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A música conecta

Como Mano Le Tough se tornou um DJ capaz de mover multidões no Brasil

Segunda-feira, 13 de agosto de 2018. Era quase impossível permanecer na pista principal do DC-10 durante o Circoloco. Estávamos no clímax do verão e, seguindo o script da festa, a pista parecia um formigueiro. Estava tão quente que você não precisaria cumprir o dresscode para alterar seu estado de espírito. Quase como uma peripécia da ciência, eu estava louca por osmose. Pudera, o line-up daquela noite me renderia um ano de rolês e se a música em si já desempenha um ótimo papel entorpecente, imagina com sensação térmica de 50 graus.

Em um ato de amor-próprio, abandonei a sala vermelha e decidi dar um ar na pista dois. Poucos passos adentro e eu já sabia que a história seria diferente ali. No som, uma melodia intensa, beirando uma certa melancolia e um grave totalmente vibrante cortado categoricamente me chamaram atenção. Eu suspirei e falei “ok, Mano, vamos nós”. Quantas vezes você, por uma questão de sobrevivência na pista, teve que mudar o roteiro e acabou completamente surpreendido? Pois é. Essa troca scritp foi tão exuberante que eu nem saberia categorizar tudo o que aconteceu entre os pontos que ligam House e Techno na criação desse personagem. Eu fico com essa lembrança aqui:

Aliás, não faz muitos dias que falamos justamente sobre esse movimento com o fenômeno Innervisions. Bom, nos últimos anos, Mano Le Tough tornou- se uma das estrelas cadentes da música eletrônica por inovar com sua equação flexível, irreverente e igualmente coerente. Coincidência ou não, os titãs desse poderoso brand chancelam essa pra nós: trata-se de um grande nome. Para Kristian Beyer não há mais motivos para ter medo sobre o futuro do House. Dixon então, é um defensor fervoroso da mistura quente e melódica do artista. Quase dois profetas falando, quem sou eu para discordar? Felizmente, depois daquela noite em 2018, eu entendi tudo.

Niall Mannion, como Mano é conhecido, é originalmente da Irlanda. Naquelas terras e tempos pré-2010, ele se aventurava com sua banda de Electro chamada Hang Tough – que mais tarde daria origem ao seu pseudônimo. Instigado pela música, não demorou muito para a veia artística pulsar mais alto e o jovem prodígio foi em busca de oportunidades mais prósperas e consistentes em uma terra que simboliza esperança para a Dance Music. Claro, estamos falando de Berlim. Warhorn, sua primeira track, viria tempos depois e nomes como Tensnake e Prins Thomas surgiriam aqui para abrir caminho. Era como se ele decidisse fazer o mais difícil ali: nadar contra a maré do Techno que conduzia a cidade. Ousado ou perspicaz, foi exatamente essa a propulsão que o levou além.

De fato, o próprio artista – como todo bom artista – não gosta de se categorizar, nem se limitar. Não é sobre o que e sim como. Alguma coisa é meio Techno e aí vem o House, Disco, Acid, bips perturbadores, sons espaciais que ora se revelam progressivos, ora trazem melodias que te atravessam no meio. Em alguns momentos você ficará imerso em introspecção, para depois os elementos do Electro rasgarem tudo para te reacender com muito groove. Como um maestro, ele condensa o todo e aplica as doses com precisão. 

E nós aqui, com uma baita herança cultural, sempre tivemos apreço pela versatilidade e pelo dinamismo. Se você já esteve com ele nas pistas sabe que não haverá uma jornada lógica, mas é exatamente ali que mora a coesão de poucos seres que vagam através de ondas sonoras. “Significa muito para mim tentar me conectar com o ouvinte em um nível mais profundo e adicionar algo às suas vidas que seja mais do que um momento de mãos no ar às 5h da manhã em um club”, disse o artista em uma entrevista. Se você ainda não experimentou, tudo bem, é possível ter uma bela amostra através de seus sets gravados.

Seu LP de estreia em 2013, Changing Days, assinado pela Permanent Vacation, selo este que é quase uma segunda casa pra ele, foi aclamado pela crítica e conquistou novos seguidores com sua originalidade emocionante. Dois anos depois, Trails, com a mesma gravura, mostra precisamente o equilíbrio que ele atinge entre os ritmos marcados para a pista e produções ambientais que possibilitam uma experimentação sonora fora dos circuitos convencionais. Há, sim, um teor emotivo, mas curiosamente isso não ressoa em você de forma sentimentalista. Você vai acabar mergulhando em algum momento e nem vai perceber o que aconteceu. Essa riqueza musical se dá através de um cara experimentador, Mano toca – mal, segundo ele – guitarra, baixo, teclado e bateria. 

Quando veio para o Brasil, em 2013, teve quem viveu momentos assim com ele, já que em sua primeira tour o artista andou fazendo um live act com bateria em algum after por aí. Aliás, essa passagem foi algo que marcou seu nome em solo brasileiro. Quem nos contou mais detalhes foi Eduardo Ramos, que na época trabalhava com a turma da Gop Tun e fez o tour management do artista. Segundo ele, Mano é um cara extremamente centrado em seu ofício, sem estrelismos e sem dar trabalho. Tanto na edição de 1 ano da Gop Tun como na gig no Warung Beach Club, ele manteve o foco em trabalhar. Um cara acessível, sério e totalmente musical. 

Eduardo mencionou algo que marcou ele naquela época: o efeito que o artista causou no pistão do Warung quando tocou o remix de Carl Craig para a track Sound Of Silver, do LCD Soundsystem. Foi o clássico momento “do pistão vir abaixo”. E eis aqui, um ponto a ser levado em consideração: Mano Le Tough tem uma capacidade muito única de preparar momentos como esse. É quase uma condução hipnótica que deságua em um momento familiar e te conecta 100% com ele, o que realmente vai muito além das mãos pra cima. Essa noite é muito comentada pelos frequentadores do club e consagrou o artista nas vindas subsequentes, fazendo com que o público estivesse realmente aberto à experimentar e se dar tempo para entender a complexidade de seu som. Anos depois, ele causou um novo efeito com Lazy.

O artista mantém-se fiel à sua fórmula sônica, mas é extremamente versátil em suas seleções e por isso pode percorrer camadas de forma bem dinâmica, sem se distanciar de sua essência. A verdade é que essa percepção caminha sobre uma linha muito fina e sensível, que verbalmente pode até ser decodificada por quem a lê, como sugeri na linha de apoio dessa matéria, mas muito mais eficiente seria vê-lo tocar – ou melhor, ouvi-lo. 

Enquanto esse momento não chega, deixo aqui algumas apresentações que compilam muito bem os dons desse maestro. Eduardo Ramos fica com as lembranças de 2013 vendo o Warung ferver, eu escolhi as de 2018 que me prenderam em uma pista 2 mais introspectiva, temos certeza de que muitos que lerão esse textos também têm suas memórias emblemáticas com ele. E quem ainda não teve a chance, é só uma questão de tempo agora.

A música conecta.

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