House, Techno e Trance: uma tríade sonora que emerge das células musicais uma das outras, e que num momento da linha temporal, tomaram formas completamente diferentes entre si, contemplando universos próprios e bem definidos, e que hoje voltam a se encontrar como um resgate aos primórdios, mas com olhares para o futuro. Se de um lado temos a House music nascida em Chicago como um manifesto pós Disco, e ao mesmo tempo, o impulso maquinário do Techno de Detroit, sob base da primavera industrial do fim da década de 80; do outro lado do Atlântico, e poucos anos depois, vimos florescer um gênero com foco no transe melódico, e atmosferas que trabalham as percepções multi sensoriais, qual chamamos de Trance.
Há quem diga que o Trance nasceu do Techno. Outros dizem que o gênero nasceu do Acid House, ou ainda que seja um afilhado próximo do New Beat. Mas a verdade é que podemos ver traços multifamiliares comuns entre todos esses gêneros ascendentes, no estilo. Repetições rítmicas do Techno, synths e leads psicodélicos do Acid e elementos rompantes do New Beat. A evolução do experimento com os sintetizadores contribuiu para que os produtores pudessem explorar variações de filtro, efeitos, profundidade e coloração nos timbres, apresentando um resultado mais progressivo e melódico do que o Techno, e mais rápido e imersivo do que o House.
E claro, tudo que vai evoluindo ao longo do tempo, tende a se transformar de acordo com as gerações e os avanços tecnológicos. Com o Trance também foi assim. A primeira centelha original do estilo, veio da Escola de Berlim a partir de um experimento de Klaus Schulze (do Tangerine Dream), que inspirou-se na mistura da música minimalista com movimentos repetitivos, synths arpejados e uma dinâmica atmosférica conhecida como kosmische. Seus álbuns Trancefer (1981) e En=Trance (1986), já entregavam o gatilho do que a essência pretendia transmitir: transe maquínico, imersão e hipnotismo a partir das frequências do som.
Após o primeiro insight, o Trance então passa a se desenvolver tanto em Berlim como em Frankfurt, e ainda na efervescente cena londrina, e em 1992 surge a primeira onda do estilo. Algumas das primeiras gravadoras que impulsionaram o gênero recém-formado foram Masterminded For Success , que foi quem lançou o CD que ficou na história da música como a primeira compilação Trance: Tranceformed From Beyond.
Nomes como Jam & Spoon – que remixou a clássica Age of Love, grande hino do estilo – Cosmic Baby, Microglobe e os próprios Paul Van Dyk, Paul Oakenfold e Sven Väth, possuem um papel fundamental na formação de base do estilo. E notem: estamos falando de nomes, que por exemplo no caso de Sven Väth, hoje é amplamente reconhecido como um medalhão do Techno mundial. Ou seja, nada é mera coincidência.
Os trabalhos de Sven Väth na virada da década de 80 para 90, eram fortemente influenciados pela sonoridade Goa – estilo musical alternativo proveniente da India, e que foi base para as alusões atmosféricas que derivaram o Trance. Com residência na Dorian Grey, e o comando da Omen e Eye Q – selo por onde foram lançados discos seminais do estilo, como Café Del Mar de Energy 52 – a estética hipnótica começou a ganhar força nas pistas de dança pelas mãos e curadoria de Väth, sempre misturando um pouco da estética do Techno ou do House, com a psicodelia do estilo. Inclusive, uma das faixas lançada por ele na Eye Q, La Esperanza, trazia o ponto de encontro perfeito entre a House Music e as atmosferas do Trance.
O casamento entre o Trance e o House foi um enlace que gerou frutos substanciais. O Progressive House, sub gênero que traz o ritmo mais suave do House com as progressões harmônicas e crescentes do Trance, não só vingou como conquistou uma verdadeira legião de seguidores, e permanece evoluindo em dimensões de grande escala até os dias atuais. Uma das gravadoras que impulsionou esse movimento, foi a britânica Hooj Choons – criada por ‘Red’ Jerry Dickens em 1991 – que lançou nomes como Lustral, Sister Bliss, Solarstone e chancelou o re-lançamento da clássica Café Del Mar do Energy 52. A mesma, abriu portas para o desenvolvimento de trabalhos de John Digweed, Sasha e Nick Warren , que atualmente levantam a bandeira global do Progressive House.
Voltando agora à análise das evoluções temporais, houve um período em que o Trance estava intrinsecamente conectado às suas raízes, dividindo as mesmas pistas com o Techno, House, Acid e afins – podemos dizer que essa união se dá até meados dos anos 2000. E houve também um período de 8 ou 80 dos gêneros. Techno no lugar de Techno. Trance no lugar de Trance. House no lugar de House. Com a evolução dos subgêneros, Techno melódico, Techno Peak Time, Deep House, Tech House, o Trance passou a criar seu próprio universo, com seus próprios descendentes – Progressive, Psy Trance, Goa Trance, Full On, Hard Trance entre outros.
Até que num determinado momento, o ponto de encontro volta a acontecer nas pistas de dança. Enquanto vemos Nina Kraviz, Oliver Koletzki, Ellen Allien, e até mesmo projetos como 999999999 misturar seleções de Techno, Acid com as esferas hipnóticas do Trance, o cenário underground atualmente, vem cultuando a primazia dessa mistura ao resgatar nas pistas de dança, o ponto de encontro primordial entre os estilos – seja levando uma roupagem mais contemporânea, ou mais oldschool.
Já no território do House, as esferas progressivas têm vindo mais “trance” do que nunca. O cenário australiano tem se tornado berço de artistas que seguem o direcionamento desse ponto de encontro, como Roza Terenzi, Fantastic Man, Guy Contact, D. Tiffany, Solar Suite, Escape Artist e Human Movement. Por lá, o que parece é que na verdade, esse ponto de encontro nunca deixou de existir, só ficou em stand by por um período. Artistas como Adam Pits, Lisene, Rudolph C., Fruit, Abdul Raeva, seguem retro alimentando as tendências da nova onda, no continente europeu. Gravadoras como a Butter Sessions, Haws, Salt Mines e Craigie Knowes, seguem como fortes espaços para os lançamentos do estilo.
Por fim, concluímos com uma reflexão sobre a atemporalidade cíclica que propicia reencontros de tendências musicais, seja nas pistas, nas rádios ou nas mais diversas plataformas. O reencontro do House e Techno, com o Trance veste hoje uma nova roupagem, reverenciando suas origens comuns.
A música conecta.