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A música conecta

Produção cultural e algoritmos: aliados ou refém?

Por Isabela Junqueira em Editorial 06.10.2022

As redes sociais são incontestáveis fontes de tendência e indiscutivelmente catapultadoras de talentos: Lil Nas X, Måneskin… na música eletrônica ainda temos o exemplo de Mochakk que reverteu a viralização nas redes em admiráveis marcos na carreira. Especialmente o TikTok virou um grande conversor de reproduções para as plataformas de streaming musical, o que fez com que a indústria fonográfica (principalmente as gravadoras) virasse seus olhares atentamente ao potencial da plataforma que, atualmente, soma mais de 1 bilhão de usuários mensais ativos.

Mochakk em um dos vídeos que o ajudaram a viralizar

Desde o período pandêmico e o enorme desenvolvimento da plataforma, notou-se a implementação de uma estratégia aparentemente eficaz: uma janela de tempo específica na música para as redes sociais, acompanhada de uma dancinha coreografada. Fácil? Não sei, mas simples certamente não é. O Instagram também tem a sua presença nessa dinâmica, claro, mas na atualidade é o TikTok que vem ditando as regras na indústria fonográfica e moldando ela, então é inevitável que o app Chinês seja o foco do texto. 

Mas tudo tem um “porquê”, e cá estamos para clarificar, afinal de contas, quais são essas mudanças que já estão em pleno curso. Antes de tudo é importante ter em mente que a atenção da indústria ao TikTok não é infundada. As músicas que são tendência por lá, geralmente acabam no Top 100 da Billboard norte-americana (principal chart musical do mundo) ou no Spotify, isso porque 67% dos usuários do aplicativo são mais propensos a procurar essas músicas em serviços de streaming depois de ouvi-las no TikTok, de acordo com um estudo de 2021 realizado pela empresa de análise musical MRC Data, encomendado pelo próprio app.

A plataforma se desenvolveu tanto, que, sem dúvidas, consolidou-se como um dos mais potentes hubs do entretenimento e com isso, da música. E no eterno ato de “dançar conforme a música”, naturalmente um novo grupo de profissionais de marketing musical surgiu para operar os esforços promocionais no aplicativo, e com eles, uma série de estratégias para ganhar cada vez mais destaque: pagar criadores e influenciadores para promover músicas, criar desafios para gerar vídeos feitos pelo usuário, equipes dedicadas a monitorar o TikTok para que possam ajudar a atiçar a tendência de uma música quando ela começa a viralizar — inclusive faixas antigas.

“Todo o nosso catálogo de músicas é efetivamente rastreado diariamente”, contou Andy McGrath ao Insider Business. Ele é vice-presidente sênior de marketing da Legacy Recordings, uma divisão da Sony Music. Mas no processo de dedicação aos algoritmos da plataforma para obtenção de boas estratégias nos negócios, grandes gravadoras como Universal, Sony e Warner Music (que juntas, respondem por cerca de dois terços da receita da indústria da música) começaram a pressionar seus artistas não só para que eles marcassem presença no aplicativo, mas também para que considerassem as “necessidades” algorítmicas em seus novos lançamentos.

A cantora e compositora Halsey, por exemplo, chegou a expor a Capitol Records, narrando uma espécie de “embargo”, já que eles só deixariam ela lançar sua nova música caso algum trecho dela fizesse sucesso no TikTok. A gravadora, no entanto, pediu desculpas abertamente e liberou o lançamento. “Eu estou nesta indústria há oito anos, eu vendi mais de 165 milhões de discos e minha gravadora está dizendo que eu não posso lançar a menos que eles possam inventar um momento viral no TikTok” e “Tudo é marketing. E eles estão basicamente fazendo isso com todos os artistas hoje em dia. Eu só quero lançar música, cara. E eu mereço mais. Estou cansada” foram algumas das declarações feitas pela cantora à época.

Mas Halsey definitivamente não foi a única a se sentir refém do hiperfoco em viralizar no TikTok. No Brasil, quem também expôs uma situação semelhante foi Anitta, que também tornou público a condição imposta por sua gravadora internacional, que só patrocinaria um novo clipe caso alguma de suas músicas viralizassem no TikTok. Além delas, Ed Sheeran, Florence Welch, Izzy La Reina e Manu Gavassi vieram a público reclamar sobre a pressão exercida pelos selos.

Mas a fadiga que o TikTok acabou gerando na relação profissional entre os artistas e grandes selos está aumentando. Adele, por exemplo, em entrevista à Apple Music para a divulgação de seu último álbum, 30, disse que definitivamente não faz músicas para o TikTok, o que nos leva ao ponto que: nem todo artista quer produzir algo que se adapte aos algoritmos. E aí notamos a inversão: as redes sociais atualmente não são mais aliadas da produção artística, na verdade, agora é como se a produção artística fosse uma espécie de refém dos algoritmos.

Adele, em entrevista com Zane Lowe, para a Apple Music

Se você ainda não encontrou uma problemática nisso, segue o fio… se já encontrou, segue também e vamos destrinchá-la. A redatora que vos fala é uma mera jornalista, que, apesar de só saber apertar o play, considera-se uma boa apreciadora musical. Na minha experiência enquanto ouvinte, o que sempre prendeu mais a minha atenção, são artistas e músicas que despertaram em mim o sentimento de estar ouvindo algo diferente, inédito… além de podar toda a criatividade artística, impor regras com objetivos virais sobre essas produções acabam não só padronizando as músicas, mas tirando também todo o contexto de singularidade de cada faixa.

A era digital foi responsável por mudanças radicais na música. Antes, as gravadoras promoviam novas músicas colocando singles em estações de rádio ou videoclipes na MTV. Suas equipes de artistas e repertório (A&R), forneceram um conjunto completo de serviços incluindo distribuição, publicação e divulgação, mas com novas possibilidades postas à mesa, nota-se uma movimentação enorme de artistas que optam por seguirem suas carreiras de forma independente ou trabalharem com marcas independentes de grandes distribuidoras. E esse caminho tem se mostrado prolífero… 

No entanto, uma pesquisa da Vox apontou uma diminuição na influência das grandes gravadoras nos streams de música, como o Spotify, em relação aos artistas independentes e auto-lançados todos os anos desde 2017. As gravadoras também estão perdendo seu poder de negociação. A mesma análise descobriu que, entre um grupo de 367 artistas emergentes, as grandes gravadoras agora estão fechando acordos que lhes dão direito a 50% dos royalties futuros, muito abaixo da participação tradicional de 85% do setor. Após anos e anos de conflitos sobre detenção de obras musicais e demandas sobre artistas, talvez começaremos a ver um mercado fonográfico menos oligopolista?

Fica a dúvida. É claro que para trilhar um caminho de sucesso (não importa no quê), concessões são necessárias, mas toda a indústria tem clareza do domínio absoluto dos grandes selos sobre a música e talvez, esse é o momento em que mais vemos pessoas questionarem se esse é realmente o caminho. Aguardemos os próximos capítulos…

A música conecta.

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