Vivemos um momento em que nunca se produziu tanto conteúdo sobre música eletrônica. São vídeos, artigos, playlists, entrevistas, memes, posts e recortes que se acumulam em uma velocidade difícil de acompanhar. O que poderia significar um avanço no acesso à informação e no aprofundamento das discussões sobre a cena, no entanto, muitas vezes tem caminhado para o lado oposto: a repetição acrítica de fórmulas, a banalização do discurso e a superficialidade como norma.
Essa Carta não parte de um desejo de condenar formatos leves, conteúdos de entretenimento ou abordagens que busquem conexão emocional com o público. Acreditamos no valor do humor dentro da cena, de uma memória afetiva ou de uma celebração espontânea. O que nos provoca, e nos leva a escrever, é perceber que, ao alcançar grandes audiências, muitos canais – e aqui incluímos não apenas veículos de mídia, mas também artistas e marcas – deixam de lado o cuidado editorial necessário para lidar com tamanho alcance. Em um ecossistema que se diz cultural, influência não é apenas um dado. É também um compromisso.
Com frequência, conteúdos que poderiam ampliar repertórios e construir pontes se resumem à replicação de modismos, polêmicas fabricadas, vídeos de exposição gratuita – como quando uma pessoa claramente alterada em um evento vira piada viral – ou listas com nomes e termos já esvaziados de significado. O engajamento, nesse caso, vira fim em si mesmo. E o risco, evidente, é o de transformar a música eletrônica em um espelho daquilo que ela tantas vezes se propôs a questionar.
A lógica do algoritmo, quando não compreendida, se impõe como filtro de realidade. Veículos que deveriam usar essas ferramentas a seu favor acabam se tornando reféns delas, entregando ao público sempre mais do mesmo e, com isso, participando da construção de uma bolha onde o que é repetido soa mais legítimo do que o que é relevante.
É preciso lembrar: a mídia não apenas informa. Ela forma imaginário. Participa de curadorias indiretamente. Decide o que entra em pauta, de que forma e com quais implicações. Ajuda a construir o lugar simbólico de artistas, clubs, estéticas, histórias e práticas sociais. O mesmo vale para artistas e marcas que se comunicam com públicos amplos: cada post, cada fala, cada curadoria – ou ausência dela – carrega impacto. Por isso, acreditamos que responsabilidade também é saber quando não falar, o que não promover e quem não amplificar.
Repetir o hype é fácil. Refletir sobre ele exige outra disposição. E é justamente por isso que acreditamos no papel da crítica, afinal, ela é, talvez, uma das poucas formas ainda capazes de oferecer densidade a um espaço cada vez mais pautado pela aceleração.
Sabemos que essa reflexão também nos inclui, por completo. O Alataj, há mais de uma década, se posiciona como veículo da cena. Estar nesse lugar também implica revisar escolhas, aprimorar processos e enfrentar dilemas éticos com honestidade. Não escrevemos essa Carta para apontar o dedo, escrevemos para lembrar que uma cena melhor, mais interessante, mais complexa e mais justa, depende do cuidado de quem tem história, alcance e responsabilidade.
É nesse espírito que, nos últimos meses, temos promovido mudanças estruturais em nosso time e linha editorial. Desde janeiro, todos os textos do Alataj passam por uma edição dupla: primeiro, sob minha supervisão, e depois com finalização feita por Marllon Gauche, profissional experiente que por anos liderou a área de imprensa da BnL e colaborou com diversos veículos especializados. Nesse mesmo período, Henrique Mattar (fundador da página Houzeira e atual gestor de imprensa da BnL) tem contribuído com a articulação de projetos e parcerias entre agência e portal. Desde março, Elena Beatriz assumiu a coordenação criativa, contribuindo na redação de pautas autorais, gravação de vídeos e organização administrativa de sessões como Alaplay e Troally. Camila Zimmermann, que há mais de cinco anos responde pelo design do Alataj, segue cuidando de todas as aplicações visuais da nossa identidade.
Na editoria, também ampliamos nossas colunas para melhor refletir a diversidade de caminhos que o conteúdo pode tomar. Hoje, o Alataj opera com cinco espaços principais:
• Editorial — textos com viés opinativo sobre temas que atravessam toda a cena, com pesquisa aprofundada e abordagem crítica;
• Storytelling — nosso espaço mais nobre para falar sobre o trabalho de marcas e artistas da cena, com cuidado narrativo e foco atemporal;
• Trend — espaço para apresentar e promover trabalhos que realmente gostamos e acreditamos, com abordagem mais direta e nosso ponto de vista em destaque;
• Xpress — análise editorial de acontecimentos recentes, sempre com recorte crítico e leitura de contexto, partimos de uma notícia e caminhamos para a análise;
• Artigo — nova seção para conteúdos investigativos, reportagens especiais, curiosidades, história, temas de difícil categorização e ensaios autorais mais longos.
Seguimos acreditando que a comunicação pode ser uma ferramenta para manter a música eletrônica viva e relevante. Mas isso só é possível quando deixamos de projetar conteúdos tendo o alcance como destino e passamos a encará-los como ponto de partida para algo maior.
Obrigado por seguir com a gente.
Equipe Alataj.