Todo DJ tem um amigo com quem gosta de fazer um back2back esperto. Não precisa ser profissionalmente ou dentro de um club, vai, mas sempre tem aquele ou aquela colega com quem a sintonia é especial. Não há necessidade de ficarem se olhando demais, explicando demais, consertando demais, a coisa simplesmente flui com naturalidade e, ainda que cada um traga estilos diferentes muitas vezes, a bagunça é organizada, a progressão de set acontece maravilhosamente bem e a diversão é garantida.
Para quem lembrou da – ou das – pessoas, agora vem uma cerejinha: aposto que muitos desses momentos de diversão aconteceram em algum after party por aí (quem nunca foi está mentindo). Foi exatamente a partir desses momentos inicialmente singelos – e malucos – que nasceu um dos grupos mais aclamados e requisitados das grandes e conceituadas pistas de dança em todo o mundo: o Apollonia.
No caso, aqui a gente não fala de um back2back, mas sim um back2back2back, pois o Apollonia é a combinação de três gigantes da música eletrônica francesa e que já eram reconhecidos antes mesmo do projeto nascer: Dan Ghenacia, Dyed Soundorom e Shonky. A primeira vez que eu soube disso esbugalhei meus olhos surpresa e pode ser que alguns de vocês também tenham passado por isso. A questão é que eu conhecia cada um dos artistas individualmente, mas não sabia que aqueeele Apollonia era formado por eeeeesses caras.
Se você não conhece algum deles ou nenhum dos três, já está aqui a lição de casa pós Special Series, porque realmente vale a pena. Eu poderia trazer a história da carreira de cada um, mas decidi não fazê-lo já quantidade de parágrafos saltaria expressivamente e também porque o foco é a mágica que eles são capazes de criar juntos, seja no estúdio e principalmente nos palcos.
Mas vamos voltar um pouco na história e me fazer entender com a introdução desse conteúdo. No final da década de 90, em Paris, Ghenacia era residente de um after party chamado Kwality, que acontecia em um clubzinho dentro de um barco que se chamava La Batofar. O artista era um dos precursores de um novo tipo de som que vinha dominando as pistas mais undergrounds da cidade, o tal do Deep House, que pouco a pouco vinha tomando o espaço do Filter House e French Touch, encabeçados por Cassius, Daft Punk, entre outros.
Dyed Soundorom – que é considerado por eles o mais acessível e requisitado dos três – trabalhava como promoter na porta de um outro club (onde Ghenacia também tocava) e em uma dessas noites conheceu o menino Shonky, grande fã de Ghenacia e que frequentava o local apenas por conta do artista. Um certo dia, Dyed levou Shonky para curtir a Kwality e, quando a festa acabava, eles migravam para um outro after party (quem nunca?) e um belo dia a brincadeira aconteceu e… deu match!
Se você pensa que logo em seguida nasceu o Apollonia, se engana. Anos se passaram e os artistas foram construindo suas carreiras solo, mas sempre se encontrando para se divertir e tocar juntos e, pouco a pouco, sendo requisitados por algumas festas francesas que conheciam o potencial do trio. Dyed também continuou atuando como promoter e, em uma temporada de trabalho em Ibiza, conseguiu encaixar Dan para tocar por lá. Aos poucos Dyed e Shonky também foram fazendo algumas apresentações em conjunto e o turning point aconteceu quando eles tocaram juntos pela primeira vez no Circoloco, after party do lendário DC-10.
As manhãs do Circoloco foram determinantes para colocar o trio no patamar que hoje se encontram, principalmente para que entendessem qual a melhor forma de levar a energia dos três para a pista. Em 2011 surge oficialmente o Apollonia e com ele muitas coisas já estavam determinadas. Você dificilmente verá uma apresentação do Apollonia de uma ou duas horas. Geralmente o trio sai de casa junto para se apresentar por, no mínimo, três horas. É de se entender, pois dividir a cabine com mais duas pessoas requer tempo para brincar, não é mesmo?
Quem começa os sets é sempre Ghenacia, seguido por Shonky e depois Soundorom e assim segue uma música cada. Essa ordem não foi inventada agora, ok? Dizem eles que foi algo natural e que perceberam ser a melhor sequência nos long sets. Dan traz uma energia que vem da sua escola do início dos 90, Shonky dá uma equalizada em um som mais sério, Dyed explode em musicalidade e tudo acompanhado de um belíssimo bassline que impossibilita qualquer ser humano de ficar parado.
A música que eles passaram a representar traduz o som que eles tocaram ao longo de sua história, que sofreram suas mutações e caminharam para um lado mais tecnológico. Há quem diga que eles tocam Tech House e aí rola aquela torcida de nariz dos prancheteiros (apelido que dou carinhosamente aos críticos de plantão). Mas, se o estilo incomoda alguns, eles pouca bola dão. “Eu não tenho nenhum problema com o termo”, disse Ghenacia em uma entrevista. “Mas nós dizemos que tocamos Tech House de qualidade. Apenas os bons”.
A verdade é que é aquela bagunça organizada que eu comentei lá no início. Tem Deep House, Tem Minimal, tem Tech House (de qualidade), tem Acid, tem Techno… a brincadeira é infinita, mas o nível é altíssimo e a garantia de muita dança, mãos para cima, palmas e sorriso é certa.
Como produtores, o trio realizou pouquíssimos trabalhos e entre eles está o álbum Tour à Tour, lançado em 2014, que foi muito elogiado pela crítica especializada e aclamado pelo público. Mas a verdade é que, neste viés de suas carreiras, cada um tem feito seu trabalho de maneira solo, até mesmo porque, com o passar do tempo, Dan se mudou para Ibiza e Shonky e Dyed para Berlim e os encontros de estúdio se tornaram cada vez mais raros.
A turma também lançou em 2012 o label que leva o nome do grupo e, desde então, vem lançando – de forma espaçada e cautelosa – trabalhos musicais dos seus integrantes e de outras figuras como Kerri Chandler, Premiesku, Frederico Mollinari entre outros.
Ainda que seus trabalhos dentro do estúdio e como label owners seja interessante, o que faz do Apollonia esse estouro é de fato suas apresentações maravilhosas. Ao longo desse texto fui deixando algumas delas que foram gravadas e tem pra todos os gostos. A fórmula é realmente mágica para nós, mas para eles é tão singelo e natural quanto o que faziam desde o início de sua amizade. Nas palavras de Dan Ghenacia: “O que estamos fazendo agora, costumávamos fazer em um apartamento por horas em um after party”
A música conecta.