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A música conecta

A trajetória de um artista a frente de seu tempo | Special Series

Por Jon Fachi em Special Series 29.09.2016

Por Jonas Fachi

O que é preciso para ser um dos maiores de todos os tempos naquilo que você faz? A resposta é simples, se exclua do meio inserido e analise, se as coisas seriam da mesma forma sem você, é sinal que ainda não trabalhou o suficiente, por outro lado, se muito do que existe fundamentalmente passou pelas suas mãos é porque você realmente fez a diferença, e certamente será lembrado. O DJ e produtor inglês John Digweed, após quase 30 anos movimentado a música eletrônica global pode se orgulhar de estar entre os poucos selecionados da segunda opção. Sem seus feitos, nossa enorme cena globalizada provavelmente não seria tão industrializada e profissional, e é por isso que hoje ele é o escolhido da série Special Series do Alataj. Nesse texto contaremos alguns dos principais pontos em que John foi ativo ao longo de sua carreira, explorada desde o cinema até o primeiro CD comercializado de música eletrônica da história.

INICIO | John Digweed começou a discotecar aos 15 anos em Hanstings, cidade milenar a sudeste da Inglaterra, suas primeiras experiências vieram no clube da cidade Hanstings Pier, que já havia recebido alguns novos nomes como Carl Cox e The Prodigy. Em 1993 enviou um mixtape para Geoff Oakes, dono do clube Renaissance em Mansfield, talvez ele nem imaginava, mas depois disso sua vida nunca mais seria a mesma. Na época Geoff estava trabalhando com outro jovem DJ que já era visto como um fenômeno, seu nome era Alexander Paul Coe, também conhecido como Sasha. Os dois foram introduzidos, viraram amigos e bem, alteraram a ordem das coisas já no ano seguinte.

COMPILAÇÕES | Em 1994 S&D lançaram o primeiro CD comercial planejado estrategicamente do gênero, intitulado Renaissance: The Mix Collection esse icônico mix hoje é visto como o pontapé inicial de toda a indústria fonográfica eletrônica e simboliza o surgimento de um novo estilo que dominaria as pistas pelos 15 anos seguintes, o house progressivo. Depois vieram dois lendários trabalhos: Northern Exposure vol 1 e 2 pela Ministry Of Sound – vendendo milhares de copias e sendo procurados pelos colecionadores até hoje. Provavelmente nenhum outro artista tenha conseguido explorar tão bem a venda de discos e CDs como John, são quase 40 compilações ao longo da carreira, poderíamos discorrer sobre as peculiaridades de cada uma delas, porém faltaria tempo e espaço. Se destaca ainda o Global Underground 014 Hong Kong 1999 e o Fabric 20 de 2005 (Billboard Electronic #13)

A partir de 2012, indo na contramão do que parecia ser o ideal para o mercado, John lançou o Live in London, primeiro CD de uma série semestral que trouxe esse formato que foi muito comum no passado (Global Underground e Renaissance) gravados ao vivo em diversos lugares do mundo como, Miami, Córdoba e Toronto. É perceptível ao ouvir algum que ele sempre se preocupou em aliar o fator comercial com a escolha das músicas de acordo com o que a cidade ou país pedia. Ao ouvir o Live in Slovenia por exemplo, você pode sentir a atmosfera mais fria e linear, enquanto no Live in Buenos Aires a construção é mais quente e emocional. São obras de extrema riqueza musical onde além de ajudar a lançar dezenas de novos produtores, também escreveu a história com registros do que tinha de melhor naquele momento da Dance Music.

BEDROCK, CINEMA E WARUNG | Voltamos a 1996 quando junto com Nick Muir começa a produzir sob o pseudônimo de Bedrock – também o nome de sua gravadora – já no primeiro lançamento a faixa “For What You Dream” foi escolhida para fazer parte da trilha sonora do filme Trainspotting. O longa retrata o movimento clubbing do Reino Unido e mostra a vida de jovens viciados em heroína – em 2004 o jornal The New York Times o considerou como um dos 1000 melhores filmes já produzidos. Na trilha ainda encontramos músicas de bandas como New Order e Underworld. Em 1999 Bedrock apresenta o single ‘’Heaven Scent’’ (UK#35), o colocando de vez entre os produtores mais respeitados do circuito global, essa música é vista como o seu maior clássico.

Em 2000 Digweed participa mais uma vez de uma produção cinematográfica, mas agora atuando, ele é um dos DJs do filme estadunidense Groove, do gênero drama, com roteiro e direção de Greg Harrison, que conta a história de jovens aficionados por música eletrônica. A dupla Bedrock também produziu a trilha sonora de Spider Man para o canal adulto MTV de desenhos animados de drama, e para o filme Stark Raving Mad (Billboard Electronic #9) em 2003.

Em 2006, com certa surpresa, Digweed lança um single pra lá de especial, intitulado ‘’Warung Beach’’, é claramente uma homenagem ao clube brasileiro, onde tentou escrever através de ondas sonoras a magia única do templo, inspirado ainda de sua estreia na casa em 2004. O inglês é responsável por algumas das noites mais memoráveis da casa, com long sets cerebrais e extremamente bem elaborados, frequentadores mais antigos vão te citar noites como o carnaval de 2009 e no aniversário de 9 anos em 2011 como pontos altos. A parceria de sucesso com Nick acontece até hoje e a gravadora foi diretamente responsável pela projeção de artistas como Guy J, King Unique, Pig&Dan, Jimmy Van M, Robert Babicz e Dosem.

TRANSITIONS | Entre 2000 e 2011 Digweed manteve um programa semanal na radio Kiss 100 no Reino Unido, sempre com um set seu abrindo e mais algum convidado, depois o nome mudou para Transitions e desde 2012 é transmitido on-line na Próton Radio, com mais de 500 edições, ser um ‘’Special Guest’’ do programa é sem duvidas um selo de reconhecimento como um artista de ponta. Sua voz fria e agradável de um típico inglês através de seus comentários de abertura viraram lenda entre os fãs.

EUA | A popularidade na América do Norte é anterior aos filmes, em 1996 iniciou uma residência mensal no club Twilo de Nova Iorque, terminando em 2001 como uma das noites mais frequentadas da cidade. Nos últimos 10 anos vem percorrendo a costa de Miami com sua Boat Party sendo uma das off’s mais cobiçadas durante o Winter Music Conference. Porém, você só embarca se for convidado. No início de 2002, Digweed junto com Sasha e Jimmy Van M empreenderam uma turnê de ônibus promovida pelo canal Clear Channel, foram mais de 31 datas passando por estados como Florida, Nova Iorque, Califórnia e outros não tão comuns como Texas e Louisiana. Com uma equipe de mais de 10 pessoas, a tour foi completamente auto-suficiente do ponto de vista técnico; som, luzes e configurações visuais foram trazidas ao longo de cada show que ao final atingiu quase 100 mil pessoas.

Votado pelo público americano como Melhor Evento de Dance Music dos EUA de 2003, tudo isso foi transformado em um DVD chamado Delta Heavy, mostrando bastidores, entrevistas e curiosidades durante as seis semanas que percorreram o país, o projeto elevou o nível de eventos dedicados ao gênero e os catapultou ao status de superastros de rock.

DJ MAGAZINE | Apesar de a revista britânica ter perdido reconhecimento pela comunidade conceitual nos últimos anos, ela já foi referência e abrangeu toda a cena global em uma época que não existia divisão entre Comercial vs Underground. John é um dos DJs mais votados de todos os tempos, estando presente no ranking top 100 de 1997 até 2012, sendo 11 anos entre os 10 e tendo o ápice em 2001 como o número 1 do mundo. Por mais polêmicos que sejam votações e rankings de música, é um feito admirável.

IBIZA | Entre 2013 e 2015 manteve a residência semanal Insane no clube Pacha nas sextas-feiras, John sempre esteve presente ao longo dos anos em diversos eventos do verão de Ibiza, tendo vinculo maior no clube Space na noite Carl Cox & Friends. Em 2014 lançou pela Bedrock uma compilação chamada Underground sound of Ibiza tendo como objetivo uma tentativa de resgate da verdadeira alma da ilha espanhola. Dois CDs meticulosamente elaborados entre ‘’Poolside / Day time’’ e ‘’Clubside / Night Time’’. No primeiro CD o próprio DJ convidou alguns de seus produtores favoritos para remixar as próprias músicas e transportá-las para o dowtempo. Tendo um ritmo que passeia entre balearic, trip-hop, ambient e algumas pitadas de house, ele é uma brisa viajante perfeita para ouvir em uma tarde ensolarada com vista ao mar. John comentou na época: ‘’Estou muito orgulhoso do disco downtempo, eu acho que musicalmente é um dos melhores trabalhos feitos até agora em nossa gravadora.” Em 2015 veio o volume 2 com convidados como Marc Romboy, Robert Babicz, Nick Warren, Guy Mantzur e Charlie May.

ARGENTINA | É indiscutível que Hernan Cattaneo é o maior ídolo dos hermanos, sendo elevado a semideus por tudo que fez pelo país, porém, colado atrás Digweed tem milhares de fãs por lá, uma relação que foi crescendo ao longo dos anos e que se intensificou nos últimos 5, muito por conta da nova geração de ouvintes que tem o mesmo feeling progressivo característico da sua história, mas com um pé moderno de techno. E é justamente essa a linha que ele tem apresentado, seus shows em Mar Del Plata viraram DVD, tendo em média mais de 5 mil pessoas para o verem jogar até o amanhecer.

AFINAL, QUEM É JOHN DIGWEED? Certamente todas essas conquistas ao longo dos anos o mantendo a linha de frente dos artistas mais seguidos e respeitados do cenário não seriam possíveis se ele não fosse, acima de tudo, um grande DJ! Tecnicamente assustador e mentalmente a frente do seu tempo, seus sets montados como um quebra-cabeças durante várias horas são uma mistura progressiva, que vem de seu inicio, com arranjos lineares de um techno da mais pura classe, criando picos de tensão e euforia. Incansável e prestes a completar 50 anos de vida, ‘‘Diggers” ainda se mantém com mais de 100 shows no ano nos 4 continentes do planeta. No Brasil, infelizmente e incompreensivelmente tem se apresentado muito pouco nos últimos anos, precisa voltar, nossa cena agradece. A música conecta as pessoas! 

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