Que tema polêmico para um texto, não? Esse tipo de discussão se enquadra no reino daquelas brigas de fórum que aconteciam nos anos 2000, onde os tópicos eram Macintosh é melhor que Windows ou então que o Techno é melhor do que House. No mínimo subjetivo, não é mesmo? Como de se esperar, o mundo da produção é repleto de tabus, igualzinho ao mundo da discotecagem, onde em pleno 2021 ainda existem pessoas que dizem que o som do vinil é melhor que o som do arquivo digital.
Que conste nos autos, você acabou de ler que o som do vinil não é melhor do que o som do digital e isso foi escrito por um DJ compulsivo pelo vinil. Mas… melhor em que sentido? Quais os atributos que estão sendo levados em conta? Normalmente, quem diz que o som do vinil é melhor de um arquivo digital sem compressão ou está expondo seu gosto pessoal, ou simplesmente está reproduzindo o que ele ouviu de algum profissional que admira. Um arquivo digital sem compressão que você compra geralmente em sites como o Beatport, tem uma faixa dinâmica de 96 dB (16 bits), e esse é um número fixo, ele se altera somente se você aumentar ou diminuir o bit depth, nome do cálculo que diz quantas possibilidades de amplitude o arquivo tem.
Já o vinil tem a faixa dinâmica que varia entre 55 a 65 dB, uma média de -35 dB de valores de amplitude, um oceano de diferença em relação ao formato digital. Logo, entende-se que o formato digital é melhor por possibilitar uma maior variedade de nuances quando o assunto é amplitude, todos concordam?
Agora, quando o assunto é gosto pessoal, tudo isso vai por água abaixo e o mesmo se aplica a artistas que preferem usar fones de ouvido em relação a artistas que preferem usar monitores de referência. Eu mesmo sou um profissional que não consigo usar fones de ouvido para executar processos de mixagem, a percepção musical é diferente e eu acabo me atrapalhando. Isso quer dizer que fone de ouvido é ruim para produzir música? De forma alguma.
Existem uma série de diferenças do fone de ouvido para monitores de referência, começando pela resposta de frequência, onde nos fones – que são desenvolvidos para situações de estúdio – costuma ser maior que a dos monitores de referência. Mas tem uma pegadinha aí. Isso não quer dizer que você vai ouvir mais no fone, essa é uma forma de tentar corrigir limitações físicas que transdutores minúsculos tem na hora de reproduzir, em especial as frequências mais graves. Por isso que é gostoso ouvir música em fones de ouvido, tem um gravão, né? Mas na hora de produzir isso pode te complicar e muito.
Outra diferença que fones de ouvido tem em relação aos monitores – e que pode ser game changer na hora de se chegar em bons resultados – é a imagem estéreo. Nos monitores, quando posicionados corretamente, seu cérebro consegue entender de forma rápida e certeira quais fontes sonoras vem da esquerda, da direita e do centro, já o fone de ouvido por ter os transdutores literalmente em paralelo com os ouvidos, essa percepção do que vem das laterais e do que vem do centro muda, e o que chamamos de palco sonoro.
O palco sonoro em fones de ouvido costuma ser menos detalhado do que em monitores de referência, só que tem uma infinidade de variáveis aí, como qualidade dos fones de ouvido, se a sala que os monitores estão tem tratamento, o posicionamento dos mesmos, etc. Se você não souber posicionar os monitores de referência de forma correta, teu palco sonoro pode ser mais confuso do que um fone barato do Wish.
Deu pra sacar? Não existe um melhor ou pior, o que existe é dominar as ferramentas que você tem. Sim, é perfeitamente possível entregar trabalhos com alta qualidade usando somente fones de ouvido, e te dou o Victor Ruiz como exemplo, que faz todas as suas músicas usando um Sennheiser HD-25 I II, um fone que foi projetado para ser usado como retorno de palco, com especificações longes das que um estúdio normalmente requer e bem, ele é o fucking Victor Ruiz, não é mesmo?
Se você me permite te dar uma dica, não caia nesse papo de que você não consegue entregar um trabalho com qualidade por não ter equipamento X, o que te falta é domínio sobre as ferramentas, o que chamamos de prática e conhecimento de processos – ou técnica.
Coloca o fone, abre sua DAW e pau na máquina.
A música conecta.