Foto de capa por Wanderley Vieira
Das vozes das ruas e das comunidades, para as pistas de dança em forma de baile, resistência e união. O Funk brasileiro, hoje um dos grandes patrimônios culturais da nossa história musical, se tornou um fenômeno na propagação da musicalidade brasileira contemporânea para o resto do mundo.
Porém a geração atual do Funk como conhecemos hoje, tem suas raízes fincadas no Hip Hop americano da década de 80 mais precisamente através do Miami Bass. E embora essas raízes tenham passado um pouco despercebidas pelos hits de sucesso que o Brasil tem exportado, o poder dessa mensagem e expressão permanece latente às vezes mais tácitas, outras vezes mais diretas.
E é com esse compromisso de resgate que o rapper mineiro FBC e seu conterrâneo VHOOR dão vida ao poderoso Baile, álbum que contempla uma conexão forte com as estéticas primordiais do Funk nacional, acertando as contas com seu passado musical.
A collab é sustentada por duas potências em ascensão do Hip-Hop, Trap e Funk nacional. De um lado, o rapper Fabrício Soares – FBC – que viralizou nas redes sociais desde o lançamento de seu segundo álbum Padrim que recebeu suporte de grande parte da comunidade artística nacional de A a Z, incluindo Mano Brown, Marília Mendonça para citar alguns. Do outro, Victor Hugo – VHOOR – é um produtor que embora tenha uma trajetória recente nos estúdios, possui uma habilidade digna de um veterano flutuando do Trap ao Funk, e até mesmo passando pelas reverberações da House Music.
Repetindo a sintonia afiada que já havia acontecido em Outro Rolê, os conterrâneos se afastam dessa vez da densidade do Drill para resgatar os tempos áureos do Charme, Funk Melody e Miami Bass que deram régua e compasso para o sucesso do Funk contemporâneo. O esquenta do Baile, começou com De Kenner recobrando os ritmos dos Funk noventistas, à la Cidinho & Doca e MC Batata.
Misturando o swingue do Freestyle, com as saudosas nuances que embalavam os “melôs”, Se Tá Solteira e Delírios deram sequência ao aquecimento do álbum que estava por vir, revelando de antemão o poder que viria integralmente no corpo de Baile, que acaba de estrear na última sexta feira, nas plataformas digitais com dez faixas.
“Quando o Vhoor e eu fizemos a primeira música do álbum, nós não tínhamos nenhuma pretensão. Fizemos porque crescemos ouvindo Mc Dodô, Mc Papo, Mc Bou e Mc Marcinho, e escutamos até hoje. Eu acredito que pra nós o mais importante é fazer a música que a gente gosta, porém depois do lançamento entendemos o alcance e o quanto esse resgate foi significante na vida das pessoas, já que cada uma delas tinha uma história e uma lembrança que vinha na mente ao ouvir o disco. Teve gente me falando que o pai e a mãe começaram a contar histórias do tempo que ia para as matinês, e de como era legal os funks lá dos primórdios desse gênero no Brasil. E claro, nós tínhamos a consciência de que o Miami faz parte da cultura Hip Hop e isso não pode ser ignorado.” explica FBC sobre a importância do resgate cultural do Miami Bass nas pistas de hoje.
Além do resgate musical, Baile também introduz um conceito social através da linguagem das dez faixas do disco, defendendo o poder da dança como um fator de transformação social, assim como os próprios Miami Bass, Freestyle e Street Dance faziam em sua geração. “Dançar faz bem, a dança une, alegra, motiva e a dança cura. O maior propósito do álbum Baile é celebrar a dança e a comunhão entre o povo favelado. Claro que tem informação, tem denúncia, mas é isso o Baile veio para defender a dança como fator de transformação social” completa FBC.
No final dos anos 80, o primeiro álbum de Funk lançado no Brasil foi pelas mãos de DJ Marlboro, e tal passo foi um dos mais importantes para a nacionalização do ritmo. Enquanto o estilo sofria uma forte influência internacional, com traços do Miami Bass e do Rap estadunidenses, o artista foi um dos grandes responsáveis por levar ao gênero traços e características fortes e profundas do Brasil e da periferia carioca.
A mescla de elementos genuínos como tambores, atabaques e o consagrado toque do congo de ouro, se fundiu ao som da clássica bateria 808 que era tão característica dentro do Miami Bass, deu vida aos desdobramentos do Funk como conhecemos hoje.
O Funk dos anos 90 que hoje vemos sendo celebrado através do álbum de FBC e VHOOR, vinha com uma característica forte de letras e mensagens como no Rap da Felicidade de Cidinho & Doca.
Além disso, a presença de grandes nomes como Claudinho e Buchecha, eternizados até hoje, tocando o chamado Funk Melody, trazia o misto do romantismo e realidade com batidas envolventes e poesias declamadas que se imortalizaram até os dias de hoje nas inspirações do estilo.
A música conecta.