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A música conecta

Alataj entrevista Rafael Moraes

Por Manoel Cirilo em Entrevistas 14.06.2019

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Um ouvido treinado e ótimo senso crítico para curadoria musical são as principais características que definem o trabalho do musicista, DJ e produtor Rafael Moraes. Seu envolvimento com o mundo da música começou logo cedo e ele soube extrair o melhor de cada ponto de contato que teve com esse universo, de espectador a insider, traduzindo tudo que absorvia em sua própria identidade musical.

As referências que moldam o estilo criado pelo artista são muitas, mas as batidas afro-latinas, unidas ao jazz e ao soul, são marcas registradas de seu trabalho, tanto nas pistas quanto nos estúdios. Essa mistura cultural defendida por Rafael é a base sobre a qual foi idealizada sua label Sunday Sessions, festa dominical que acontece em São Paulo e que completará 14 anos de atividades neste domingo.

A agenda do artista, que está em passagem pela Argentina durante essa semana, é bem agitada para conseguir conciliar todas as frentes profissionais em que está envolvido. Recém chegado de uma tour pela Europa, com direito a passagem pelo Yoruba Festival, Rafael conseguiu disponibilizar um tempinho para conversar com o Alataj sobre a carreira, planos para o futuro e, claro, o lançamento do novo álbum que acontecerá em breve:

Alataj: Oi, Rafa! Tudo bem? Obrigado por falar conosco. Soube há pouco que seu novo álbum pela Yoruba Records está quase saindo do forno. O que podemos esperar deste trabalho? Quais foram os principais desafios que você encarou durante o processo criativo?

Rafael Moraes: Opa! Um prazer poder contar um pouco sobre meu primeiro disco solo pro Alataj, por todo o espaço que sempre me deram. Bem, tudo começou no primeiro Yoruba Family Reunion, há uns 4 anos, em Santorini, Grécia. Tinha algumas músicas iniciadas, um EP recém lançado pela Yoruba, com um remix de uma faixa do Osunlade, que incluía também Atjazz e Isoleé. Eu estava começando as conversas do que seria meu EP pela Get Physical. O segundo álbum do Nomumbah já estava pronto também. Foi quando conversei com o Osunlade (label manager da Yoruba Records) sobre lançar um segundo EP e ele me aconselhou fazer um álbum, para definir a minha sonoridade, algo que representasse o que eu sou e como vejo a house music.

Isso me assustou um pouco num primeiro momento. Pra mim, um disco representa mais do que um apanhado de músicas, é algo que, ao ser escutado no futuro, faça sentido independente da linguagem que está mais em voga nas pistas naquele momento. Pensei no disco mais focado em faixas sem vocais, com instrumentos adicionados às músicas que eu criei. Depois percebi que vocais fariam o disco atingir outros públicos, ampliando para algo além da pista. E junto a tudo isso, um amadurecimento profissional: assumir meu próprio nome, disponibilizar um produto desse tamanho para o mercado. Durante esses anos minhas técnicas de produção e mixagem amadureceram, fiz muitas faixas para outros selos que me permitiram abrir minha cabeça e definir meu estilo, conheci artistas e também reencontrei alguns outros e o resultado disso tudo é um disco que se chama Reconnection.

Percebo que você possui um estilo bem low profile no que diz respeito a presença nas mídias e outras questões que envolvem a carreira de um DJ do século XXI. Manter o foco no processo de produção e garimpagem é o que realmente tem feito a diferença pra você?

Nossa, eu acho que gasto até tempo demais nas mídias sociais! Talvez exatamente por ser um DJ do século XX, percebo superexposição como algo que pode atrapalhar mais do que ajudar, dar muito conteúdo e fazer baixar o interesse por excesso de informação. E sim, meu foco é produção e garimpagem, assim como programas online e participações em podcasts, fora as inúmeras apresentações.

Uso minhas mídias para divulgar isso tudo, lançamentos, festas que tocarei, programas online e DJ Sets, além de dicas musicais de coisas que descubro e acredito serem relevantes para quem me segue. Acho que ser low-profile é algo que diz mais respeito a minha pessoa do que propriamente sobre a maneira que utilizo mídias digitais.

Como parte do Nomumbah, certamente você viveu algumas experiências diferentes em relação ao que se passa em uma carreira solo. O que você destacaria pra gente nesse sentido?

O Nomumbah é parte da minha vida, não só musicalmente, como pessoalmente também. O André e o Alê são amigos pra vida toda e foram eles que me deram toda noção de produção e criação musical nesse universo da música eletrônica. Minha experiência era como músico de banda e o processo de gravação é totalmente diferente. Evoluímos juntos, cada um seguiu sua própria história, acho uma coisa normal.

Eu sempre tive uma ligação pessoal com a Yoruba e com o Osunlade que vão além da música, e isso se desenvolveu de uma maneira natural. Meu som se definiu, meus contatos com esse mundo de Deep House com influências Soul e Afro se formou com um círculo de artistas que fazem essa música, e assim as portas em clubs e festivais que tocam e apoiam esse universo se abriram pra mim.

Nadirah Shakoor, Oveous, Capitol A e Paul Randolph estão entre as participações de seu novo álbum. Pessoalmente e profissionalmente, o que representa trabalhar ao lado de artistas tão importantes?

Voltamos a questão de querer fazer um disco com pessoas que digam algo profissional e pessoalmente para mim. Esses casos são exemplos disso. Infelizmente o Paul não vai mais participar do projeto, algo natural no processo de criação. Nem sempre as idéias convergem para um mesmo objetivo. Uma faixa que acho que define bem o processo criativo desse disco foi criada no meu antigo studio, numa tarde de cozinhar, beber vinho e fazer música com Aroop Roy e L_cio, que depois de anos estava voltando a tocar flauta. Nesse clima a música surgiu e é isso o que eu gostaria que as pessoas sentissem.

Mensalmente você apresenta o Sabroso Radioshow aqui no Alataj, nosso programa de música afro-latina. Como tem sido desenvolver esse projeto? Quais são os principais desafios de desenvolver um radioshow como este?

Música é uma eterna fonte de pesquisa para mim e discos fazem parte da minha vida desde criança. Eu toco percussão afro-cubana desde os 15 anos, sempre tive muito interesse em tudo ligado a essa cultura. Quando surgiu a oportunidade, aceitei na hora.

Já comandei um programa na Eldorado por 6 anos, 2 vezes por semana, portanto a parte de produção não é um problema. Por trabalhar nesse mundo, contatos para convidados também não seria um problema. Uni o útil ao agradável e o resultado podemos escutar todos os meses. É sempre bom poder divulgar diferentes gêneros musicais e expandir o conhecimento das pessoas.

Já há algum tempo você mantém residência no D-EDGE e na Soul.Set. Como cada uma dessas festas ajudaram a evoluir seu perfil de discotecagem?

Com certeza são dois exemplos que permitiram definir meu som para o público nos últimos 8 anos. Apesar de não fazer mais parte do time de residentes do D-EDGE desde o início de 2018, foi o club que me apoiou e me expôs, o local onde consegui tocar o meu lado mais deep e tech, que me permitiu evoluir e trocar informações com artistas do mundo todo que falavam a mesma linguagem.

A Soul.Set foi um projeto que tive o prazer de ver crescer, uma ideia de “educar” o público através das origens da música de pista até o que hoje chamamos de eletrônica, incluir dançarinos e permitir a liberdade no espaço da dança. Recebi com muita felicidade o convite de para ser um “padrinho” e DJ residente da festa, cresci junto com eles. É um espaço onde consigo colocar, num mesmo set, a parte mais musical do que eu toco e pesquiso com faixas mais pegadas. É a pista que me sinto mais confortável e que me permite ser 100% verdadeiro.

Ron Trent, DJ Spinna, Osunlade e Karizma. Dentre suas colaborações passadas no estúdio, qual delas teve um gostinho mais especial?

Difícil pergunta. Cada caso tem uma história de como chegamos no estúdio e todos envolvem o mesmo princípio de amizade, de cozinhar, conversar, experimentar. O caso do Ron Trent teve um algo a mais: primeiro, porque foi o único que quis tocar e gravar Congas comigo. Segundo, porque é um dos artistas que definiram o que se tornou a house music, portanto ver a maneira que ele concebe a criação das músicas no estúdio é algo que me ensinou muito e que mudou minha concepção de como trabalhar. Terceiro, ele é uma pessoa incrível para conversar.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Costumo dizer que sei fazer várias coisas na vida, mas a única que eu tenho certeza que faço bem é música. Isso não significa que eu queira ser unanimidade, nem que queira agradar a todos. Mas desde os 15 anos eu toco instrumentos, trabalho em estúdios, em rádios, discoteco, trabalho em lojas de disco, viajo pelo mundo por causa da música. Isso faz parte da minha vida, é assim que educo meus filhos, é assim que me apresento pros meus relacionamentos… é isso que vou deixar na terra quando não estiver mais por aqui.

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