ser breve, direto e com a pitada certa de descontração para que a pessoa se sinta um pouco mais tranquila. Se apresentar num festival tipo Dekmantel é super desafiador. Eu procuro deixar as coisas mais leves e fáceis pra quem entra. Espero que eu esteja conseguindo!

Leia aqui e adicione no seu case: Vinyl Speed Adjust. Uma entrevista exclusiva com este super duo romeno.

É um senso comum que existem diferentes tipos de DJs atuando na cena house/techno, não é mesmo? Há o pesquisador, o técnico, o old school, enfim… vários. Você tem algum perfil preferido? Como você busca se posicionar nesse sentido?

Meu perfil predileto é sem dúvida o pesquisador. A técnica pra mim é como um tempero imprescindível na comida. O sal por exemplo. Não existe pra mim comida sem sal. Entretanto, é um tempero. Nunca comi um risoto de sal por exemplo. Enfim, peço perdão pela analogia. Adoro DJs old school. Acredito que seja por conta do incrível mix de pesquisa mais técnica adquiridos ao longo dos anos de estrada. Mas no fim das contas, eu sou fã da pesquisa. Nada mais legal nessa vida que curtir uma noite inteira sem conhecer nenhuma track tocada.

Como parte de um movimento que ajudou a transformar a noite paulistana, como você enxerga e vislumbra o futuro da dance music na cidade?

Boa pergunta. Temos uma quantidade incrível de bons artistas e festas surgindo, ao mesmo tempo que o mundo caminha pra um conservadorismo extremo e que exige atenção. Não sei dizer ao certo se um fato está relacionado ao outro. Pelo que entendo da vida nesses 33 anos vividos, acredito que sim. Arte pra mim é isso. Acho que coletivos como Voodoohop, Selvagem, Gop Tun, Mamba Negra e outros mostraram o novo caminho das pedras: criar seu próprio movimento, colaborar entre si e fazer isso tudo com consistência. Não dá mais para ser dependente de um contratante, um apoio privado ou ter patrocínio dos governos. Acho que as novas gerações entendem isso melhor que as passadas. O futuro é brilhante.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Medicina pra alma. Além de hobby, essencial pro meu bem estar mental. Esteve e estará nos melhores e também nos mais difíceis momentos da minha vida.

A música conecta.

+++ Leia também nossa entrevista com DJ Hell.

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