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A música conecta

Alataj entrevista Bernardo Pinheiro

Por Ágatha Prado em Entrevistas 18.08.2021

Quem pensa que o Pará está fora do eixo da música eletrônica nacional, está redondamente enganado. Belém é berço de grandes talentos que movimentam o cenário underground brasileiro, sobretudo dentro das estéticas que misturam o frescor do gingado nacional como o Disco e o House. Entre esses ilustres artistas, temos Bernardo Pinheiro, um nome que tem sido frequente no circuito do Funk e Disco Music do país, e que vem ganhando cada vez mais destaque nos selos nacionais.  

Com uma pegada tropical guiada por atmosferas percussivas e grooves energizantes, a assinatura de Bernardo Pinheiro começou a despertar a atenção da cena, ainda quando o artista lançava seus primeiros edits de música brasileira para as pistas de dança. Foi então que a Barefoot Beats abriu os olhos para o produtor, que por lá assinou ótimos singles como Xangô, Pitangamanguearaçá e Deixa a Peteca Cair. 

Agora, Bernardo acaba de realizar uma poderosa estreia no catálogo da Cocada Music, apresentando a encantadora Run Free, faixa que recebe também um remix de Carrot Green. O single reforça ainda mais os laços com a Disco Music, trazendo uma complexidade melódica e marcante para as pistas de dança. 

Conversamos com Bernardo para conhecer um pouco mais sobre a história de sua carreira, os detalhes de seu último lançamento pela Cocada e das novidades que estão por vir. Acompanhe!

Alataj: Oi Bernardo, tudo bem? Obrigada por aceitar conversar conosco. Você é um dos grandes nomes da Disco Music nacional e um grande colecionador musical, principalmente de música brasileira. Conta pra gente como começou esse seu fascínio pela pesquisa musical?

Bernardo Pinheiro: Oi pessoal, muito obrigado a vocês do Alataj pelo convite!  Queria dizer que tô bem feliz por todo esse reconhecimento. 

Eu acho que quando alguma coisa na nossa vida bate forte dentro da gente, seja lá o que for, comida, uma leitura, uma música, a gente quer sentir aquela sensação novamente, daí a gente vai atrás e acaba descobrindo um universo a respeito daquilo. No meu caso, aconteceu com a música. Eu acho que, desde criança, eu sempre fui muito atento a tudo que eu acreditava ser interessante e a música de fato foi uma coisa que me despertou. Apesar dos meus pais nunca sentarem pra me mostrar isso ou aquilo, eu sempre observava e escutava tudo à minha volta, como por exemplo meu pai, Alberto Pinheiro, que foi um grande DJ na década de 70 aqui em Belém, ouvindo seus muitos discos em casa.

O fato de eu já ter tocado muita coisa na minha vida: Rock com a minha banda, comecei no Drum & Bass, depois passei pra House, e quando a gente nem percebe já começa a tocar de tudo um pouco. Acho que isso foi em 2010 quando voltei pra Belém depois de quatro anos morando em São Paulo e aí com certeza a pesquisa se aprofundou mais ainda. A relação com a música brasileira é engraçada porque a música brasileira sempre esteve ali dentro de mim, por uma série de fatores – minha tia Leila Pinheiro, meu avô, amigos, enfim -, mas eu só comecei a pesquisa mais profunda com a música brasileira que toco hoje, bem depois, em 2016. 

Essa conexão com diferentes estilos, experiências e pessoas fizeram de fato eu me aproximar da música brasileira. É aquele negócio, quanto mais a gente cava, mais coisa a gente acha.

Ainda se lembra qual foi o primeiro disco da coleção? Tem algum que ocupa um lugar especial na prateleira?

Não lembro muito bem porque tive várias épocas de contatos com discos, às vezes ganhava, cheguei a comprar muitos discos de Drum &’ Bass quando era o meu estilo e depois parei durante muito tempo e voltei a comprar disco há uns quatro anos. Mas acredito que o Pérola Negra do Luiz Melodia foi um dos primeiros que ganhei e um dos primeiros que achei no garimpo foi o 1º disco, ainda independente, da Leila Pinheiro. Acho que cada disco tem uma história e conexão comigo, não compro disco ou música que não me emociona, que me toca.

Você é de Belém do Pará, uma cidade riquíssima culturalmente e musicalmente também, já que é o berço do Carimbó e do Tecnobrega, que nos últimos anos ganhou uma visibilidade maior em todo Brasil. E quanto à música eletrônica, como é a cena em Belém? 

Belém teve uma época realmente quente em se tratando de música eletrônica underground de 2002 a 2006 mais ou menos. Foi em Belém que tive minhas primeiras experiências e contato com a música eletrônica Underground, nas festas que o Benjamin Ferreira promovia na época em que ele morava em Belém. Depois a música foi se popularizando e a parada foi tomando novos rumos. Já tivemos bons clubs e hoje não temos nenhum voltado para a música eletrônica, o que rola hoje são bares, pubs e festas itinerantes. Mas em se tratando de artistas e produção, Belém tem sacudido a cena alternativa por aqui, tem uma galera muito boa e algumas até nova fazendo Techno / Tech House / Trance produzindo música de qualidade. Artistas e bandas misturando música orgânica com eletrônica. Belém respira muita cultura e acho que por isso a música eletrônica feita aqui tem essa conexão com várias referências diferentes.

Também como produtor cultural, você encabeçava antes da pandemia alguns eventos na capital paraense, certo? Conta pra gente um pouco sobre esses projetos, era mais voltado à música brasileira orgânica ou tinha algumas pitadas de música de pista?

Desde 2010, eu e o baiano Patricktor4 criamos o Baile Tropical em Belém, demos o pontapé inicial para essa música tropical Pop que hoje em dia vemos por aí. Muitos artistas, antes da fama nacional, passaram pelo Baile, como Gaby Amarantos, Jaloo, Félix Robatto, Gang do Eletro, entre outros. A festa passou por quase todos os estados brasileiros e alguns países como França, Nova York, Argentina, Uruguai, dentre outros. O Baile Tropical era uma espécie de laboratório para apresentar essa nova música tropical misturando todos os ritmos regionais com batidas eletrônicas que estavam sendo criadas no Pará, no Brasil e fora. O Baile Tropical nunca acabou, Patrick estava fazendo Bailes pelo Brasil e fora antes da pandemia. 

Em suas apresentações, que tipo de sonoridades você procura trazer para construir seus sets? Você prefere apresentar uma seleção mais de clássicos e pérolas ou curte misturar com sonoridades mais atuais e contemporâneas?

A pesquisa musical sempre vai nos proporcionar essa liberdade de construção de set. Toco em vários tipos de eventos: pubs, clubs, festivais, casamentos e como a pesquisa pra mim é algo intenso, eu consigo me adaptar pra cada situação. Boa parte do meu tempo, eu estudo ritmos, pesquiso música de todo o lugar do mundo, então em Belém as pessoas sempre me deixam livres pra eu tocar o que eu quero. Meus sets transitam por muitos estilos com clássicos, pedras, atualidades. Gosto de misturar várias sonoridades nesse universo da Disco, Boogie, House, Funk, Soul, Afro, regional, seja nacional ou não.

Você é um nome frequente nos catálogos da Barefoot Beats, bem como nos festivais da Mareh Music, e por lá você tem lançado ótimos releases que celebram as nuances do Tropical Disco e da brasilidade musical. Como surgiu esse relacionamento com a Barefoot e que impacto esses lançamentos vêm tendo em sua carreira como produtor?

Em 2017, ouvindo um set do meu brother Tahira, ouvi uma música e fui perguntar para ele quem tinha feito, aí ele me apresentou pelo Facebook o Jonas, Joutro Mundo. A partir daí trocamos muitos sons e ideias, inclusive esse lance de lançar as músicas, até que ele me perguntou se poderia mandar algumas faixas novas minhas pro Dicky Trisco da Barefoot Beats, que falou também que já tinha ouvido algumas coisas minhas antes. É incrível quando a gente faz um som e joga na internet pra DJs amigos, pro público em geral e uma galera começa a gostar e te dá bons feedback por isso. 

Desde que isso começou a acontecer, eu me deparei com um monte de gente do mundo inteiro: Brasil, Estados Unidos, Portugal, Londres, Alemanha, França, Itália, Espanha, até a Índia. Isso realmente me surpreendeu e me excitou bastante. A gente não tem noção, pelo menos eu não tinha, de quão longe uma música pode te levar. Eu sou muito grato por tudo que tem acontecido na minha carreira de uns anos pra cá, minhas músicas estão começando a ser lançadas por selos incríveis, grandes DJs e produtores tocando minhas faixas, virei residente em duas das principais festas de Reveillon do Brasil: Vai Tapajos (Alter do Chão) e Mareh Music, ótimas gigs fora de Belém, o feedback do público em geral e claro a conexão com muitos artistas que sempre fui fã, antes tão distantes e agora tão próximos. Isso não tem preço, é incrível. 

Agora você acaba de estrear pela Cocada Music com um trabalho fascinante. Imagino que a construção de Run Free faixa tenha sido complexa devido ao preenchimento de elementos ricos em melodias, como os belíssimos strings e synths que contornam o arranjo. Como foi o processo produtivo dessa track? Qual a ideia que você procurou imprimir nela?

O processo criativo de Run Free foi bem complexo — e muito divertido também. Toda a parte de metais e strings deram muito trabalho porque tive muita edição pra fazer. O bassline eu gravei uns quatro diferentes porque nunca estava satisfeito, parecia que nunca encaixava com o restante do arranjo (sou bem chato rs). A parte de bateria foi um parto porque não conseguia chegar na sonoridade em que eu imaginava, e isso é uma das minhas maiores dificuldades na hora de produzir. Trabalho à parte, foi muito bacana a experiência de cada momento da música, ela ficou do jeito que eu esperava mesmo, algo bem up, sabe aquele momento que o drop arrepia?!

O remix de Run Free vem assinado pelo carioca Carrot Green, que também é uma das forças do Organic House e Disco nacional. Você já havia trabalhado com ele antes? O que você achou do resultado da releitura? 

Nunca havia trabalhado com o Carrot, sempre acompanhei de longe o trabalho dele e sempre curti. Quando soube que ia rolar um remix, fiquei até pensativo de o que poderia sair e o Carrot arrebentou, me surpreendeu bastante, assim como muitas das produções dele.

Para o segundo semestre de 2021, vem vindo mais novidades do seu projeto por aí?

Sim, bastante música nova até o final do ano. Em breve vai sair um EP por um selo japonês. Tem outra track original em contato com um selo grande. Também já comecei as primeiras ideias do meu álbum que pretendo terminar ainda no 1º semestre de 2022.

Finalizando agora, vamos com uma pergunta clássica do Alataj: o que a música significa para você?

A música pra mim significa liberdade, é através dela que eu tento representar quem eu sou e como estou. É ela que me faz crescer como ser humano, como profissional porque vivo da música. Só paro quando morrer.

A música conecta.

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