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A música conecta

Editorial | O que pode ser feito para ajudar a viabilizar o debate real sobre redução de danos?

Por Ágatha Prado em Editorial 08.12.2021

Festinhas voltando, festivais agendados e clubes de portas abertas novamente. Ufa! A emoção desse retorno certamente não cabe no peito. Os clubbers já estavam sedentos pela energia da diversão nas pistas, e claro, não poderiam ver a hora de dar uma bela “fritada” novamente. 

Sem falso moralismo, o ato de “fritar” está intrinsecamente ligado à cultura da música eletrônica, e além do mais, a “colocação” serve para dar um brilho a mais no combo música + amigos + pista de dança. Então, hoje vamos de papo sério sobre esse assunto que (infelizmente) ainda é um grande tabu em nossa sociedade, e do qual o diálogo se faz extremamente necessário. Estamos falando do uso recreativo de substâncias – químicas e orgânicas – que num primeiro momento são usadas para diversão, porém se não forem tratadas com conhecimento de causa e cautela consciente, podem se tornar muito perigosas. 

Muito se fala sobre redução de danos, que em tese significa: “um conjunto de medidas dirigidas às pessoas que não conseguem ou não querem parar de usar drogas, e que têm como objetivo reduzir os riscos ou danos causados pelo uso”. Bom, a iniciativa teórica é bastante pertinente, porém como poderemos colocar tais medidas em prática de forma efetiva? 

Embora o uso de drogas recreativas seja algo que começa muito antes da cultura da música eletrônica, o diálogo sobre redução de danos de forma mais ampla, é um fato relativamente recente. Diferente de outros contextos, o maior risco do uso de drogas, não se dá somente na compulsão. A dificuldade está na possibilidade de se expor a um conjunto de situações novas e desconhecidas como: a falta de informação a respeito da substância e de sua forma de uso, combinação inadequada com outras substâncias, desidratação, grande exposição ao sol, privação de sono, descuido com a alimentação, etc. 

Esses tipos de situações, que podem ser consideradas como um comportamento de risco, podem ocasionar desde crises emocionais até mesmo a fatalidade do usuário. E não foram poucos os jovens que perderam a vida ou ficaram permanentemente lesados, por falta de informação, acolhimento e socorro necessário. Tendo em vista que o ambiente das festas e festivais, é um dos cenários mais propícios para o uso de substâncias psicoativas (lícitas e ilícitas), a política de Redução de Danos se faz necessária como um ato de respeito e responsabilidade para com o seu público frequentador. 

Entre as diversas medidas rápidas e úteis, a fim de EVITAR um eventual risco decorrente do uso de substâncias, é possível colocar em prática :

  • Informações gerais sobre cada um dos principais tipos de drogas , e seus respectivos efeitos no organismo
  • Informações quanto ao risco da combinação de uma ou mais substâncias. Ex: tabela TripSit
  • Verificação de procedência
  • Teste de pureza e qualidade

Assim como frisado acima, essas são medidas básicas a fim de evitar um risco eventual. Grande parte delas, são práticas simples que podem (e devem) ser apresentadas por parte dos promotores de festas e festivais, a fim de oferecer uma segurança ao seu público. Flyers com essas informações no banheiro, fumódromo ou no cantinho da pista, pode ser uma estratégia. 

Claro que no caso do teste de pureza e qualidade, não são todos os ambientes que estão capacitados para fornecer essas ferramentas. Porém, Freddie Folowers, criador do festival britânico Secret Garden, teve a brilhante ideia de oferecer testes gratuitos dentro da Secret Garden Party para que os usuários testassem a pureza (ou impureza) dos psicotrópicos que haviam adquirido, e grande parte do público acabou se surpreendendo com o resultado, acabando por descartar suas substâncias. 

Porém, além das medidas de prevenção, também são extremamente necessárias medidas de redução diante do ato em si, afinal, nem sempre é possível evitar um ato falho. Por isso, seguem abaixo algumas medidas recomendáveis para fornecer a segurança de um usuário em risco, dentro de um evento:

  • Stand de atendimento médio: bombeiros, paramédicos, enfermeiros e equipe qualificada para acolhimento, direcionamento e socorro do usuário
  • Staff informado, qualificado, solícito e atento

É válido lembrar que todas as precauções e medidas de prevenção devem ser executadas em conjunto com um posto médico, além de que esse ambiente precisa ser um local de fácil acesso a todos os participantes do evento. Nesse espaço, é válido também oferecer  insumos informativos, a fim de reduzir os riscos e danos também para além do uso de drogas como: ISTs/AIDS e prevenção combinada, dados sobre a violência de gênero, camisinhas internas e externas, dentre outros. 

Esse espaço também deve ser de acolhimento em muitos sentidos, para diálogo e auxílio às pessoas que estão passando por situações desagradáveis combinadas ao uso de drogas, lembrando que essas experiências não necessariamente são “ruins” ou “traumatizantes”, podem ser apenas experiências difíceis de se lidar sozinho. O acolhimento deve ser um espaço confortável para todos, aberto para quem desejar, seja público ou trabalhadores, e livre de julgamentos ou quaisquer tipos de preconceitos.

Visando esse tipo de ação, o Projeto ResPire  iniciou suas atividades em junho de 2011 e já realizou dezenas de intervenções em festas de música eletrônica no estado de São Paulo. A partir das ações realizadas, verificou-se que muitos organizadores de festas se interessaram pelo trabalho e atualmente consideram o serviço como fundamental em suas festas. Desde então, o projeto conseguiu mapear festas de música eletrônica no estado de São Paulo, capacitar redutores e redutoras de danos para intervir nas festas, participar de congressos da área de álcool e drogas e realizar debates sobre redução de danos. O ResPire foi premiado no mesmo ano de criação na categoria Projeto Inovador no evento ABRAMD Educação, organizado pela Associação Brasileira Multidisciplinar sobre Drogas.

Por fim, também é interessante se adiantar com informações preventivas antes mesmo de ir para rolê. O projeto Sento Mesmo, comandado por Uno Vulpo, possui uma página no Instagram carregada de informações necessárias tanto com relação à redução de danos, como outros assuntos igualmente pertinentes para reflexão, e que ainda são considerados tabus. 

Então, aqui fica o nosso alerta para essa retomada: esteja atento ao que você for usar, e principalmente, esteja atento ao seu corpo. Aos promotores de evento: esteja atento ao seu público, com responsabilidade e segurança!

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