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A música conecta

Vitrola | DJ Nuts e seu tesouro musical

Por Alan Medeiros em Vitrola 05.06.2017

A riqueza da música genuinamente brasileira é algo inegável e em meio a um turbilhão de informações e caminhos para seguirmos, algumas poucas pessoas conseguiram se tornar referência no assunto após anos de muito amor e dedicação. Um destes nomes é o do DJ Nuts, reconhecido por seu rico background musical que fica evidente em suas apresentações que sempre possuem uma atmosfera realmente especial.

O DJ é um dos maiores colecionadores de discos do país e desde o século passado, segue como uma figura respeitada no meio artístico. Nuts já colaborou com nomes como Marcelo D2, O Rappa e Zegon – com quem formou o projeto de turntablism DZ Cuts -, mas também ganhou reconhecimento através de seus comentados mixtapes que abordaram, desde a década passada, algumas temáticas diferentes como rap e cultura vinil.

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No último fim de semana,ele foi uma das atrações do RBMA São Paulo, tocando antes de Arthur Verocai na Catedral da Sé. Antes dessa apresentação, conversamos com Nuts sobre sua jornada na música e alguns assuntos variados. Confira o resultado desse bate-papo:

1 – Nuts, tudo bem? Muito obrigado por nos receber. Você é reconhecido como um dos grandes pesquisadores da música brasileira e isso certamente não aconteceu da noite pro dia. O que te levou a entrar nessa caminhada? O que te motiva a seguir atualmente?

Não me vejo como um pesquisador exatamente, sou apenas viciado em discos. Quando virei DJ no final da década de oitenta ter material físico era obrigatório, então montei meu primeiro case para discotecagem e na medida que o vinil começou a ficar raro me preocupei em completar meu quebra cabeça de musica brasileira. Eu transo principalmente sambalanço bossa nova, coleciono cantores e cantoras em geral, rock progressivo psicodélico e muita musica jovem. É claro black soul, samba rock entre outros gêneros, não curto muito internacional e fico trancado cronologicamente nos anos 60 até os 80 mais ou menos. Primeiro fui motivado pela busca de samples e depois em achar sons para tocar na pista. É tão gratificante poder reativar sons esquecidos para o jovem ouvir, sendo o verdadeiro sentido disso tudo, musica antiga é tipo infinita sempre tem algo de novo para conhecer, todo colecionador por mais avançado que esteja sempre tem algo de novo para aprender por isso continuo interessado no jogo.

2 – Depois de tantos anos garimpando, você ainda encontra algum artista/selo/estilo que te surpreende por completo dentro da nossa cultura musical?

Eu até já tive os meus dias nisso, mas também não me vejo como um garimpeiro original pois eu vivo os dois extremos, por um disco eu posso pagar apenas um real ou disputar altos preços em um leilão, gosto muito mais de notas musicais do que de cédulas, primeiro me dediquei em completar os LPs que me faltavam, depois fui surpreendido pelos compactos em 7 polegadas. Nesses eu encontrei sons inéditos que não estariam disponíveis em nenhum outro lugar e descobri gravadoras pequenas que publicaram em menor tiragem títulos que foram desprezados e não muito comentados bem longe do modismo, aonde mora a verdadeira raridade. Com todo respeito, Tim Maia Racional seria um “santo graal” apenas para um colecionador iniciante mesmo.

3 – Percebo que na música eletrônica, muitos DJs lá de fora são apaixonados por nossas raízes musicais e não fazem questão de esconder isso. Já por aqui é um pouco diferente. Claro que temos grandes pesquisadores, mas de uma forma geral, você não acredita que as nossas raízes deviam estar mais presentes em nossa dance music?

Estrangeiros por aqui são visto como vilões pois eles elevaram os preços. Porém eu vejo de outra maneira, porque só depois que esses discos começaram a sumir das lojas foi que o pessoal daqui começou prestar mais atenção e dar o valor devido, porque até então os brasileiros estavam desprezando nossa própria musica. Eu aprendi muito com japonês, norte americano e amigos da Europa, só tenho gratidão por esses. Conhecimento é a nossa moeda

4 – O turntablist é uma técnica bastante especial e uma das marcas da sua discotecagem. Fale um pouco a respeito do seu relacionamento com esse estilo

Manipular e ter intimidade com o som seria o minimo para qualquer DJ – imagino. Não é nada mais que minha obrigação fazer algo criativo. Simplesmente deixar uma musica tocar e mixar seria muito básico até um chimpanzé faria. Já me dediquei muitos anos em montar performance, era meu sonho ganhar um campeonato, depois que faturei o titulo no ano de 2000 foi muito bom deixar de lado um pouco tudo isso que me alienava um tanto e tal. Continuo praticando por prazer apenas, adoraria melhorar meu scratch, continuo tentado novas maneiras.

5 – Como o hip hop e toda filosofia que existe por trás do movimento contribuiu para sua formação enquanto ser humano? Na sua opinião, movimentos musicais tem a obrigação de passar algum tipo de mensagem ou ensinamento além da parte artística?

Tudo sobre mensagem com certeza. Quando comecei a ouvir rap fui impactado por isso e percebi que estava posicionado de outra maneira, mudou minha perspectiva total em perceber as injustiças do sistema. Meu primeiro show foi Public Enemy em 1990, mesma época que comecei a frequentar a galeria no centro de SP e fazer amizades. Peguei também o final dos encontros no metro São Bento, aprimorei minha técnica com Marcelo 2 Da Bone que tinha acabado de produzir o primeiro disco dos Racionais MCs – ele foi meu mestre, eu tinha uns 13 anos. Formei minha personalidade graças a cultura de rua e o hip hop exatamente foi minha faculdade, nem ensino completo eu tenho.

6 – O que a cultura musical da cidade de São Paulo tem de melhor e mais encantador? Na sua visão, essa cidade pode ser considerada um grande tesouro musical?

Frequento o centro de SP tipo minha vida inteira desde moleque, e recentemente mudei para a região, estou feliz em estar tão perto das lojas principalmente. É por aqui aonde tudo que importa está, nossa cidade tem a melhor vida noturna do país com certeza. Tem para todos os gostos e tal.

7 – Como trabalhar com grandes lendas da música brasileira – como Planet Hemp, O Rappa e Gilberto Gil [não oficialmente] – contribuiu para sua reputação e experiência enquanto DJ? Tem alguma história curiosa que você poderia compartilhar conosco a respeito dessas colaborações?

Fui DJ para o grupo O Rappa e fiz turnês com eles por dois anos. Foi legal atuar no palco como se fosse um músico. Com o Planet Hemp trabalhei apenas em estúdio, na gravação de dois discos. Essa nova fase morando la no Rio de Janeiro resultou em produzir o primeiro disco solo do Marcelo D2. consegui finalmente publicar minhas batidas e fazer famosa a formula de Rap com samba, fizemos junto de João Donato, Dom Romão e José Bertrami do Azymuth. Até então a nova geração não estava dialogando com esses meio esquecidos, depois virou moda esse tipo de resgate. Querido amigo Marcelinho Da Lua que ajudou a chamar esses músicos.

8 – Quais são suas expectativas para o Red Bull Music Academy Festival em São Paulo? Quão importante é para a cidade e o país ter eventos desse porte e curadoria? [A apresentação de Nuts foi no último fim de semana]

A expectativa é de ver um público diferente para somar conosco, precisamos de novas pessoas e novo clima, desfazer esse entendimento que qualidade musical não pode ser servida para a “massa” também.

9 – Para finalizar, uma pergunta especial. Na sua visão, a música brasileira é uma das mais originais e autênticas do mundo? Obrigado por colaborar!

Louvo o ritmo que veio da Africa principalmente, pois se não fosse por essa pegada a nossa maneira seria muito quadrada. As cores do preto e do branco se encontram por aqui, vejo em nossa musica em uma belíssima confusão de tudo isso.

A música conecta as pessoas! 

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