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A música conecta

O espírito aventureiro e desbravador de Lourene

Por Alan Medeiros em Troally 27.06.2016

Historicamente, a contracultura exerce função indispensável para evolução do cenário artístico e na música eletrônica não é diferente. O movimento que surgiu na década de 60 tem inspirado público e artistas a consumirem arte de uma maneira diferente e isso é muito positivo para o mercado. Cidades como Curitiba e São Paulo já possuem há um certo tempo núcleos, coletivos e festas que destoam do que nós estamos habituados a frequentar e com muito trabalho eles tem reformulado a forma da galera ir pra pista, produzir arte e se manifestar.

De uma forma geral, estamos passando por uma fase onde a liberdade de cada indíviduo está em evidência e esses movimentos são a “casa” para que tudo isso aconteça de maneira organizada e constante. Lourene é uma das peças chaves para evolução desse cenário na capital paranaense. Trabalhando há três anos junto a Gold Dome, ela e sua crew organizam festas, promovem uma marca de roupas e apoiam artistas de que possuem um trabalho pra lá de interessante em campos como fotografia, vídeo e claro, produção musical. Às vésperas do evento que comemora o primeiro aniversário da Redoma, nós conversamos com Lourene sobre o momento atual de sua vida e carreira, ela também gravou um set usando quatro decks que você ouve com exclusividade pela Troally. Música de verdade, por gente que faz a diferença!

1 – Olá, Lourene! Tudo bem? Obrigado por falar conosco. Você é uma das mentes por trás da Gold Dome e da Redoma, certo? Como trabalhar com a festa e com as outras plataformas que a envolvem contribui para sua evolução artística?

Exato… com a Gold Dome lançamos músicas, roupas, vídeos, fotos e eventos, um deles a Redoma, que já é um projeto maior do que apenas uma festa. Eu não só trabalho com isso, eu vivo isso. É louco porque o crescimento pessoal e profissional estão sempre juntos na minha vida e me deparar com adversidades e conflitos gerados por esse meio artístico me inspiram a criar de forma mais intuitiva e muito sentimental, visceral.

2 – Nós identificamos em seu Soundcloud uma versatilidade quando o assunto é DJing. Como você se sente tocando e pesquisando diferentes estilos musicais? É confortável para você tocar vertentes diferentes no mesmo set?

A minha pesquisa e gosto musical são abrangentes, mesmo. Desde a infância e adolescência me interesso por muitos estilos e me sinto atraída por diversos movimentos. Do jazz ao rap. Comecei a tocar há 10 anos atrás, focada no minimal techno. Não tinha os equipamentos em casa, o que me fez parar por um bom tempo. Quando me deparei com os softwares e a facilidade monetária que isso representa, recriei a forma como o fazia, tocando break beats, dub e vertentes experimentais da música eletrônica. Eu acho maravilhoso poder tocar o que gosto! Tocar estilos diferentes no mesmo set e poder apresentar uma gama maior de possibilidades ao público é incrível e dinâmico… Fico muito feliz quando vejo outros djs fazendo isso e sou assim, também, em minhas produções autorais.

3 – A Redoma faz parte de um grupo de eventos que defende ideais como liberdade e respeito no dance floor. Na sua visão, qual a principal diferença dos eventos que você produz em relação as noites em clubs tradicionais do Brasil?

Não costumo comparar para não perder, vejo a importância do trabalho de todos em tudo. É muito difícil manter um clube todo fim de semana aberto e funcionando. De qualquer forma, para falar de diferenças, podemos começar pelos preços: na Redoma não há diferença de gênero. Existe, também, todo o leque de intervenções artísticas (grafitti, artes plásticas, exposições, performances, instalações) que não cabem dentro de um clube da forma como fazemos. A curadoria geral não depende do que pode atrair público, mas sim, do tema escolhido e do que pretendemos gerar com todo o projeto, o sentimento a ser eliciado… Mas acredito que o mais importante é realmente a liberdade da crítica política, do posicionamento sem medo e de não oferecer apenas entretenimento… Porém, em Curitiba alguns clubes estão se adaptando e oferecendo preços igualitários, o que me deixa muito feliz!

4 – Falando um pouco sobre sua formação artística. Quais estilos e artistas mais te influenciam atualmente? Outros movimentos artísticos – como dança e pintura – contribuem para sua construção musical?

Acredito que tudo influencia em minha construção musical, porque não consigo separar a música do resto das artes. Já estudei e encontrei inspiração em diversos movimentos… Artistas dadaístas e surrealistas mudaram a minha vida e me fizeram pesquisar estilos musicais diferentes. Atualmente, a música regional e orgânica tocada em diversos lugares do mundo têm me influenciado muito, mesmo nas pesquisas por música eletrônica… Acabo buscando músicas com tais samples ou timbres e fico tentando chegar neles quando produzo.

5 – Curitiba vive um momento parecido com São Paulo e outras capitais do mundo, onde a música eletrônica está cada vez mais inserida no contexto urbano. O que falta para sociedade olhar esse movimento artístico com outros olhos?

A sociedade é cheia de problemas, né? Julga através de olhares equivocados muitas coisas além do movimento artístico e cultural. Falta empatia, perceber que a cultura é o que nunca se perde em um povo, ao contrário do capital, que pode e deve ser gerado pela própria cultura de forma criativa e colaborativa. Falta descentralizar o poder. Podemos estar inseridos no contexto urbano, mas dependemos de alvarás, autorizações ou propinas para que certas casas não fechem, festas ocorram e algumas poucas pessoas sejam tocadas com o que fazemos. Fazemos micro política, isso sim, mas de valor essencial. O que me indigna é ver discurso de “coletivo” discutindo quem é precursor do que, a competitividade entre selos, egoísmo curitibano na hora de compartilhar lugares legais para fazer festas… Mas vejo que a consciência e cresce cada vez mais.

6 – Na sua visão, falta espaço para as mulheres nos line ups dos grandes eventos? O que pode ser feito para melhorar esse quadro?

Já participei de debate, painel, palestra… tudo que é encontro para falar sobre isso com diversas mulheres ativas e maravilhosas da música. Sim, falta espaço e sempre faltou. É só dar uma olhada rápida nos line ups de festivais de música em geral e verás: minoria feminina. Acho importante parar de tratar com diferença “a” DJ, produtora ou artista… Incluir o máximo que se pode nos eventos realizados, trabalhar o empoderamento feminino de todas as formas, falar sobre isso abertamente a todo o momento. Dar oportunidade e, principalmente, não desencorajar as iniciantes.

7 – Para encerrar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Toda a minha construção de personalidade e visão de mundo. Através dela entro em contato com culturas diferentes e me obrigo a evoluir.

Foto capa: Isabella Glock
Foto matéria 1: Vitor Augusto

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