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A música conecta

Alataj entrevista Cerrone

Por Laura Marcon em Entrevistas 23.11.2020

Privilegiados são aqueles que têm a oportunidade de enriquecer a mente e o espírito através dos mais experientes. Saber mais sobre a história, dificuldades, ensinamentos por seus erros e acertos é como uma aula. Mais privilegiados ainda são aqueles que valorizam de fato uma boa conversa com quem muito já viveu e levam seus conselhos para a vida. No caso dessa entrevista com o francês Cerrone tomou-se o sentimento de satisfação pelo resultado da conversa, já que falamos com um artista incrível que está há quase 50 anos respirando música e impactando o mundo da música de diversas formas.

Pode ser que você não o conheça, mas para você ter uma ideia, Cerrone é o primeiro artista que atingiu patamares elevadíssimos no cenário Disco na França, vendendo milhões de cópias de sua obra lá nos anos 70 e sendo considerado o primeiro “superstar” do gênero. O artista, além de trazer uma nova forma de ouvir e dançar música, era vanguardista em relação à mensagem que levava ao mundo. Seu maior sucesso, a faixa Supernature, lançada em 1977, leva um grande pedido de consciência pela preservação do meio ambiente, mensagem que ecoa até hoje.

Tanto ecoa que é essa a faixa escolhida como trilha sonora da nova campanha da gigante Gucci. Além do reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, Cerrone lançou seu 31º álbum de estúdio e segue firme com mais lançamentos para os próximos meses. A gente conversou com ele sobre esses assuntos e outros mais sobre sua história e carreira. As respostas foram leves e inteligentes, digna de um profissional de alto calibre. Vale muito a leitura!

Alataj: Olá Cerrone, tudo bem contigo? Muito obrigada por falar com a gente! Sua carreira teve início nos anos  70 e você acompanha o cenário da Dance Music desde então. Como você avalia o momento em que vivemos hoje com todas as evoluções tecnológicas, redes sociais, volume de artistas e de gêneros dentro da música eletrônica?

Acho importante acompanhar a tecnologia e não perder as evoluções que podem ocorrer. A nova forma como a música é produzida abriu as portas para uma nova geração de músicos que foram capazes de ter acesso à ferramentas de produção de ponta que ninguém teria sonhado décadas atrás. As redes sociais também ajudaram os artistas a obter alguma visibilidade fora da TV e do rádio. Eu não diria que é necessariamente melhor, desde que você não esqueça a criatividade e a sensibilidade artística.

Sua faixa Supernature é um grande clássico Disco e uma das mais importantes de sua carreira e que agora é trilha sonora para uma campanha da Gucci. Como aconteceu esse contato com a marca? 

Aconteceu naturalmente, já que a Supernature atraiu regularmente o interesse por filmes e sincronizações comerciais ao longo dos anos. Devo dizer que estou muito orgulhoso deste comercial da Gucci, que é realmente muito bem feito. Parabéns ao diretor! E ver o Iggy Pop dançar ao som da minha música é um raro prazer!

A faixa, ainda que criada em 1977, traz a temática de mudanças climáticas que hoje é assunto tratado com grande intensidade em todo o mundo. Naquela época, como lidava-se com esse assunto ambiental? Você imaginava que ela permaneceria tão atual mesmo após 40 anos?

Eu não diria exatamente isso. Estou bastante surpreso e decepcionado ao ver que demorou tantos anos para o mundo e os políticos tomarem conhecimento disso (mudança climática). E não devemos esquecer que é uma passagem só de ida. Nós realmente precisamos nos comportar melhor em relação a este planeta.

Naquela época os recursos de estúdio eram muito diferentes do que encontramos hoje. Como aconteceu a produção dessa faixa e do álbum, que foi tão importante para a sua carreira?

A ideia do Supernature surgiu por acaso quando recebemos pela primeira vez um sintetizador ARP Odyssey no estúdio. Eu realmente não conseguia descobrir como funcionava, então comecei a girar os botões aleatoriamente até sair com esse famoso som de sequência “dddddddd”, que se tornou a base básica da faixa, junto com algumas ideias que gravei rapidamente no meu gravador de fita Revox. Então pedi a Lene Lovich para escrever algumas letras sobre o tema Island of Doctor Moreau, de H.G. Wells, e começamos a produzi-lo no Trident Studios com os talentos vocais de Kay Gardner, que tinha essa voz andrógina que se encaixava tão bem na faixa.

E hoje, como funciona a sua rotina de estúdio? Algum equipamento em especial que você acredita ser imprescindível para a criação de suas músicas?

Eu uso principalmente o Logic Pro como uma estação de trabalho de áudio digital, junto com vários teclados vintage e minha Roland V-Drums em meu estúdio pessoal. 

Normalmente termino a mixagem em grandes estúdios equipados com consoles SSL ou Neve, especialmente quando produzo música “ao vivo” com músicos. Mas o mais importante para mim sempre foi espontaneidade e criatividade.

Você lançou seu 31º álbum de estúdio, o que é uma conquista impressionante. Conte-nos um pouco mais sobre esse projeto musical.

Trabalho como DJ há seis anos e isso me levou a compor e produzir este álbum nascido da minha experiência como DJ ao vivo, que foi então produzido e finalizado em estúdio. A ideia do álbum DNA começou ao compor pequenas peças musicais para criar transições no meu DJ set. Aos poucos, essas peças foram se tornando faixas mais longas conforme comecei a produzi-las para este novo álbum. Eu também queria usar sons vintage que estavam no álbum Supernature e também na OST Brigade Mondaine, que usava muitos sons de sintetizadores agradáveis . Levei quatro meses para produzir e gravar, mas este é na verdade o resultado de quase dois anos na estrada para pegar ideias e inspiração.

O álbum foi lançado por seu selo, Malligator, que você também fundou na década de 70. Por que você acreditou ser necessário criar a própria gravadora?

É que eu não tive escolha naquela época. Quando eu produzi meu primeiro álbum, Love In C Minor, nenhuma grande gravadora quis assiná-lo. Como resultado, vendi as primeiras dez mil cópias em vinil através de minha própria gravadora, e então a Atlantic Records me assinou um contrato e vendemos mais de 3 milhões de cópias depois disso.

O ano de 2020 foi muito turbulento para o mundo do entretenimento. Como você tem passado por esse período? Como tem lidado com sua capacidade criativa com a mudança da rotina?

Eu me considero um privilegiado por ter tido tanto tempo para compor e produzir música durante lockdowns. No entanto, tem sido difícil para mim – e para outros artistas – não poder tocar ao vivo, considerando que me acostumei a tocar mais de 30 shows ao vivo por ano.

Podemos esperar mais novidades de Cerrone nos próximos meses?

Sim! Tenho feito alguns remixes: alguns meses atrás eu lancei um remix de Let Me Go, de Duke Dumont, e alguns dias atrás eu lancei um remix de Lemonade, de Mercer. Teremos mais remixes lançados antes do final do ano, então fique ligado!

Para finalizar, uma pergunta tradicional do Alataj: o que a música representa em sua vida?

É o meu DNA!

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