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A música conecta

Troally com Christian Hornbostel

Por Laura Marcon em Troally 02.12.2019

Desde a descoberta das primeiras batidas eletrônicas, dos primeiros sintetizadores, das primeiras produções digitais, a forma com que a música é produzida e apresentada mudou drasticamente. Novos equipamentos, novas tecnologias, infinitas possibilidades! A era digital também modificou a figura do artista, a pista de dança e a forma com que eles se relacionam. 

Quem teve a possibilidade de acompanhar uma grande parte dessa história carrega consigo grandes marcas e características daqueles tempos em que que nem pensávamos em mídias sociais e não criávamos tanto com alguns clicks. Christian Hornbostel é uma dessas figuras que valoriza o experimento, a ousadia e a criatividade artística em todas as suas formas, com um toque saudosista e muita competência.

+++ Nonotak: explosão monocromática. Conheça o projeto apresentado na edição passada da Troally.

Icônico do cenário underground por mais de duas décadas, ficou mundialmente conhecido como a mente por trás de hinos tocados repetidamente por Sasha e Digweed em seus sets e incluídos nas vanguardistas compilações, Renaissance e Global Underground e se manteve consistente no mercado até hoje, com produções versáteis e respaldo de nomes importantes do cenário. Você confere agora seu set exclusivo para o Troally e uma conversa pra lá de interessante sobre o passado, influências, criatividade e mais. Aperte o play e vem com a gente!

Alataj: Olá, Christian! Tudo bem? Obrigado por nos atender. Após duas décadas de carreira, é possível dizer que a música te trouxe muitos ensinamentos e experiências. O que você guardou de mais valioso até aqui?

Christian Hornbostel: Olá e muito obrigado pelo convite. Na verdade  a música me acompanha diariamente desde criança. Minha mãe era uma amante da música clássica então eu cresci ouvindo Beethoven, Mozart, Debussy, Chopin, Tchaikovsky, Rachmaninoff, etc. Tive meu primeiro contato com um instrumento musical (solfejo e performance de flauta transversal) na escola de música local aos 11 anos de idade, toquei com minha primeira banda de rock aos 14 anos, mais tarde me tornando um baterista profissional de estúdio de gravação. 

Durante os anos da faculdade, perdi minha cabeça por psicodélicos, progressivo e hard rock, daí para fusion e jazz, daí para funk e disco, então para new wave e techno, começando ao mesmo tempo a coletar milhares de vinis. Aos 18 anos comecei a discotecar, produzindo, pouco depois, minhas primeiras faixas. Então eu posso dizer que a música é realmente como oxigênio para mim. Fazer música é mais do que apenas entretenimento, é algo que me mantém vivo.

Ser um artista que desenvolveu sua carreira nos anos 90 significa ter vivido uma série de transformações e descobertas no que diz respeito a cena eletrônica enquanto comunidade. Quais são as suas lembranças mais marcantes em torno deste período?

Foi um momento divertido e brilhante, com certeza e principalmente porque – na minha opinião – as pessoas nos clubes percebiam a música muito mais intensamente do que hoje e não apenas porque não perdiam o foco na pista de dança fazendo selfies! Além disso, os DJs eram apenas DJs e não rockstars ou modelos. Em outras palavras, a música era o ponto principal indiscutível, a química era real e absoluta. E os DJs, eles eram alquimistas. Por trás da cabine do DJ havia muito mais coragem, experimentação criativa e inovação e nenhuma farsa, baderna e sets pré-programados como acontece frequentemente hoje, se é  que você me entende.

Longe de querer comparar períodos, mas quais pontos você considera como as principais diferenças entre a dance music criada no fim do século passado e o que estamos fazendo agora?

Atualmente os sistemas de softwares de áudio digital, os hardwares e os instrumentos em geral são extremamente acessíveis em comparação com o final do última século. Esta é uma perigosa faca de dois gumes, porque quase todo mundo é capaz de construir seu próprio estúdio de gravação sem riscos econômicos, mas muitas vezes também sem saber nada sobre as regras básicas de composição, produção, arranjo, mix e masterização!

E não estamos aqui falando apenas de estúdios, mas até de gravadoras. Infelizmente, muitos gerentes de labels são inexperientes e, consequentemente, não tendem a pensar diferente e ousar se arriscar em experiências musicais. Nos últimos anos, isso causou uma uniformidade contraproducente de muitas produções em quase todos os gêneros de música eletrônica e uma super saturação do mercado.

Em sua bio, você cita a importância que caras como Sasha e John Digweed tiveram em sua formação. O que você poderia comentar a respeito da influência do trabalho destes caras no seu perfil sonoro?

Deixe-me contar uma breve história sobre isso. Eu soube que o Sasha e John incluíram duas faixas minhas com Mr. Marvin em uma das suas compilações da Global Underground apenas dois anos depois do seu lançamento. Eu sei, parece loucura, mas é verdade. Fato é que ninguém da nossa gravadora nos informou sobre o assunto (pensando bem eu acho que eles fizeram isso intencionalmente) e também não havia internet na época.

Somente quando eu estava em Londres para uma sessão de gravação e comprei uma cópia da ilustre DJ Magazine em uma das bancas do aeroporto de Gatwick que vi que a imprensa musical inglesa me apelidou de um dos “produtores favoritos de Sasha & Digweed”. Provavelmente, também por esse motivo, logo depois disso recebi propostas para meus primeiros shows em Londres, no Crash and Gallery.

A Alemanha possui uma das cenas de música eletrônica mais tradicionais e importantes do mundo. Como o país e seu público, especialmente mais jovem, têm impactado sua carreira e forma de criar nos últimos anos?

A Alemanha é um dos países de tecnologia musical mais inovadores do mundo há mais de 100 anos. A Telefunken foi fundada em 1903 como uma subsidiária da AEG e da Siemens & Halske, a Sennheiser foi fundada em 1945. Nos anos 70, grandes artistas como Depeche Mode, U2, David Bowie, Iggy Pop, Brian Eno vieram a Berlim para gravar suas músicas no lendário Hansa Tonstudios. Todos os artistas mencionados puderam se beneficiar de uma qualidade tecnológica inacreditavelmente alta. Mas existe outro denominador comum: todos foram afetados pelo talento fantástico e pelo verdadeiro espírito criativo de Berlim.

De fato, a sinérgica combinação entre os estereótipos alemães contemporâneos de eficiência e disciplina e a cultura de mente aberta da cidade levou a música para um centro de experimentação ousado e inovador, que, por sua vez, foi fundamental para o desenvolvimento seguinte de techno e música eletrônica em todo o país. No final, posso dizer que não apenas grandes artistas nacionais como Kraftwerk ou, mais underground, como Manuel Göttsching influenciaram minha carreira, mas também uma forte cultura musical tradicional e provavelmente até a energia vestígios da época me ajudaram massivamente a chegar onde estou agora.

Seu extenso catálogo é formado por releases em labels de renome na comunidade internacional. Geralmente, você costuma produzir suas faixas pensando em alguma gravadora ou a estratégia é deixar as coisas fluírem mais naturalmente?

Como já foi dito, muitos gerentes de gravadoras não estão, por várias razões, inclinados a pensar de maneira diferente e a ousar experiências musicais. Outras muitas vezes mudam a direção da música tão repentinamente que, antes de você enviar uma produção adequada, eles já estão a anos-luz do estilo anterior. É por isso que eu geralmente prefiro produzir minhas faixas sem nenhum rótulo em mente e, ironicamente, tentar fazer o all in.

Qual a linha de pesquisa que te guiou para gravação deste mix?

Existe apenas um método para mim, que é a arte de improvisar e montar qualquer coisa sem preparação prévia. Improvisação envolve imaginação e criatividade e eu curto muito isso.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Existe uma versão mais engraçada para a frase ‘uma vez é suficiente’ que é ‘Paganini não se repete’. A frase se origina de um episódio datado de 1825, quando o rei Charles Felix solicitou a um artista um bis de uma peça de que ele gostou; mas como Paganini tinha improvisado o ato, ele foi incapaz de repetir a apresentação e, segundo se diz, isso foi sua resposta: ‘Paganini non ripete’.

Bem, como não sou Paganini, posso não apenas me repetir, mas neste caso eu até me permito copiar e colar: Então, posso dizer que a música é realmente como oxigênio para mim. Fazer música é mais do que apenas entretenimento, é algo que me mantém vivo.

A música conecta.

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