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A música conecta

Fantásticas jornadas musicais: Raphael Carrau e a pesquisa musical como filosofia

Por Redação Alataj em Trend 11.12.2025

Texto por Gabriel Bernardo

Talvez, uma das características mais interessantes no universo da música eletrônica sejam as muitas camadas que podem ser acessadas – quando se há interesse e disposição – e, consequentemente, a infinidade de artistas e movimentos, com suas especificidades e magias próprias. Para quem deseja mergulhar mais fundo na cultura rave e no universo da discotecagem em vinil, Raphael Carrau costuma ser um nome que surge com um brilho raro. A filosofia de pesquisador é sintetizada de forma magnética em sua abordagem musical, com narrativas densas e extremamente atentas ao conjunto da experiência de pista – algo que só é possível com muitas horas de garimpo nas caixas de discos.

Neste mês de dezembro, mais uma vez teremos o privilégio de tê-lo no Brasil, durante sua tour na América Latina. As primeiras datas já passaram — 5 no 5uinto, em Brasília, 6 na Aleatoria, em Santiago (CH) e 7 no Condessa, em Asuncion (PY) — Carrau segue agora para a sequência da turnê: hoje (11) no Rio Hostel Buritaca, em Santa Marta (CO), dia 12 na Yoyo, em São Paulo, dia 13 na Plano, em Porto Alegre e dia 20 na Bug Pixel, no Rio de Janeiro.

Carrau é brasileiro, nascido em Porto Alegre, mas cresceu e viveu sua adolescência em Montevideo, no Uruguai – país que isenta de taxas os produtos culturais, dentre eles os discos de vinil. Isso faz com que por lá este tipo de mídia, que estabelece outra relação com a discotecagem, seja muito difundida. É neste ambiente que, por volta dos 15 anos, frequentou as primeiras festas de música eletrônica, como no lendário clube Milênio, onde tocava Eduardo Cardozo, o DJ Koolt, ainda na metade dos anos 2000. Menor de idade, passava a madrugada nas praças, aguardando com os amigos a fiscalização “ir dormir”. Assim, desfrutava as festas apenas pela manhã, em clima de afterhours, ingressando neste mundo em sua dimensão mais hedonista, conectada com os princípios da cultura rave.

Mas, como na maioria das vezes, essa história tem uma reviravolta: por volta dos 16 anos, quando já havia mergulhado de cabeça no ambiente sedutor da música eletrônica, sua família precisou se mudar para o Rio de Janeiro. Obviamente, viveu um choque devido à discrepância entre os cenários. Embora no Rio frequentasse clubs como o Dama de Ferro, onde tocava o respeitado Maurício Lopes, ou o Fosfobox, a diferença de público era expressiva e o ambiente era inigualável. Enquanto fazia faculdade de Relações Internacionais, apenas para seguir o protocolo, fez curso de discotecagem, ao mesmo tempo em que passava horas assistindo a DJ sets no saudoso DanceTrippin TV. Em certo momento percebeu que já havia sido arrebatado, e que aquela realidade não era o suficiente: com 20 anos, mudou-se para Londres para ser DJ.

Tendo iniciado sua carreira no Brasil, quando realizou o curso, foi em Londres que se profissionalizou, no início dos anos 2010. Mas, chegando lá, a primeira coisa que precisou fazer foi procurar um emprego. Sem romantismos, dos 11 anos em que viveu na cidade, enquanto construía sua carreira como DJ, em 9 deles precisou trabalhar em empregos paralelos, como cafés, restaurantes e lojas. Ao mesmo tempo, foi desbravando o cenário e se aproximando com mais intimidade de algumas festas, despertando maior interesse por sonoridades específicas. 

Consequentemente, também enveredou-se pelo caminho sem volta das lojas de discos, passando a conhecer mais pessoas neste reduto de socialização musical alternativa, onde, a partir de afinidades, tornou-se amigo de Unai Trotti, da Cartulis, importante label britânica. Levou 3 anos para conseguir sua primeira gig e, em 2013, é convidado para abrir uma festa da Cartulis, passando logo a ser residente, numa parceria que durou 11 anos. Hoje baseado em Portugal, vem desenvolvendo, desde 2024, projetos próprios, como as labels Dancefloor Rituals e Element of Impact. Tendo uma sólida trajetória, com passagens por importantes clubs e festivais em praticamente todos os continentes, é um artista altamente requisitado no circuito underground ao redor do mundo. 

Para desenvolver as habilidades necessárias neste percurso, apenas a vontade e o talento com os toca-discos não são suficientes. Além das muitas horas de dedicação (e de investimento financeiro) nas lojas de discos, garimpando as músicas que podem, de fato, fazer a diferença na construção de um set, Carrau carrega consigo uma filosofia que transcende as abordagens mais triviais da arte da discotecagem. Além de ser o primeiro a chegar quando sabe do aporte de uma nova coleção em alguma loja, também é preciso cultivar um bom ouvido, com capacidade imaginativa. Através da fabulação, é preciso projetar o momento em que um timbre ou ritmo estranho vão encantar a pista, quebrando expectativas e garantindo um traço especial na memória do público, criando uma diferença.

Neste tipo de alucinação artística, compondo delírio e cálculo, em uma engenharia muito complexa, cria-se o encantamento. Essa talvez seja a característica que garante a um DJ – que não é produtor musical – o reconhecimento necessário para ganhar o mundo. Carrau é o tipo de artista que escolhe minuciosamente até o primeiro kick que entrará em seu set, considerando o horário, o line up, o local, a cidade, o país, o promoter, e assim por diante. São muitos elementos a serem analisados, sempre com flexibilidade, visando a criação do ambiente necessário para que a mágica aconteça. Um jogo que começa na pesquisa, na invenção de hipóteses, que se tornam realidade a partir da arte de selecionar discos. Mais do que isso: lançar e misturar elementos sonoros capazes de compor atmosferas instigantes, que estimulam, engajam, comovem e deslocam na medida necessária. Sempre uma aposta, sempre diferente. Então, o que encontraremos dessa vez?

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