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A música conecta

Apoena é um dos grandes nomes da indústria do vinil no Brasil. Conversamos com o artista!

Por Alan Medeiros em Troally 09.03.2017

No mundo da música, o glamour e a fama muitas vezes fazem a cabeça de jovens que acabam optando pelo caminho mais fácil e menos profundo para conquistar seus objetivos. Sorte nossa, que essa não é uma realidade eminente para todos, já que existem alguns artistas que possuem um envolvimento verdadeiro com a arte da discotecagem e vão além, tornando suas carreiras conhecidas pelo uso dos vinis.

DJ Marky, Kaká Franco, Murphy e Ale Reis, são alguns bons exemplos desse movimento, que tem ganhado força no Brasil e no mundo e revelado novos nomes e gravadoras com potencial para deixar seus trabalhos registrados para sempre, não somente nos discos que lançam e trabalham, mas na memória dos aficionados pela dance music.

https://www.youtube.com/watch?v=u2CKSuO4DwM

No Brasil, o gaúcho Henrique Casanova aka Apoena é um perito no assunto e com sua Allnite Music, tem feito um trabalho que merece destaque. O último disco do selo saiu nessa semana (confira review aqui) e para celebrar o bom momento de Henrique como DJ e também como frontman do selo, o convidamos para assinar o mix 99 da Troally e responder aquela nossa tradicional entrevista. Confira abaixo o resultado do rolê:

1 – Olá, Henrique! Obrigado por nos atender. Sua carreira é bastante conectada a cultura do vinil, não é mesmo? Você realmente tem sentido esse crescimento que é tão divulgado no mercado? A cena é diferente em relação ao período que você começou?

Sim! O vinil é das coisas mais importantes pra mim quando penso na minha carreira, no que eu faço e na música eletrônica como um todo. Quando eu comecei não havia nenhuma outra mídia, apenas o vinil, então era que nem tu tentar separar a bola do futebol: não tem como separar. O que eu tenho de diferente é que quando os CDJs apareceram e ao longo dos anos em que eles foram conquistando os DJs, eu simplesmente não me interessei por eles. Não que eu tivesse algo contra CDJs, mas a magia do vinil nunca morreu pra mim, não apenas a questão técnica mas a materialidade dos discos como um todo. Meu sonho como produtor sempre foi lançar um disco, botar eles na minha bag junto com meus discos favoritos, poder me sentir parte do corpo de produtores da indústria do vinil. Produtores que passam pelo crivo dessa indústria tradicional.

Quanto ao crescimento do mercado do vinil eu sinceramente não acredito. Mas estou falando do meu universo de interesse, a música eletrônica underground. Não estou falando da indústria pop, sobre a qual eu não entendo nada. No House e no Techno underground alguns poucos DJs em todos os cantos do mundo jamais desistiram do vinil, jamais deixaram de ter essa paixão pelos discos. Foram essas pessoas que mantiveram a indústria existindo e é uma indústria até hoje muito rica, ainda exitem muitos selos e produtores nela. O que diminuiu mesmo foi a prensagem. Se no fim dos anos 90, 2000 cópias era o padrão do House/Techno underground, hoje o padrão é entre 200 e 300 cópias. Repito, sobre esse mercado estar crescendo, sou cético. A resistência é pequena, é um micro-universo. Mesmo em Berlin tenho visto controladoras nos clubs e um público jovem que não presta atenção na mídia que está sendo usada. Só vou acreditar em crescimento quando nós, os label owners, começarmos a vender fácil as 300 cópias e precisar prensar tiragens maiores.

2 – O RS é um estado com personagens importantes na história da música eletrônica brasileira, mas que nunca ocupou exatamente um papel de destaque principal. Como você avalia a cena no estado atualmente? O que pode ser feito para que a música eletrônica evolua por aí?

Bom eu acho sinceramente que temos um dos maiores mercados do Brasil atualmente. Os DJs brasileiros que estão em bons momentos no seu marketing pessoal chegam a tocar no RS duas ou três vezes por mês. As cenas do interior aqui são incríveis, com eventos grandes. Pra mim o que falta no RS é as pessoas daqui se valorizarem e também ousarem um pouco mais, superarem formas antiquadas de trabalhar. Quando eu comecei a fazer festas aqui percebi que a linguagem visual e de marketing que as festas fazem é de tratar qualquer DJ de fora do Estado como um super star e os DJs locais como pouca coisa. Talvez o iterior ainda precise fazer isso por trabalhar com um público mais cultura de massa, mas aqui em Porto Alegre, nas minhas festas, eu trabalho diferente. Com o currículo que eu tenho, conhecendo som e no mercado como conheço, não pago rios de dinheiro para artistas hypados, nem deixo de reconhecer nosso próprio valor, dando destaque aos excelentes DJs que temos aqui. Ao mesmo tempo, procuro dar oportunidade pra artistas de fora daqui quando vejo de fato sua qualidade, independente se são conhecidos ou não.

3 – Laurent Garnier, Delano Smith e Luke Hess são apenas alguns dos nomes que já tocaram seus discos. Entre tantos suportes especiais, há algum que você considera mais importante ou um ponto de virada na sua carreira?

Olha sem dúvida quando ouvi aquele set do Delano Smith no Soundcloud da Mixmode (seu próprio selo) com a track “Nuvem” lá, foi marcante, mais que qualquer outro set ou chart, por que ele é das minhas principais influências e aquele era meu primeiro disco. Foi muito especial, senti como se fosse um selo de aprovação da minha arte. Eu já tinha tentado comunicação com ele antes, até pra mandar demo, mas nunca rolou. Mesmo depois disso, tentei contato de novo e não tive resposta. Foi simplesmente uma decisão musical dele mesmo, usar a track. Mas como eu já disse inclusive em outras entrevistas, nada disso foi ponto de virada na carreira por que a indústria do vinil não tem mais prestígio no mercado brasileiro. Um punhado de entendedores sabe o significado disso, mas o público geral não.

4 – Na sua visão, um DJ que toca com vinil ele é “mais artista” que um outro que prefere as mídias digitais? Ainda sobre esse assunto: o que exatamente difere um bom DJ dos demais?

Não que ele seja mais artista, mas sem dúvida ele está empenhado numa técnica mais difícil de dominar e talvez mais importante que isso, ele está usando uma indústria que soa diferente. Isso que muita gente não sabe, vinil não é só questão de mídia. As industrias tem estilos e sonoridades diferentes. Compare o Top 10 Deep House do Beatport com o da Decks Records por exemplo, é outro universo estético. Mas eu não quero soar aqui como quem odeia o digital. Eu também compro e uso tracks digitais. Faz pouco tempo mas comecei a usar CDJs, além do vinil, pra não precisar dar V.O. em nenhuma gig. Mesmo quando tem toca-disco, nunca é garantido, no Brasil, que o pico vai ter condições de rodar vinil. Eu tenho uma bag de CDs que levo pra todas as gigs e me divirto muito usando. Os outros DJs sempre me tiram onda por causa dos CDs. Eu brinco que em 2018 vou usar pen drive. Quero ver cumprir a promessa [risos].

Sobre o que é um bom DJ, eu só posso dar minha opinião, não quero que ela seja a verdade absoluta. Tem DJ que mixa mal, não percebe compasso etc e mesmo assim muita gente adora, então isso é muito pessoal de cada um. Um bom DJ pra mim tem que ter técnica consistente (porque eu gosto tanto da música quanto da técnica do House/Techno, pra mim as duas coisas são apaixonantes) e tocar o que gosta, nunca esquecendo de ser dançante. Eu mesmo as vezes ouço críticas de que meus sets são um pouco mais acessíveis do que o que seria de se esperar de mim, dada minha produção e influências, mas o que muita gente não sabe é que uma das minhas principais influências e dançar feito louco com 18 anos de idade em clubs underground, curtir aquelas noites mais loucas na pista. Então quando eu toco eu não quero apenas dissertar sobre meus caminhos musicais underground preferidos, nem receber elogio de quem entende tudo, eu quero fazer uma pista forte, fazer uma festa louca e fazer isso com tracks que eu gosto é o que considero a minha arte. É o meu prazer e o meu desafio.

5 – Sobre a Allnite Music, o que podemos esperar para o restante de 2017?

Cara, no vinil as coisas levam tempo. Com os processos atuais de prensagem e distribuição que eu estou fazendo, é difícil lançar mais de dois discos por ano. O selo é pequeno então eu preciso observar as vendas de cada lançamento, esperar retornos etc, antes de lançar o próximo. Meu objetivo é ir de vagar e sempre. Dois discos por ano bem na boa. Vender a prensagem é um desafio e tem que ser visto com seriedade. Não tem muito espaço pra arriscar. Tipo, eu lanço quase sempre EPs APOENA, o meu trampo. Quando eu vario, convém trampar com gente que já tem uma corrida na indústria e aí acaba sendo artista gringo.

7 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa na sua vida?

Tem uma track que eu gosto do People Under The Stairs que o refrão diz assim: “ I b-boy for life so fuck a suit and a tie”. Nesse som eles falam sobre o sacrifício do artista. “So recognize whose the guys devoting they life to it; Sacrificed stability to flex our ability”. Eles colocam com perfeição. O único jeito de tu te tornar realmente bom é desenvolvendo as habilidades e o único jeito de desenvolver é focando. Então tu sacrifica o resto. Sacrifica os caminhos convencionais que poderiam te proporcionar mais estabilidade. A música é onde eu boto a minha dedicação e só faz isso quem não consegue viver de outra forma. Não é só amar a música. É uma vocação.

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