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A música conecta

Estamos vivendo uma crise de headliners?

Por Alan Medeiros em Editorial 28.08.2025

Muito além de um status, o termo headliner possui significado e importância precisos dentro da cena. Analisando de forma precisa e resolutiva, headliner é uma atração capaz de vender ingressos como principal atrativo do evento e, no palco, ser o responsável por entregar densidade artística diferenciada OU ao menos uma experiência de alto desejo/realização para a audiência. Não basta o nome maior no flyer, é preciso converter a intenção em presença física e, depois, sustentar essa promessa ao vivo.

A confusão mais comum nasce da equivalência automática entre fama digital e poder de tração. Seguidores, vídeos virais e picos de streaming são úteis para a narrativa, porém não garantem venda de ingressos para quem o está contratando. Conversão real aparece quando a curva de vendas reage ao anúncio do nome, quando há procura orgânica, construção de comunidade em diferentes regiões e, consequentemente, quando sucessivas passagens pelo mesmo mercado continuam ativando demanda. 

Nos últimos anos, a cena vem flertando com uma crise silenciosa. Poucos nomes concentram o poder de chamar público em larga escala, as agendas se repetem em torno dos mesmos artistas há mais de uma década e o salto de cachês, somado ao aumento de custos fixos, torna cada aposta mais arriscada – já falamos sobre isso aqui. Estrutura, logística, compliance, seguros, taxas e impostos cresceram. Nesse contexto, “falsos headliners” ficam expostos: artistas caros que não sustentam o investimento quando isolados do restante dos atrativos do evento.

Uma forma pragmática de avaliar quem ocupa esse lugar passa por quatro eixos. O primeiro é a conversão por cidade: qual o histórico efetivo de venda em diferentes mercados e faixas de preço. O segundo, e talvez mais simbólico, é a consistência de entrega artística ao vivo: não apenas um set bonitinho lotado de hits, mas sim uma entrega musical à altura do que está sendo bookado. O terceiro é a capacidade de permanecer relevante fora do hype imediato, mantendo interesse entre ciclos de algoritmos. O quarto é a aptidão para ancorar o storytelling do evento: nomes que ajudam a explicar a curadoria e elevam a percepção de valor do todo.

A “festivalização” do mercado reforça essa pressão. Especialmente após a pandemia, uma parte relevante do público passou a buscar produções cada vez maiores, com cenografia e experiências que rivalizam com grandes eventos internacionais. O impacto estético é inegável, mas esse desejo distancia toda uma cena de uma experiência mais focada no valor da entrega musical de um DJ. Em paralelo, o ciclo de hype encurtou. Artistas sobem acelerados por movimentos que parecem gigantes da noite para o dia e descem no mesmo ritmo. Falta tempo para solidificar uma base local de fãs pagantes, o que fragiliza a formação de futuros headliners de verdade.

A saturação de bookings é outro fator. Aparições em excesso no mesmo raio e janela de tempo reduzem a urgência de compra e canibalizam conversões subsequentes. A consequência é previsível: bilheterias mais lentas, maior dependência de promoções e maior risco de o promotor entrar em espiral de descontos para conseguir vender ingressos antecipados.

Há um traço que costuma separar quem sustenta o topo do cartaz ao longo do tempo: representar verdadeiramente um movimento. Quando um artista se torna referência de linguagem — estética sonora, metodologia de set, visão de pista — o público retorna por identificação, não apenas por novidade, este é o caso de nomes como DJ Marky, Richie Hawtin, Octo Octa & Eris Drew, entre outros. Essa longevidade aumenta o custo-benefício para quem contrata e reduz a dependência de picos de hype.

No meio desse tabuleiro, as grandes agências internacionais também exercem um papel que tem sido dificultador mais recentemente. Muitas operam com tabelas e parâmetros globais pouco sensíveis a realidades locais. É legítimo que precifiquem seus artistas, mas a medida do headliner também passa pela eficiência econômica da operação em cada praça: custo total, elasticidade de preço do ingresso, calendário concorrente e histórico local. Quando isso não entra na negociação, a conta tende a não fechar. E o pior é que para quem contrata, não há muito como escapar. O domínio não está na mão de quem paga, por mais inusitado que seja. 

A resposta não precisa ser binária. Existem headliners alternativos capazes de cumprir a função de tração com outro desenho. Artistas locais que agregam públicos grandes, residentes identificados e donos de uma narrativa própria, núcleos que cultivaram comunidade, talentos internacionais em rota de ascensão. Trabalhar esses ativos com método cria novas âncoras de desejo e reduz a dependência de apostas com um alto risco na relação custo/benefício. 

Há, ainda, um caminho estrutural. Clubs e festas precisam se projetar para serem seus próprios headliners. Isso se dá por meio de curadoria reconhecível, experiência consistente e comunicação que educa. Primeiro você conquista a confiança e depois vende os nomes do flyer. Isso não elimina a importância de grandes atrações, mas realoca o protagonismo do projeto para a sua própria marca. Quando o evento cria desejo por si, há margem para arriscar, revelar artistas e construir valor de longo prazo.

No fim, a definição funcional contínua simples. Headliner é quem movimenta a bilheteria e entrega uma experiência que justifica sua centralidade. Se hoje poucos nomes cumprem simultaneamente esses dois critérios, não se trata apenas de “falta de estrelas”. É um sintoma de modelo, precificação, calendário e curadoria em desequilíbrio. Reequilibrar essas variáveis — com avaliação objetiva de conversão, atenção ao ciclo de hype, gestão de frequência por mercado e fortalecimento das marcas de evento — é o passo necessário para que a cena diversifique suas opções e volte a formar lideranças que façam sentido no palco e na planilha. 

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