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A música conecta

A cultura do Sound System: o significado para além da pressão sonora

Por Ágatha Prado em Editorial 30.06.2022

Frequências sonoras que pulsam na transparência dos mínimos detalhes, através de um paredão estrategicamente posicionado. Ali, o som se transforma em um verdadeiro portal onde a mensagem é transmitida em sua mais intensa potência, comandada por maestros que chamamos de seletores e MC’s. Tal experiência expressa a essência de uma cultura, sua evolução e resistência ao longo de décadas, transformando e ressignificando as ruas, os galpões e seus espaços de pertencimento. A cultura  do Sound System vai muito além da pressão sonora.  

Semeada nos final dos anos 40, nos bairros de Kingston na Jamaica, a cultura do Sound System vem como alternativa econômica aos shows de bandas de R&B, onde a ideia de custear um sistema de som e um DJ para embalar a festa, passava a ser uma saída mais rentável. Os primeiros paredões eram construídos de maneira mais simples, com amplificadores valvulados e uma boa quantidade de alto-falantes, que poderiam ser fixos em decks ou sobre a carreta de um automóvel. Já no fim dos anos 50 e começo da década de 60, os sistemas de som foram se tornando mais sofisticados, com uma potência maior nas amplificações, sendo batizados com nomes em alusão aos seus fundadores, como os pioneiros Goodie’s, Count Nick the Champ e Count Jones.

O som que no começo era regado à música americana, foi absorvendo a personalidade da Ilha, transitando para o Mento, e posteriormente adotado pela cultura do Reggae e suas vertentes- o que tornou o Sound System reconhecido para muito além das fronteiras da América Central. O que era mais interessante, é que a cultura sonora em torno dos paredões, passou a se tornar a voz do povo. As músicas populares, muitas compostas nos guetos jamaicanos, passaram também a ser a voz da luta e da resistência, frente ao conturbado contexto político jamaicano na época. 

Foi então que o movimento Sound System também passou a ser parte de um espírito revolucionário da região. O reggae e suas vertentes, surgiram como um movimento musical rebelde, a voz da oposição, e os Sound System se tornaram uma parte importante disso. Como havia uma barreira elitista que comandava as rádios jamaicanas, as festas de rua com seus próprios sistemas de som tinham a liberdade de expressar a música que vinha do gueto, sem restrição de transmissão, e ainda somando a energia do público in loco. 

A cultura do Sound System foi se espalhando pelo território jamaicano, e passou a ser comum que houvesse mais de uma festa de paredão por região. Na disputa pela potência, começam então, as batalhas de Sound System, que se tornou parte da evolução e disseminação do movimento. Conhecida como clash, ou soundclash, as batalhas de Sound System podem soar semelhantes com as batalhas de MCs no Hip Hop, mas neste caso, a rima é trocada pelas potências dos graves com um fim específico: descobrir quem tem a melhor seleção musical pra sacudir a pista.

E claro, uma peça chave passa a ser indispensável nessa experiência. Além do DJ, o MC pega o microfone e passa a improvisar ao vivo, gravando faixas exclusivas que exaltam a história da própria equipe ou, no caso dos clashes, promovendo um “ataque” aos rivais. A disputa entre as equipes de som na Jamaica estimularam o avanço de produções musicais, bem como foram responsáveis por internacionalizar o ritmo, fazendo evoluir o movimento, revelar talentos, equipes, formar torcidas organizadas e influenciar a criação de outros estilos musicais. 

Nos anos 60 e 70, o papel dos seletores tornou-se tão fundamental quanto a própria música. Com a necessidade de se aprofundar cada vez mais na pesquisa sonora, e escolher a dedo uma seleção diferente das demais equipes, o seletor passou a criar faixas “especiais” – ou trilhas exclusivas – para serem tocadas pelo seu sistema de som. E isso se transformou em algo ainda maior, com a consolidação do Dub e do Dancehall, a partir do surgimento de DJs como Yellowman, Tenor Saw e Burro Banton, os quais apresentaram ao público vocalistas e MCs que cantavam ao vivo em cima de suas batidas. 

Narrando a história de suas equipes e seus concorrentes, abriu-se então, o caminho para o dubplate: trilhas pré-existentes gravadas com letras que falam sobre sua equipe. Na batalha entre sound systems, os dubplates são usados como “armas musicais”, sendo essas as músicas que faziam o baile de cada equipe mais especial ainda.

Por falar em equipe, a cultura do Sound System é baseada na ação e no trabalho coletivo. Conforme o movimento foi ganhando forma e consolidação na Jamaica,o sistema de som também começou a ficar cada vez mais sofisticado. As caixas empilhadas em forma de paredão, atingiam até 3.6m de altura. Para funcionar, este tipo de ambição exigia um esforço em equipe. Era necessário organizar suas próprias apresentações, construir seus próprios amplificadores e alto-falantes e testar os sistemas para garantir o correto funcionamento. Assim, cada história de cada equipe iria se pulverizando para além de suas fronteiras, abrindo caminho para o reconhecimento de nomes como Studio One, Tubby´s, Volcano, Stur Gav, Youth Promotion entre outras.

Estendendo seu poder e popularidade para outros países e continentes, em especial, nos Estados Unidos e Reino Unido, a cultura que nasceu na Jamaica, passou por Londres – com os sistemas de som Sir Coxsone Outernational, Jah Shaka, Channel One, Iration Steppas e Saxon Studio International -, e chegou no Brasil através de discos e ondas sonoras que vinham da ilha caribenha para o Maranhão. Os maranhenses abraçaram o Reggae, e até hoje o estado é conhecido como a “Jamaica Brasileira”. Em São Paulo, o coletivo Dubversão foi o pioneiro a levar seus soundsystems pra rua. Em 2001, o grupo foi responsável por difundir as festas jamaicanas na capital paulistana ocupando espaços públicos.

Com o objetivo de catalogar a trajetória e a propagação da cultura sound system no Brasil, Daniella Pimenta e Natan Nascimento – ambos seletores e pesquisadores – criaram o Mapa Sound System Brasil, que busca mostrar a trajetória desse movimento cultural em nosso país. O livro é a concretização do projeto online homônimo, iniciado em 2015 por Daniella no blog Groovin Mood, e foi lançado em 2019, apresentando registros históricos das principais radiolas que fomentaram o movimento de norte a sul do país. Vale a pena a leitura!

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