Skip to content
A música conecta

Alataj entrevista Emika

Muitos são os talentos de alguém polivalente como Emika, mas a forma como ela os coordena a fim de extrair o máximo de cada um e, no processo, criar algo totalmente novo no sentido de uma Gesamtkunstwerk contemporânea, coloca-a entre uma nata bem seleta de artistas que transforma nosso panorama musical a cada momento que se reinventa. E isto é algo que ela executa com facilidade e solidez, dentro do escopo de uma musicalidade emotivamente pungente e sonicamente contundente.

Nascida na Inglaterra, onde fez parte do grupo de aficionados pelos graves que revolucionou a cena londrina com o Dubstep, ela atualmente forma o gigantesco contingente de figuras criativas que reside em Berlim. E, longe de colocá-la em meio a uma imensidão de aspirantes e veteranos que provavelmente diluiria a originalidade e arrefeceria a vontade de muitos, a cidade parece tê-la inspirado a ousar ainda mais e lançar obras que tanto desrespeitam padronizações estilísticas quanto reorganizam padrões estéticos dentro e fora das pistas.

Seu último álbum, Falling In Love With Sadness, dialoga diretamente com este nosso momento de conscientização acerca das realidades da depressão, especialmente no ramo em que ela se aventura diariamente. Nesta entrevista, feita logo após uma apresentação no em Griessmühle, club prestes a ser devorado pela expansão imobiliária de Berlim, ela dialoga conosco através de alguns tópicos centrais com a franqueza de alguém muito comprometida com o que faz, desvelando muito de sua carismática personalidade e fascinante sensibilidade.

Alataj: Por mais que possa parecer algo tipicamente oriundo de uma perspectiva masculina, devo dizer que me pareceu um tanto surpreendente sentar para conversar com você e me ver perante uma mulher que pouco lembrava a imagem que formei na minha mente das capas dos seus discos nas quais seu rosto é proeminente e seu olhar é bastante pungente, fotos promocionais e uma apresentação no MUTEK de 2013 que me marcou. Aqui, pessoalmente, tive a certeza de estar na presença de uma artesã extremamente comprometida com seu ofício e imbuída de uma sincera doçura quando fala do que ama fazer, enquanto a impressão que tive daquela era de uma figura um pouco mais intimidante, como se estivesse na presença de uma divindade feminina. Esta divisão realmente existe em sua vida, entre um eu artístico e outro performativo, ou são inextricáveis?

Emika: Eu sou tanto uma pessoa de carne e osso com uma vida real quanto uma artista performática num mundo de fantasia no palco e na minha música. Quando estou ali, me apresentando, sou eu compartilhando minha alma numa dimensão musical na qual as pessoas naquele espaço comigo, naquele momento, estão convidadas a sentir o que sinto.

Quando estou fora dali, estou com minha família, minha filha e meu foco é muito distinto. Creio que é saudável dividir tanto os espaços como as energias. Não é possível para mim ser Emika, a performer, quando vou ao banheiro sozinha, ou tomar banho… comigo mesma sou somente eu. Já em frente à ribalta é tudo a respeito de dividir um sentimento e uma energia especial com o público que apenas consigo criar através do que faço.

Como falamos do ofício, cabe inquirir sobre sua relação com a atividade criativa, seja ela técnica ou apenas inspiracional. Você poderia discorrer um pouco sobre como ela se dá no seu processo e, se possível, sobre o que utiliza no estúdio e nos palcos? Sei que isso recobre muitas abordagens e inúmeras atividades, indo de gravar a ambiência do Berghain vazio até a composição de sinfonias, passando pelos eventuais dispositivos incendiários de pista, mesmo assim seria bastante esclarecedor saber o quê e como faz.

Eu tenho uma formação em música clássica e composição, mas esse mundo é estranho. Estudei Tecnologia Musical Criativa e me tornei uma artista de estúdio, além de sound designer, para poder produzir minhas coisas e ser independente. Amo música eletrônica, mas sinto que os DJs a tornam chata. Então eu existo nos limiares de ambos esses mundos. Explorando e criando o que considero que vale ser desenvolvido e contribuindo para esse imenso universo musical.

Você mencionou Mala como sendo uma figura de apoio muito importante nos primeiros passos de sua carreira e há relativamente poucas colaborações no decorrer dela — aquela com Marcel Dettmann para um curta-metragem vem à mente, por exemplo — ou mesmo remixes, então me parece que envolve muitas considerações se e com quem fará algo. Há regras preestabelecidas ou algum critério pessoal/profissional ou tudo rola de maneira mais espontânea? Você trabalhou com os Exaltics no último álbum e com a fabulosa Michaela Srumova, nomes relativamente novos no cenário atual com os quais estabeleceu uma sinergia bastante profícua. Isto é uma escolha deliberada com relação às gerações mais jovens ou há também uma vontade de forjar algo similar com pessoas que admira, como Pinch e Adrian Sherwood?

As pessoas vêm e vão, elas se usam mutuamente a fim de atingir um objetivo com o qual orientam sua música e carreira. Eu aceito coisas com as quais me conecto e recuso outras que não pareçam ser adequadas para o curso de minha jornada musical.

Emika no estúdio — Foto por Bet Orten

Este último álbum mergulha fundo nas águas profundas e sombrias do universo emocional e psíquico que subjaz a tudo aquilo que chamamos de “carreira”. Você já disse que a solidão é um lugar familiar e caloroso, especialmente devido à natureza de seu treinamento musical, mas há muitos tipos de isolamento que podem ser muitos daninhos, especialmente se não forem observados. Como lida com este aspecto que parte tão intrínseca à vida em turnê?

Meu álbum Falling In Love With Sadness é sobre dar amor a todas as partes tristes. Solidão é somente a falta de amor. E estou aprendendo que é possível se dar muito amor… você consegue se curar se escolher fazê-lo.

Quando iniciou sua trajetória, a Ninja Tune parecia ser a plataforma que unia a quantidade certa de experimentalismo, cuidado com os graves e acessibilidade que um trabalho tão como o seu único exigia. Contudo, você já comentou alhures que ter sido largada abruptamente pelo selo foi uma motivação poderosa para que tomasse de volta o controle de seu processo produtivo, o que ocorreu em meio a uma já agitada vida criativa. Como é equilibrar tantas dimensões de seu trabalho, além de cuidar de sua própria gravadora? Ela tem a ambição ou intenção de lançar coisas de outros talentos?

Estou em busca de outros artistas que sintam serem bravos o suficiente para assumir riscos em suas escolhas musicais e profissionais. Até lá, continuo investindo em meus projetos e mantendo esse espetáculo na estrada para minha família e meus fãs.

Considerando o que discutimos até aqui e em especial a primeira questão, como a maternidade acabou influenciando as outras dimensões de sua vida profissional como um todo?

Ser artista e tornar-se mãe são a mesma coisa: criação. Artistas mulheres e mães têm um poder imenso que vem da proximidade com o ato criador. Sou muito grata por ser mulher e poder viver algo assim em minha vida.

Certa vez, Frank me disse algo que ficou comigo, pois me ajudou a entender melhor por que vocês músicos percorrem tantas distâncias para exibir o que fazem. Segundo ele “sou pago para aguentar as horas que perco em lounges de aeroporto e aviões, não para fazer o que amo, que é música e, eventualmente, mostrá-la ao público.” Pessoalmente você curte ir a diferentes destinos e conhecer um pouco de outros lugares ou normalmente não tem tempo de aproveitá-los? Como lida com as expectativas que naturalmente surgem entre o público em cada novo local que visita?

É uma honra enorme ser convidada para me apresentar em qualquer parte. Eu amo cada momento disso tudo, mesmo que tenha dormido meras quatro horas para voltar ao aeroporto exausta. Tudo é uma aventura e a vida de artista é muito colorida e espontânea. Encontrar novas pessoas, viajar, voar, fazer amigos, trocar ideias, voltar ao estúdio com mais visões de coisas a serem feitas. Não tenho reclamações sobre minha vida como música na estrada.

Você tem alguma familiaridade com nossa tradição musical, velha ou nova? Ela teve algum lugar na sua formação, pessoal e artística? Se sim, haveria favoritas ou memoráveis para você do nosso imenso panteão?

É um mundo totalmente novo para mim. Minhas raízes são europeias. Eu amaria abrir meus ouvidos e mente para toda essa musicalidade.

Como cobrimos já um pouco do passado e do presente até aqui, olhemos para o que o futuro lhe reserva, tanto o próximo como o mais longínquo. Cabe dividir algo conosco neste momento sobre ele?

Estou trabalhando num projeto gigantesco que combina música clássica e eletrônica. Também estou desenvolvendo uma abordagem nova e moderna para a combinação desses mundos e quero ofertar algo realmente muito bem trabalhado para meus ouvintes. Meus fãs têm ouvido minha música e jornada por mais de oito anos já e esperam algo impressionante de mim, então estou trabalhando duro para lhes entregar material novo que seja fora de série.

*Seu novíssimo álbum, Klavirni Temna, sai dia 14 de fevereiro.

A música conecta.

A MÚSICA CONECTA 2012 2024