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A música conecta

A house music de Kaká Franco é sempre uma boa pedida

Por Alan Medeiros em Troally 27.05.2016

É sempre interessante quando um DJ consegue criar tamanha identidade dentro de uma vertente, ao ponto de seu nome ser automaticamente relacionado a ela. Em tempos onde a linha entre house e techno está cada vez mais turva – o que por um lado é bom – e os sets estão cada vez mais dinâmicos, possibilitando assim um melhor encaixe entre faixas de diferentes vertentes, Kaká Franco segue fiel as suas origens – e não estamos falando apenas da house music. O DJ curitibano é o que podemos chamar de um cara old school. Não espere dele aquele perfil bombado, com look preto em todas as gigs e um Instagram repleto de ostentação. O Kaká é aquele cara que passa o perfil família, sujeito boa praça e semblante amigável. Nos decks, com seus toca-discos, ele se transforma em uma enciclopédia musical viva e pulsante, capaz de mudar o rumo de uma noite. Depois de assinar um lindo set pela Alaplay, Kaká agora está conosco na Troally, em mais um set exclusivo. Música de verdade, por gente que faz a diferença!

1 – Olá, Kaká! Muito obrigado por falar conosco. Todos sabem da sua relação muito intensa com a house music. Ao longo dos últimos anos, quais foram os artistas que mais te prenderam a atenção? E historicamente falando, quem são seus grandes ídolos dentro da vertente?

Olá Alan, primeiramente gostaria de agradecer o convite de participar do portal Alataj, antes participei do Alaplay e agora do Troally que considero hoje uma das mídias especializadas mais importantes do país, parabéns pelo excelente trabalho!

Bom, essa relação com a House Music realmente virou uma identidade forte, sempre quis ser visto como um DJ de House, pois eu tinha certeza que esse estilo me acompanharia sempre e hoje isso já representa quase 14 anos. Nesses últimos 2 anos tenho me surpreendido com alguns novos produtores, muitos até bem novos, mas com uma profundidade grande em elementos de jazz, principalmente piano e bateria. Sempre gostei muito do Jazzy House, porém muitos discos estavam encostados, alguns eu arriscava tocar, mas não tinha a receptividade ideal na pista mas vejo hoje que essas mesmas músicas parecem ter um efeito melhor! Acho que o público também evoluiu e com isso apareceram esses novos produtores como Imyrmind e Glenn Astro que são dois grandes exemplos, mas também não posso deixar de citar o Max Graef, Laurence Guy, Ishmael, Petr Serkin, Owen Jay & Melchior Sultana e DJ Aakmael.

Já os grandes ídolos atemporais, com certeza Glenn Underground, Boo Williams, Kerri Chandler, Chez Damier, Rick Wade, Kevin Yost e por aí vai.. Também tenho uma queda forte pelo house da França, DJ Gregory, Tomas Banghalter, Etienne de Crécy e hoje acompanho bastante Janeret, Djebali, John Jastszebski e DJ Steaw.

2 – O Brasil vive um momento onde o techno tem sido muito bem aceito nas principais pistas do país. Ainda assim, nós acreditamos que a house music traz em sua essência a energia e perfil do público brasileiro. Como você enxerga essa relação?

Por sermos um país latino-americano, o swing, a percussão e o groove, estão inseridos no nosso DNA e a House music consegue trazer isso com facilidade, creio que esse é um dos grandes pontos de sinergia com o público brasileiro que valoriza a boa música. Agora o Techno e o House sempre andaram juntos, parecem dois irmãos, um puxa o outro pra cima, os dois se revezam no dancefloor durante anos. Mesmo eu sendo um entusiasta da House music, toco muito Techno por aí e não acredito que isso atrapalhe minha identidade, até pelo contrário, ela soma demais. Funky Techno é fantástico, quando vejo que há necessidade de tocar algo mais pesado e alegre, é para essa vertente que eu recorro.

3 – Você é um adepto da cultura do vinil, certo? Conta pra gente os principais motivos que te levam a seguir tocando nesse formato, mesmo com tantas opções oferecidas pela tecnologia

Vou começar pelo maior motivo de todos: o da minha própria satisfação. Quando comecei a sair, DJ tinha que obrigatoriamente tocar com vinil e foi assim que encarei os fatos, enquanto eu não tocasse com neste formato eu não me sentiria satisfeito por completo e acho que o público precisa de um artista que suba na cabine feliz, com vontade e determinado em cumprir sua missão, foi nesse formato onde preenchi minhas expectativas. Tenho uma identidade de pesquisador, de trazer surpresas do passado e contemporâneas, no vinil isso é facilitado pois existem muitas musicas exclusivas do formato, recentemente a pesquisa tem sido até mais fácil e eu já me habituei com essa forma de pesquisar. Até por que como não preciso atualizar software, comprar plug-ins, atualizar laptop, atualizar CDJ, eu posso usar esse dinheiro para a compra de vinil. Por outro lado o formato carrega também uma série de desvantagens, como o peso, a falta da praticidade, as cabines não estarem adequadas com rider técnico, entre outras. Mas é nessas adversidades que gosto de me apresentar, pois consigo demonstrar minha técnica e talento na “raça”, “no puro” e “no esforço”. Isso me motiva bastante!

4 – Quais foram os principais desafios que você já teve de encarar na sua carreira?

Família sempre foi um ponto difícil, meu pai é da geração Baby Boomer, entendo a dificuldade dele, mas na cabeça dele isso tudo é coisa de vagabundo. Hoje nem entramos nesse assunto pra evitar discussões, ele finge que não vê e eu finjo que ele não liga. Tive sempre grandes desafios, consegui meu espaço aos poucos, não foi nada de um ano pro outro e perdi oportunidades também por não fazer autopromoção por anos e só me preocupar com a técnica e a música. Por outro lado isso me deu grande bagagem para estar pronto quando o momento fosse oportuno. Foram vários botecos no interior do interior, cidades de 20 mil habitantes onde eu montava o setup no canto do boteco e ficava fazendo o som ambiente. Por algum tempo eu tocava antes e nos intervalos de bandas de sertanejo, pop rock e pagode. Não tinha espaços na capital, se eu não tinha nome, não tinha espaço nos clubes que eu queria. Mas o desafio estava aí, como criar o nome?

E nesse contexto todo, fiquei sem vários caches, ninguém assina contrato e ninguém executa ninguém pra não se queimar e o DJ vive nesse risco, um desafio e tanto para todos! Quem nunca ouviu aquela famosa, “Pô, a festa não foi como esperávamos e vou te pagar menos, ou o dinheiro entra pra você semana que vem, fica tranquilo” e nunca mais aparece.

5 – Para 2016, quais são os planos e novidades em sua carreira? O que você já pode adiantar pra gente?

2016 está em ritmo de alta, tenho gravado meus sets em vídeo e feito bastante material para podcasts locais e internacionais também e um trabalho legal nas redes sociais, hoje estou vendo alguns resultados para esse ano. A ideia é continuar com essa fórmula: vídeos, streams, posts, podcasts e aproveitar bem as festas que estão me contratando para agregar e gerar cada vez mais conteúdo. Estou estudando fazer uma festa no meu aniversário, mas nada ainda acertado. Preciso também estar próximo da minha base de fãs, como não sou do mainstream, tenho consciência que não estou aqui para carregar multidões, mas em contrapartida quero deixar a melhor qualidade possível e boa aproximação com os que me acompanham neste ano. Minha residência na Hot Legs me proporciona isso, também faço parte da Radiola, me aproximei deles 2 anos atrás e quero cooperar da melhor forma com esse time, acredito muito nessa label.

Também rodamos o podcast Tropicália house.club junto com Paulo Pires e Thaisa Dias que nos rendeu a aproximação de alguns nomes gringos e nacionais que gostamos, com o objetivo de fomentar a educação musical de nosso público e mais ainda o entretenimento para aqueles que vão mais a fundo na House music. Isso me ajuda a mapear um público de alto valor.

https://youtu.be/JjeXZLYXFq4

6 – Acreditamos que a música possui importante papel de transformação social. Na sua visão, o que falta para que cada vez mais um número maior de pessoas tenham acesso a boas festas de house e techno?

Essa pergunta é interessante, já ouvi muitas respostas em bate papos e conferências com esse assunto. Os núcleos passaram a ter um papel importante e hoje os que fizeram um bom trabalho tem grandes chances nos clubes e festas com showcases, ou seja isso já é uma amostra e um reconhecimento do mercado de que existe sim uma boa festa. Os contratantes estão contando o dinheiro e segurando um pouco os nomes gringos do line, então os núcleos ganham espaço. Hoje todos sabemos que o comercial tem um papel importante de trazer para um primeiro estágio e chegar em um público mais novo e jovem. Acredita-se que uma parte dele venha a ser um futuro frequentador de boas festas, mas isso me preocupa um pouco, não sei ainda se dá tempo, ou seja, quando esse público tiver formado uma opinião conceitual talvez ele não sinta mais vontade de sair por diversos outros motivos, trabalho, família, etc… Isso ainda é forte na nossa cultura, balada é muitas vezes sinônimo de má conduta por vários motivos e é importante investirmos em conjunto para mudar isso, fazer com que a longevidade das pessoas dentro dos nightclubs aumente e que este comportamento seja visto como um entretenimento e acesso à cultura, como todos as outras formas de expressão artística e como eu trabalho com músicas mais conceituais e trabalhadas é o público mais maduro, não só pela idade mas pela bagagem cultural, que me movimenta, então pra mim é fundamental essa preocupação com a forma como a cena local evolui.

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