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A música conecta

Pirataria Musical: o dilema entre a ilegalidade e o acesso à cultura

Por Ágatha Prado em Editorial 02.09.2022

Hoje vamos de tema polêmico. Uma prática que se tornou tão comum no cotidiano tecnológico e que esbarra no campo da ilegalidade, prejudicando agentes envolvidos no processo produtivo e infringindo a constituição. Estamos falando da pirataria, uma prática que tem origem a milhares de anos atrás, da época do saqueamento das embarcações e das invasões de rota marítima, o que vincula o termo à figura histórica do “pirata”. 

Atualmente, trocando os 7 mares pelo oceano de informações e conteúdos digitais, o que temos não é a pirataria aos moldes clássicos, mas naturalmente, aos moldes digitais. No editorial de hoje, vamos discorrer sobre essa prática especialmente no campo musical, analisar o conceito de direitos autorais, a posição dos agentes envolvidos, compreender seus prejuízos, e reconhecer o dilema em torno da difusão arbitrária e pulverizada de conteúdo, em tempos de reprodução em massa.

Pirataria digital e a Lei de Direito Autoral

Então, primeiramente, vamos de fato à definição de pirataria digital: ato de comercializar ou distribuir quaisquer materiais digitais, que você não possua os direitos intelectuais, ou mesmo que não sejam digitais em sua origem, mas que utilizem meios digitais para a prática do ato ilícito. A definição oficial está presente no Art. 184 do Código Penal, e em resumo, sua violação prevê pena tanto para quem pratica o ato, como também para quem consome a pirataria. Existe uma tendência cultural de entender a pirataria como um acesso legítimo, pois a pessoa até pagou pelo determinado conteúdo ou produto, e está acessando um site legítimo, quando, na verdade, o ato de consumir um conteúdo que não foi efetivamente comercializado e disponibilizado, por meio de um agente capaz de fazer isso, é crime.

Quando falamos dentro da esfera artística, a pirataria incide na violação dos Direitos Autorais que delimitam a propriedade e o direito de uso ao(s) agente(s) legítimo(s) da obra protegida. Isto é, o pirata infringe direitos exclusivos concedidos ao detentor dos direitos autorais, como o direito de reproduzir, distribuir, exibir ou executar o trabalho protegido, ou fazer trabalhos derivados. 

Lei de Direito Autoral (Lei 9610/98) Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; […] 

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; 

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo aná… 

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;[…]

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII – os programas de computador; 

XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. 

E claro, além da própria Lei de Direitos Autorais que protege o criador e a criatura, para cada conteúdo existe suas respectivas licenças jurídicas de permissão, como a conhecida Creative Commons que estabelece diferentes direitos de uso e reprodução como Atribuição (CC:BY), Atribuição-CompartilhaIgual (CC BY-SA), Atribuição-Sem Derivações (CC BY-ND), Atribuição-Não Comercial (CC BY-NC), Atribuição-Nãocomercial-CompartilhaIgual (CC BY-NC-SA), Atribuição-SemDerivações-SemDerivados (CC BY-NC-ND), bem como, o Domínio Público (CC0). A depender do tipo de licença atribuída à uma música, por exemplo, se você baixar, remixar e comercializar esse trabalho, você está cometendo um tipo de pirataria.

Pirataria e a indústria musical

Há muito o que falar e analisar quando o assunto é pirataria musical. A indústria fonográfica encontrou no avanço da tecnologia, um antagonista gigante no fim da década de 90. Enquanto até então era possível ter o controle de distribuição e comercialização de cópias de mídias físicas – CDs e discos de vinil -, ainda que houvesse a problemática da pirataria física comercializada especialmente por vendedores ambulantes, era mais fácil identificar o foco. Quando entramos na era das mídias digitais, aí sim é que buraco fica realmente grande. A revolução do MP3 e a consequente era do Napster, balançou a estabilidade e a rentabilidade das grandes gravadoras, se tornando uma verdadeira ameaça à indústria. 

Tanto quanto o surgimento da MP3, o legado do Napster também foi revolucionário. A possibilidade de distribuição extremamente rápida e em gigantes proporções para milhares de usuários de forma ilegal, ao mesmo tempo em que apavorou os titãs da indústria musical com prejuízos de bilhões de dólares para artistas e gravadoras – como o lembrado caso da banda Metallica que alegou um prejuízo de mais de 10 milhões de dólares, sendo ferrenhos combatentes da plataforma -, em contraponto, ampliou de forma avassaladora a distribuição musical ao redor do mundo. 

É inegável as externalidades negativas quanto à cyber-pirataria, tanto para o produtor de conteúdo (no caso o artista), quanto para as gravadoras e os agentes de distribuição. Porém há um outro lado da moeda que é defendido pelos usuários, pelos pequenos artistas, e até mesmo pelos grandes da indústria. Artistas como Madonna, Tom Morello e Bono Vox se mostraram apoiadores do download gratuito, já que o que realmente interessava era que a música chegasse aos ouvidos do público, não importando a forma. Além do interesse, talvez demagógico, de compor uma imagem simpática de artistas realmente preocupados em satisfazer seu público, o que parece motivar esta atitude pró-download gratuito é que a grande fonte de renda para o artista tem sido a venda de ingressos para shows e o merchandising, não a venda de discos. Alega-se que apenas aqueles músicos cuja vendagem de CDs é altíssima realmente chegavam a lucrar com isto.

Hoje, já na era dos streamings, onde o download de música é mais voltado para o mercado de profissionais da área, ainda existe esse lado da moeda. No Campus Party de 2012, o DJ Sany Pittbull, MC Gi e o produtor Rodrigo Gorky participaram de uma roda de discussão acerca da pirataria e a cultura do remix, especialmente no funk carioca. Lá os músicos revelaram que o comércio informal os beneficia – diretamente e indiretamente – muito mais do que as instituições legais e formais da indústria fonográfica. 

Ao falar sobre o assunto, Sany contou um caso em que encontrou uma música de sua autoria à venda no iTunes, mas que não lucra com as vendas. “Já entrei em contato com o iTunes. Entrei em contato com a gravadora que usei na época em que a lancei e eles disseram que não foram eles. Meu disco está sendo vendido no iTunes e eu não ganho nada com isso”. “Pirataria é a fonte de alimento para muita gente, inclusive músicos”, defendeu o  DJ: “Para nós, do funk, os meninos que fazem funk hoje não tem noção nenhuma de direito autoral. É uma galera de 18 anos que tem um computador barato pago em 24x, onde ele baixa o programa e aprende a fazer um samba, um funk, na informalidade“.

Em tempos de Spotify e outras plataformas de streaming, ainda que sejam ótimos para os usuários, nem todos os artistas ficam felizes com isso. Especialmente aqueles que precisam dividir uma grande parte de sua receita com as gravadoras. Mas mesmo para artistas independentes, as receitas são bastante limitadas. Estamos em um momento em que as vendas de músicas gravadas deixaram de ser a principal fonte de receita para se tornar mais uma ferramenta promocional. 

Cada vez mais, os músicos precisam contar com outros meios, como shows, merchandising, Bandcamp ou até mesmo Patreon para ganhar a vida decentemente. Porém, é aquela coisa, ver sua música sem nenhuma venda na plataforma, e ao mesmo tempo em que todo mundo está baixando através de um site de downloads ou Soulseek, também dói na alma. Quem é produtor sabe que construir uma música não é um trabalho nada fácil, e dar de bandeja também não é legal, especialmente se você é um artista independente e ainda em ascensão. 

Por outra via, pelo lado do usuário e colecionador de músicas digitais, é também compreensível o caminho mais fácil e menos oneroso. Vamos supor que para um DJ possuir uma boa biblioteca musical, seja necessário ao menos 1000 faixas. Estimando uma média de 1.99 dólares por faixa, seria necessário um gasto de pelo menos U$2.000,00 para a construção da biblioteca, ou seja, aproximadamente 10 mil reais. Não é nada barato, né? 

Apesar da Lei de Direitos Autorais estar, de certa forma desatualizada, tornando mais difícil o enquadramento da proteção e fiscalização, ainda sim, as formas mais usuais de baixar música gratuitamente pela internet, seja através de P2P ou até mesmo dos velhos “mp3 free”, e ainda ripando vídeos do Youtube ou músicas do Spotify, são práticas que esbarram na ilegalidade. Porém a realidade é que o dilema ainda procede, e está longe de ser solucionado com garantia real de benefícios para ambos os lados.

A música conecta. 

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