Hoje, 8 de março de 2022, chegamos a uma data que por mais de um século é mundialmente reconhecida como um dia especial para as mulheres. E ao que de primeira possa parecer óbvio, não, esse não é mais texto que vai passar aquele famigerado retrospecto histórico sobre a importância desse dia de luta, ou sobre a incontestável necessidade de valorização, reconhecimento e igualdade da figura da mulher dentro de uma sociedade milenarmente e generalizadamente patriarcal.
Precisamos reforçar esse tipo de debate mais e mais vezes até a exaustão? Sim, precisamos. Mas o texto de hoje que trago para esse dia, é sobre reflexões. Questionamentos. Perguntas e interpelações a todas as camadas dessa pirâmide estrutural que sustenta e participa dessa dinâmica desigual. E quanto às respostas? Bem, eu também estou à procura delas, e acredito que você que se dedicou a esta leitura, também possa estar nesta procura, o que torna ainda mais necessária a reflexão.
Existe uma máxima que nós mulheres recebemos como incentivo ao encorajamento e empoderamento conjunto: “Mulheres, uni-vos! Juntas vocês serão mais fortes.” Isso é verdade. Porém também é verdade que estamos sobre a égide de uma pirâmide social de poder, e infelizmente ainda dominada massivamente por homens. E por mais que juntemos forças para o alcance dos nossos direitos, desejos, anseios e opiniões, ainda existe uma barreira final a ser derrubada, para tal materialização.

Ainda que não nos falte força depositada em nossas metas pessoais e coletivas, será que depende só de nós, mulheres? Ou ainda estamos reféns dos guardiões de um sistema ferrenho, e que não vem mostrando indícios de enfraquecimento? A partir do princípio tônico, de que sim, existe um muro muito largo que sedimenta a desigualdade, como podemos combatê-lo? Será só no grito? Ou será com substância? Ou será com os dois? Ou será também buscando aliados do lado de lá?
A compreensão real das diferenças ainda é algo distante para o mundo dos homens, por razões de estrutura paternalista secular. Porém o processo de ruptura de paradigma exige aliados dispostos a internalizar e debater esses contrastes. Nem todos farão parte dessa aliança, é importante ter ciência disso, no entanto, confrontar o comportamento normativo a partir de questionamentos frequentes me parece um dos caminhos mais válidos para essa evolução. Afinal, homens, quais são suas referências? Quantas delas são mulheres? Você tem heroínas? Você confia a uma mulher uma posição de liderança em sua empresa? Você, homem branco, em sua posição de poder, tem se colocado em lugar de escuta, ou somente em lugar de fala? Já pensou quantas vezes tentou justificar uma situação que não é justa? O que significa machismo e sexismo em sua visão? Quantas vezes você já discutiu essa pauta em sua roda de amigos? Quantos deles expressaram interesse também em confrontar esse paradigma?
Caros leitores, reitero aqui que o tom dos questionamentos têm como fim a condução de uma reflexão e uma auto discussão. Não levem isso como um ataque vão, e sim como um convite ao engajamento sincero. Erros são cometidos. O ponto é o quanto você se importa e como você age para enfrentar a conduta estrutural que estamos inseridos? É importante entender, que o machismo, a misoginia e o sexismo, vai muito além da violência física, sexual ou psicológica contra a mulher. As vias de fato, são apenas a ponta do iceberg.
Sugiro a vocês a conhecerem o movimento HeForShe, um projeto global criado pela ONU Mulheres que tem como objetivo engajar homens e pessoas de todos os gêneros na discussão por remoção das barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres de atingir seu potencial e a organizar juntos uma frente ambiciosa, visível e unida em direção à igualdade de gênero.
Agora partindo para uma reflexão direcionada ao outro lado da moeda, e ainda pertinente a mesma máxima “Mulheres, uni-vos!” Será que é tão fácil assim arquitetar essa união? Não podemos ser ingênuas e omissas de achar que compartilhamos de um mesmo nível de dificuldades, sendo nós mulheres, na luta contra o machismo e a desigualdade. Ainda nessa pirâmide existe uma gritante diferença que separa, nós mulheres uma das outras, conforme seus respectivos graus de privilégios, sobretudo em uma sociedade onde o poder é quem dá as cartas.
A mulher branca que cresceu sob apoio do berço familiar em cidade grande, não tem as mesmas dificuldades da mulher preta, ainda que esta porventura ocupe a mesma condição de classe social, e ainda mais as pertencentes de situações periféricas. Ou a mulher trans que enfrenta batalhas diárias para manter sua integridade, e que possuem outros leões para vencer diariamente. É preciso estarmos atentas e conscientes dessas diferenças, e questionarmos frequentemente como esse apoio pode ser realmente efetivo na prática.
Como uma mulher privilegiada, que tecnicamente, tem mais proximidade com o topo da pirâmide, pode efetivamente estender a mão para mulheres em situação mais vulnerável? Como formar uma coletividade feminina consciente das diferenças, tendo em vista que o privilégio da branquitude, o racismo e a transfobia inevitavelmente ainda permanecem como barreiras estruturais a essa efetiva união? Como mulheres de poder podem contribuir e abrir espaço, de fato, para o crescimento de outras mulheres? Representatividade somente, é o suficiente? Enquanto mulheres, ainda estamos em aprendizado sobre o real significado da palavra sororidade.
Leitores, são milhares os questionamentos que gostaria de elucidar em um texto que ainda considero limitado diante da complexidade do assunto. Porém fica aqui um exercício para futuros debates conjuntos e também introspectivos, independente desta data de hoje, qual permanece em constante evolução.
A música conecta.