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A música conecta

Editorial | Como funcionava a logística para adquirir discos novos antes da Internet

Por Caio Stanccione em Editorial 19.01.2021

Ah, os anos 2000. Uma maravilha chamada Internet, que já era conhecida por todos os brasileiros, passava de artigo de luxo para um bem de consumo acessível a quase todos. Foi justamente no início dos anos 2000 que o mundo viu uma revolução sem precedentes sobre como a informação passaria a ser disseminada a partir daquele momento. Quantas horas gastas no chat do Humortadela, diz aí? Ou esperando horas e horas para baixar o lendário trote da Telerj através do Audiogalaxy, que antecipou Spotify, Torrent e o Napster. Hoje sabemos que a Internet também tem seu lado obscuro como a Deep Web e a compilação de comércio de tudo o que você faz nela, mas há 20 anos, quando tudo era mato, a Internet era uma Terra de Oz, onde a estrada de tijolos amarelos nos levam para lugares que antes eram virtualmente impossíveis de se chegar, inclusive quando o assunto era diggin

Bom, para entendermos o tamanho do impacto que a Internet teve na vida dos DJs, vou voltar um pouquinho na linha do tempo com vocês que começaram a pesquisar e montar um acervo musical a partir dos anos 2010, assim quando conversarem com um DJ das antigas e ele dizer que “hoje é tudo muito fácil, antes o bagulho era louco”, você não cometa a gafe de sair falando por aí que ele é catatônico. Aliás, pode ser que depois do que você ler aqui, passará a concordar com quem viveu tempos diferentes do que o seu.

Imagine um momento onde Spotify, Beatport, Shazam, Youtube, Telegram e aqueles sites onde você baixa música e plugins de forma pirata – e que desvalorizam o trabalho suado dos outros – não existissem. Imaginou? Aposto que você tá pensando “nossa, impossível! Não tem ferramenta nenhuma para pesquisar música assim”. E aí, como faz? Simples, o rádio! Eu tenho certeza que você só ouve rádio quando tá dentro do Uber, e assim, “ouve” né? Não são raras as vezes que o motora vai estar ouvindo algo que pouco te agrada, como músicas de louvor ou aquele sertanojo que só fala de como é ruim ser corno. Mas até uns 30 anos atrás, o rádio era uma das grandes ferramentas para descobrir o nome das músicas que gostava. Mas calma, não era tão fácil assim, nem sempre os DJs que tinham programas em rádios liberavam as IDs durante as transmissões, e quando isso acontecia, essa música já estava sendo tocada em bailes por pelo menos um ano por eles. 

É, o bagulho era louco e eu só comecei o relato da vida de um DJ antes dos anos 2000. Outra forma que você tinha para descobrir músicas novas era acompanhar os charts que as revistas especializadas – outra coisa que está extinta nos dias de hoje – criavam, a exemplo a DJ Sound

Agora, palmas! Você acabou de achar um material valioso, descobriu o nome daquela música que você tava atrás há uns seis meses. Partiu comprar o disco, né? É, mais ou menos, afinal de contas você acabou de chegar na próxima barreira que existia na época: conseguir achar o disco para comprar.

Como eu já abordei aqui no Alataj em outro editorial, o dono de loja de discos é o melhor amigo do DJ e, naquela época, isso contava muito na hora de você por a mão em preciosidades. Os DJs que possuíam os lançamentos tinham um fechamento forte com os donos de loja, não era raro quando um disco recém-lançado nem via a cor da prateleira, afinal de contas, a informação que tal vinil estava pra chegar já tinha rolado e os mais próximos aos que trabalhavam nas lojas tinham preferência.

+++ Como é ter uma loja de discos no Brasil?

Ouvir a música antes de comprar? Só indo à loja. O que hoje é algo obrigatório, antes era raridade. Já pensou em fazer o download de alguma música sem ouvir um trecho dela antes? Impossível, né? Mas antes era assim em algumas situações. Caso você morasse longe das capitais, a única forma que você tinha para comprar discos era via telefone. Você ligava na loja, perguntava o que o vendedor tinha disponível dentro de tal estilo musical e ele tocava pra você via telefone. Pensa que loucura comprar discos assim. 

Por fim, antes de chegarmos nos anos 2000, outra forma que você tinha de descobrir o que o seu DJ estava tocando era dar aquela bizoiada no rótulo do disco que estava rolando, mas você podia quebrar a cara. Literalmente. Se tem algo que é chato, antiético e uma tremenda falta de respeito, é pescoçar o que o DJ está tocando. Não era raro os casos de desinteligência com esse tipo de atitude. Qual a solução encontrada? Riscar os rótulos. Se você compra discos há um tempo, com certeza já topou com algum disco onde as informações foram rasuradas ou escondidas com um adesivo. Tudo isso para manter a exclusividade do disco. 

Aí veio os anos 2000, a Internet veio junto e derrubou todas essas barreiras que antes faziam só os mais loucos seguirem com a ideia de ser um DJ. Lojas como a britânica Juno Records e a alemã Decks passaram a vender discos para o mundo todo através dos seus recém-criados websites, com boletins diários sobre os discos que acabaram de chegar e ainda tinha a possibilidade de se ouvir o disco antes sem ser por uma ligação. Nesse momento acabou a exclusividade que os DJs tinham sobre as faixas, a dificuldade em conseguir tal música tinha se extinguido, bastava ter um cartão internacional et voilá: aquele disco que você sempre quis comprar – e nunca conseguiu por conta do vendedor nunca ter priorizado você – se extinguiu. 

A internet também é grande responsável por globalizar alguns estilos musicais que antes só eram explorados em certas regiões do planeta. Charts? Aos montes em dezenas de blogs e fóruns de discussão, que quase sempre eram regados a altas tretas de quem tocava melhor, de qual vertente era mais underground e outros tópicos pouco enriquecedores. E claro, com a Internet você também tinha a opção de nem precisar comprar o disco, afinal o MP3 tava aí gente, mostrando que você também não precisava pagar pelo arquivo digital nos primeiros momentos da tecnologia, onde quem era responsável pela venda e distribuição de música pouco dava para essa não tão nova invenção.  

Claro, as lojas de discos, as revistas especializadas e os programas de rádio continuaram fortes nos anos 2000 quando o assunto era descobrir faixas novas para comprar. Mas as novas ferramentas chegaram com os dois pés no peito dos métodos que ali existiam e, com o passar dos anos, as coisas se transformaram, extinguindo quase todo perrengue que um aspirante a DJ tinha. 

E você, conseguiria ser DJ sem a internet?

A música conecta. 

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