Thomas Bangalter, metade do influente grupo francês de dance music Daft Punk, tem uma casa no alto de Hollywood Hills. Ele e seu parceiro musical, Guy-Manuel de Homem-Christo, dividem seu tempo entre Los Angeles e Paris, onde moram suas famílias. Apesar de tanto jet-setting, porém, há poucas evidências de estrelismo de roqueiros (bem, a não ser o Porsche que Homem-Christo estaciona na entrada de sua casa).
Construído com vigas de madeira, no estilo de meados do século passado, o bangalô exala um ar retrô que reflete a estética retrô-moderna que percorre todos os palcos do Daft Punk em seus 20 anos de carreira.
Desde seu primeiro sucesso de dance-floor, “Da Funk”, em 1996, até a loucura sintética do álbum de 2001 “Discovery” à trilha em 2010 do filme “Tron: o Legado”, a dupla vem desbravando terreno enquanto invoca eras anteriores de música club, como o disco.
O Daft Punk expandiu o público da dance music juntamente com outros grupos do final dos anos 1990, como os Chemical Brothers, influenciou Madonna e Kanye West e ajudou a moldar o lado visual das apresentações ao vivo de dance music. Suas famosas máscaras de robôs e formação de palco espetacular em pirâmide inspiraram as performances high-tech de astros mais jovens da dance, como Skrillex. Nos oito anos passados desde o último álbum de estúdio da dupla, “Human After All” [Humanos, afinal], a dance music tornou-se um grande negócio, enquanto sons parecidos com o do Daft Punk se infiltraram nas Top 40 do rádio.
Agora o Daft Punk inverteu o rumo com seu novo álbum, “Random Access Memories” [Memórias de acesso aleatório], gravado pela Daft Life/Columbia. Rejeitando softwares de áudio digital, o álbum é uma revisão analógica da era das apresentações ao vivo, envolvendo um time de craques de tocadores de session, as lendas da disco Nile Rodgers e Giorgio Moroder, roqueiros independentes como Julian Casablancas e o astro do hip-hop Pharrell Williams.
“De certa maneira, é como se estivéssemos correndo por uma estrada na direção contrária a todo mundo”, disse Bangalter, 38.
O resultado é um álbum impressionante, mas que parece retrógrado, usando influências como soft rock, rock progressivo e new wave. O título é uma brincadeira sobre a ideia de memória do computador versus memória humana.
A noção de restaurar um toque humano na dance music parece central no novo álbum, cuja faixa inicial se intitula “Give Life Back to Music” [Restitua a vida à música]. Mas os membros da banda, que se conheceram na escola em Paris em 1987, insistem que a nostalgia não é sua principal motivação. Tampouco há algo de “julgamento”, disse Bangalter, sobre a posição antidigital que ele e Homem-Christo, 39, adotaram para fazer o álbum.
Mas ele se referiu a tecnologias como Pro Tools e Auto-Tune como tendo “criado uma paisagem musical muito uniforme”, e se entusiasmou sobre a flexibilidade dos músicos de carne e osso que recrutaram.
“É uma infinidade de nuances, nas misturas e tendências”, disse Bangalter. “Essas coisas são impossíveis de criar com máquinas.”
As qualidades de sentimento e vibração exaltadas pelo Daft Punk estão fora do alcance da maioria dos jovens músicos, cujas faixas dance “faça-você-mesmo” contam com a tecnologia que impeliu a carreira do Daft Punk nos anos 1990. Um garoto no quarto com um laptop e software pode fazer discos que parecem ter custado US$ 1 milhão. Fazer música como “Random Access Memories” realmente exige US$ 1 milhão, ou mais.
“Os computadores não foram criados para ser instrumentos musicais, para começar”, disse Bangalter. “Em um computador, tudo é estéril – não há som, não há ar. É totalmente código.”
A intenção da dupla é revelada na aparentemente improvável colaboração com o ator-cantor-compositor Paul Williams, que ajudou a compor as canções para os Carpenters e os Muppets. Williams escreveu a letra de “Beyond” [Além] e “Touch” [Toque] e cantou em “Touch”, uma suíte-canção grandiosa que funde prog-rock e pop schlock.
Para o Daft Punk, Williams parece representar uma espécie de espírito puro do entretenimento.
“Você tem essa sensação extraordinária, esse sentimento sobrenatural de ser transportado para outro lugar”, disse Homem-Christo. “Acho que tivemos um pouquinho desse pique, eu e Thomas, nos últimos 20 anos.”