O Conversation está de volta e dessa vez com um papo que atravessa o oceano Atlântico. O Uruguaio Fernando Lagreca tem, ano após ano, proporcionado grandes provocações sonoras que passeiam entre o Techno em suas melodias mais sombrias e linhas que tendem ao Indie Dance através de suas criações no formato live act, composto por sintetizadores, drum machines, samplers e processadores efx, e também de produções lançadas em selos como Awen, Natura Viva, Chrom, Sincopat, além de releases na própria gravadora, Beautiful Accident.
Já o espanhol AFFKT vem desde 2008 construindo uma sólida carreira no cenário eletrônico apresentando uma linha de som ímpar e cheia de personalidade, que caminha entre um Techno enérgico até Eletrônica multicolorida e ainda assim muito detalhista, apresentando releases em labels como Octopus, Noir Music – NM2, Selador, Natura Sonoris, Exploited, entre outros. O artista é a mente pensante por trás do selo Sincopat e é daí que surgiu a relação entre ele e Lagreca e, consequentemente, esta conversa.
Eles bateram um papo sobre pandemia, produtividade no estúdio, novos projetos e desejos para quando puderem voltar às viagens por aí com tranquilidade. Acompanhe!
Fernando Lagreca: Ei Marc, como você está?
AFFKT: Olá Fernando, estou bem, trabalho em estúdio, e você?
F.L.: Legal, legal! Bem aqui, no meu desktop por enquanto.
A: Estou imaginando que a Covid-19 mudou a maneira como você faz música ou o clima do seu som?
F.L.: Bem, sim e não. Na verdade quando toda essa bagunça da Covid veio eu estava no meio da campanha promocional do meu último álbum, que foi lançado em meados de abril, então, por um lado, foi uma espécie de luta para colocar a mídia na linha para a promoção e, por outro lado, foi um pouco de azar, pois eu sabia que todas as minhas gigs planejadas estavam prestes a ser canceladas. Eu decidi dar uma pausa no estúdio pelo menos nos primeiros dois meses deste período de isolamento porque estava mais preocupado com as próximas semanas e também com a agência… mas depois dos primeiros dois meses voltei ao estúdio e a música foi rolando com o fluxo, e eu produzi algumas novas faixas… mas com o mesmo sentimento de antes, quer dizer, o Covid não afetou meu mood.
E você? Você mudou algum processo no Pobla Studios (companhia dedicada a soluções para a indústria moderna da música), onde toda a mágica acontece? você poderia continuar fazendo sessões de estúdio lá mesmo no Covid, quando todos nós estávamos no lockdown?
A: Sim, muitas coisas mudaram na forma como produzo música e trabalho em estúdio. Passamos por situações muito estressantes para poder continuar rodando o Pobla. Passei tanto tempo no estúdio que a forma como me sinto aqui mudou. Minha música agora é uma mistura de otimismo melancólico e eu simplesmente não posso lutar contra isso porque tudo que estou fazendo é nessa direção. Mas ao mesmo tempo é meio terapêutico 🙂
F.L.: Por que terapêutico? O que você quer dizer com isso? É apenas algo interno ou talvez você acha que suas músicas são terapêuticas para os outros também?
A: Me sinto melhor comigo mesmo depois! Se algo tem que ser dito ou feito através da música eu diria que isso impulsiona minha vida. E espero que tenha o mesmo efeito para o ouvinte, pelo menos isso daria sentido a tudo o que eu faço.
Você está fazendo live acts. Percebendo que a cena musical será algo diferente quando um dia tudo isso passar, você pensou em fazer um novo tipo de live para fazer as pessoas curtirem com todas as medidas anti-Covid?
F.L: Bem, na verdade penso nisso com frequência, já que muito provavelmente – e infelizmente – viveremos o Covid por muito tempo 🙁 Portanto, precisamos adaptar nossas formas de fazer live acts. Uma das coisas que os organizadores e promotores deveriam fazer é tentar programar eventos que garantam o cumprimento de todas as medidas de segurança e saúde, realizando eventos mais preparados para oferecer uma experiência auditiva ao público, cuidando de detalhes como o som, o vídeo, etc. Ou seja, acho que é um bom momento para pesquisar outras experiências dentro do live act como usar óculos de realidade virtual, coisas desse tipo, ou levar um novo sistema de som pra levar novas experiências, melhorar a iluminação, etc. Claro que sou simplesmente um produtor / músico que adora tocar a vida com sintetizadores e equipamentos de hardware, então não tenho as habilidades para desenvolver algo assim, mas talvez seja hora de dar um toque de atenção aos festivais e promotores… A propósito, você planeja arranjar setup de live ou algo assim? Eu lembro que você fez alguns shows super legais com Sutja nos últimos dois anos…
A: Sim, sou cheio de influências e então você sabe que não estou fazendo música apenas para dançar – amo fazer música para dançar, mas não apenas. Tenho a sensação de que vão aparecer novas maneiras das pessoas curtirem a música, todas as mudanças na história no passado afetaram a forma como as pessoas interagem com a música. Então definitivamente acho que todos devemos reinventar a cena.
F.L.: O que você acha da febre dos streamings? Ainda é uma opção válida para um artista divulgar seu trabalho e também obter algum benefício? Para mim, precisaríamos de algo como o ‘Netflix’ das transmissões, mas no momento muitas startups vieram e nenhuma delas provou ainda quem é a certa.
A: Devo dizer que não era um grande fã de streamings, mas com todo esse tempo estou realmente gostando de gravá-los. Mas não tenho certeza se isso é uma receita que funcionará no futuro para DJs já que, pelo menos como as coisas são agora, o principal lucro de fazer streamings está indo para grandes empresas como Facebook ou YouTube.
Eu tenho planos de trabalhar em um novo live com Sutja assim que o próximo álbum estiver pronto e realmente depende do que está acontecendo naquele momento, mas com certeza se eu tivesse que fazer isso agora seria algo realmente diferente de como costumava ser.
F.L.: Novo Álbum? Uau … isso é realmente uma boa notícia 😉
A: Sim, um novo álbum está a caminho, mas no momento é o começo, então eu prefiro não dar mais dicas 🙂
Você ouve música em casa ou quando não está no estúdio? Quais são suas primeiras inspirações e quando você sentiu que eu queria começar a fazer música?
F.L.: Sim, ouço um pouco de música o tempo todo… às vezes são promos que recebo, às vezes são músicas que a agência me manda dos artistas que represento, às vezes são só músicas que escuto no momento de lazer. Ou seja, minha última playlist foi uma playlist de Italian Trap (!!!) quer dizer, nada a ver com a música que eu produzo… mas eu gosto da língua italiana e as letras são boas. Prefiro ouvir Urban Styles em um linguagem que eu posso entender bem. Eu não gosto de Spanish Trap porque é mais relacionado à letra do latino Reggaeton. Ao invés disso, o Italian Trap é definitivamente mais orientado para os problemas que eles têm com a máfia, coisas sociais, o que os jovens pensam que os adultos deveriam fazer, quero dizer, mais reivindicações sociais. Além disso ouço outros tipos de música, é claro, coisas como músicas dos anos 90 (Orbital, Drum’n Bass, Aphex Twin, etc) e muito Eletronica.
A: Hahaha, é importante ter a mente aberta, há tanta música interessante por aí, além de hype e estilos!
F.L.: Quanto às influências ou inspirações antigas… bem, estou na casa dos 40 anos então tenho comigo influências dos anos 80 como New Order, Depeche Mode, Duran Duran (sim), algo mais industrial ou Techno também (Kraftwek) e muito material dos anos 90 (Orb, Orbital, FSOL, Roni Size, etc, etc). Mas honestamente eu prefiro descobrir coisas novas do que olhar para trás! Lembro que você tem um passado ligado ao som D&B, não é? Como pode isso?
A: Ainda sou um grande fã de D&B, não de todos os subestilos dele, mas de muitos deles. É difícil te dizer como o D&B influenciou meu som, mas eu penso muito sobre isso porque tento ser muito perfeccionista e tenho certeza que isso vem daquela época. Às vezes quando estou fazendo música tenho a sensação de que as coisas não mudam tanto na produção, mesmo fazendo algo diferente. Agora os sentimentos que tenho quando produzo música são realmente semelhantes. O tempo todo fazendo D&B me ensinou muitas técnicas, mas a sensação é sempre a mesma na busca do surf perfeito!
Buscar o sentimento mais puro da minha música é minha força motriz, sem dúvida alguma 😀
F.L.: Bom, acho que você é a mesma pessoa, não importa o estilo que você faça, se você tem em mente buscar a perfeição, isso é independente dos gêneros … falando em perfeição, quantos canais de áudio – em média – podemos encontrar em uma faixa sua? Se olharmos um projeto seu, vamos nos assustar quando abrir ele? Ou pelo contrário, você usa apenas alguns canais?
A: Realmente dependendo do projeto. Tem projetos realmente simples com oito canais e outros com 60 que até eu tenho que abrir em projetos paralelos para fazer o arranjo para poder terminar a faixa direito. Eu gosto muito de tudo, menos é mais e mais é mais [risos].
F.L.: Haaa, ótima frase, gosto. Menos é mais e mais é mais! No final todos fazem parte de um plano maior, então vá sempre em frente, não?
A: Sim, gosto de simplicidade, mas também sou fã de algo mais complexo, sempre tudo está conectado e você sente isso como um todo. Por fim, gostaria de lhe perguntar: você tem um lugar que gostaria de visitar nas férias, algum lugar que gostaria de escapar e sentir total liberdade depois que todas as coisas de Corona superarem?
F.L.: Eu gostaria de ir para a Ásia, nunca fui e é algo que sinto que preciso. Claro que o Japão e a Coreia são obrigatórios para mim, mas também outras áreas como Vietnã, Camboja, Tailândia, etc. Eu gosto de visitar templos antigos e culturas antigas, então acho que irei lá assim que puder!
A: Boa escolha! Também estou ansioso para descobrir lugares como a Tailândia, Vietnã ou Camboja! Mas acho que na minha próxima viagem em “liberdade” eu voltaria ao Japão e visitaria meu primo que mora lá por um tempo.
Muito obrigado Fernando, foi um prazer falar com você como de costume!
F.L.: Obrigado, cara. O prazer foi todo meu. Prazer em saber mais coisas sobre você e obrigado ao Alataj por tornar isso possível! Até a próxima!!
A música conecta.