Por Stefano Cachiello & Support by Tiago Santos
Chris Liberator é o tipo de artista que dispensa qualquer apresentação para quem acompanha a evolução da música eletrônica global, e nos dias de hoje, é de extrema importância apresentá-lo a nova geração que está consumindo uma grande quantidade de informação e novos artistas/ídolos virtuais.
Artistas como Chris são as figuras que revolucionaram a indústria de forma honesta. Junto com Aaron e Julian Liberator, a revolução ocorreu através da Stay Up Forever, o mais importante coletivo de Acid Techno do Reino Unido, que desde os anos 90 moldou uma geração de punks a gostarem de Techno através das festas que promovem e criou um verdadeiro ‘cluster’ de labels em torno da marca mãe, impulsionando artistas que ganharam o mundo como D.A.V.E. The Drummer, The Geezer, Lawrie Immersion, Ant, Rowland The Bastard, Darc Marc e diversos nomes de muita qualidade.
Mais de trinta anos de experiência e uma discografia gigantesca que engloba o seu coletivo de labels e artistas, Chris bateu um papo exclusivo com a gente contando um pouco sobre as novidades, como enxerga o mercado dos dias de hoje e sobre seu futuro:
Alataj: Chris, primeiramente, obrigado por aceitar fazer essa entrevista com a gente! Particularmente, para mim (Stefano), que cresceu ouvindo você em diversas festas aqui no Brasil é uma verdadeira honra! Já são 30 anos de carreira, diversas vindas ao nosso país… o que você vê de novo por aqui? Tem acompanhado os novos artistas e a cena de forma geral?
Chris Liberator: O prazer é meu! Sempre há mudanças na cena e na música, embora não exista nada radicalmente novo, sempre existem mudanças sutis. É muito revigorante ver todo um arranjo de novos artistas onde muitos são jovens que estão realmente se envolvendo e produzindo músicas com uma leitura levemente diferente, como por exemplo Benji 303. Aqui no Brasil é o mesmo com Tiago Santos, Acid Chochi, Rafinha e outros, conduzindo a cena para frente. É necessária a energia de uma nova geração para um movimento duradouro. Já na frente da música, na era digital está mais fácil criar e novos artistas estão produzindo músicas com sonoridades modernas e digitais. É novo!
Como é gerenciar ano após ano a StayUpForever e todos os sub-labels que compõe o coletivo? A 909london também tem uma grande importância nos dias de hoje, correto? Como funciona esse processo da curadoria dos lançamentos, tanto em vinis como digitais? Como mensurar a importância de ambos os formatos, tendo em vista que o vinil teve uma boa crescente nos últimos anos?
É o nosso bebê, agora crescido, mas que ainda requer uma quantidade enorme de carinho e trabalho para se manter vivo e bem! De fato, sou eu que toca a loja de vinil da Stay Up Forever. Eu e meu antigo e paciente parceiro Aaron Liberator tocamos os selos de vinil do Coletivo Stay Up Forever; enquanto o 909 London agora sou eu com ajuda do Benji 303. O vinil ainda é popular, muitos DJs ainda tocam com os discos, como eu, mas há alguns que apenas colecionam e tocam em casa. É claro que é um hobby caro e muitos DJs optaram pelo digital, muitos jovens começando são naturalmente tentados pela facilidade de MP3 e Wav para armazenar e transportar, mas ambos os formatos (vinil e digital) são importante e é bom que nós temos a capacidade de oferecer os dois em lojas dedicadas, apesar de o 909 London precisar de uma atualização… o novo site vem aí!
Para artistas e selos, é claro que ter plataformas digitais significa lançar mais facilmente e isto é bom. Selos que ainda não estão prontos para o vinil têm a oportunidade de testar sua música na cena dedicada do 909 London sem se perder nas grandes plataformas como Beatport. O outro lado é que é um trabalho muito exigente e eu luto para manter tudo funcionando sem ficar louco! Há muitos artistas e é muito difícil saber de tudo, mas isso vai melhorar com o novo site, o qual esperamos tornar mais interativo. Eu amo o techno e o acid, mas tenho muitas outras coisas na minha vida (crianças e a família, duas bandas, uma loja de discos para administrar e uma agitada agenda como DJ, então em alguns momentos, o 909 tem menos atenção. Eu também preciso fazer músicas para os meus selos e isso literalmente precisou ser secundário com a decolagem do 909 London, mas a música me conduz e isso vai mudar, buscarei estar mais no estúdio novamente!
**909london é uma plataforma criada pelo coletivo StayUpForever dedicada apenas em lançar em formato digitais, dando oportunidade para novos artistas e labels do gênero.
Tenho acompanhado constantemente o grande suporte da nova geração de artistas de techno tocando faixas da SUF em geral, tanto materiais novos, como os mais antigos. Como é a reação em ver tudo isso em um momento onde a exposição de mídia importa mais que a música? Qual a direção que o mercado está tomando na sua visão?
Acho muito divertido ver artistas da cena techno tocando sons como “We are ravers” e “Scum Like Us Like Acid” que são verdadeiros hinos do acid techno, apesar de termos sido completamente ignorados (até desprezados) pela comunidade techno no passado quando lançamos os sons. Os tempos estão mudando, eu acho, e a música está ficando mais pesada e mais direcionada para raves novamente na cena techno comercial.
É ótimo que novos DJs estejam abraçando o som, mas tenho visto o acid techno ficar no underground por muito tempo, tenho sentimentos misturados sobre isso. Se de fato passar a ser defendido pela cena techno mais elitizada, ele pode perder sua credibilidade de alguma forma. É claro que as pessoas esquecem que o acid techno foi o estilo de som onde várias pessoas tiveram o primeiro contato com o techno, então alguns dos DJs são provavelmente fãs do estilo e alguns vieram da cena em Londres.
Será bom fazer a mudança? Eu não tenho certeza – One Night in Hackney fez a mudança de alguma forma, mas eu honestamente digo que houve pouco benefício no sucesso percebido. Este era um disco sobre NÓS, NOSSAS vidas, semana após semana na cena techno underground em Londres. Tem pouco a ver com grandes DJs tocando em raves comerciais em galpões e clubs, mas é claro que as letras estão em ressonância com todos os ravers em todos os lugares e é muito divertida, então teve um impacto em diversos níveis. Em termos de redes sociais eu não sou um grande fã. Elas são muito narcisistas. Eu tenho que compartilhar coisas às vezes, entendo que as pessoas estão interessadas, e compartilhar informações é produtivo, mas não tem como sustentar DJs e artistas engrandecendo a si próprios constantemente. Isto acontece em nossa cena também, eu acho que é parte da vida nos dias de hoje e todos nós temos que participar, mas não combina muito comigo não.
https://www.instagram.com/p/BwwfHWfho0E/?igshid=upcniir2dkd5
O que acha dos artistas novos acid techno de hoje em dia? Regal, Amelie Lens, 999999999, Dax J? Tem tocado as faixas deles? Existe algum tipo de contato entre vocês!?
Bem, duas coisas… É muito bom ver mais mulheres tocando, isso é excelente e também é muito bom que a nova safra de DJs esteja tocando sets mais pesados e mais ecléticos. Isso baseado nuns 2 ou 3 que eu ouvi como Amelie Lens e Dax J, fui informado que outros também. Eu tenho tocado uns discos do Dax J que eu comprei, sons muito bons, mas não tenho nenhum outro disco de nenhum dos citados. Eu sempre apoiei o Perc e estou tocando nos meus sets agora um remix brilhante dele que saiu no selo Molekul!
Amelie Lens comprou uma cópia do release do Darc Marc no Cluster X, bela atitude, esse é o verdadeiro apoio! Eu não conheço pessoalmente nenhum dos DJs, exceto Perc, com quem já encontrei algumas vezes. Dense & Pika são amigos de alguns de nós porque eles tocaram em raves londrinas no passado, mas no geral ninguém está em contato comigo e honestamente eu nunca ouvi falar da maioria. 999999999 apenas ganhou minha atenção recentemente porque tocaram um dos nossos sons e alguém me mostrou o vídeo.
https://youtu.be/uDDK5_ZQwTg?t=3260
Amelie Lens playing Darc Marc – Dirty Rockin Bass (54:20)
A cena francesa hoje chama a atenção pela grande quantidade de novos artistas adeptos techno mais rápido (e acid), e uma atitude parecida com que víamos antigamente. Como é a sua relação com o país e com os núcleos e labels?
Os franceses sempre tiveram uma cena bem distinta e deles próprios. A cena das festas livres sempre circulou em volta dos “Teknivals” (nome dado ao enorme encontro e reunião de sistemas de som e pessoas ao ar livre e que representa a união das palavras tekno e festival) e quando a Lei da Justiça Criminal (ato do governo para restringir festas ilegais ao ar livre) entrou em vigor, a Spiral Tribe saiu do Reino Unido e nós quase fomos com eles. Na verdade, nós fomos para alguns dos primeiros “Teknivals” franceses, mas decidimos que Londres era muito boa para nos mudarmos, pois a cena das festas livres crescia.
A Spiral Tribe ficou na França e criou um novo estilo de cena musical francesa underground com sistemas de som como Heretik e uma enorme quantidade de sistemas de som seguindo seus passos. Todos os estilos de Hardtek floresceram, assim como o hardcore tradicional, o techno mais melódico e o electro dominaram a cena dos clubs. Nós tivemos conexões tanto com a cena das festas livres como com a cena hardcore na França e tocamos lá com frequência enquanto tínhamos alguns apoiadores acid techno bem underground espalhados país afora.
Agora, porém, uma nova cena rave se multiplicou do nada e o techno, rave e acid techno são bem grandes. Nos tornamos amigos do núcleo Molekul imediatamente e eles têm laços estreitos conosco, especialmente Mayeul e alguns dos outros DJs, mas temos também muitos outros amigos e conexões pelo país, tanto jovens como antigos.
https://www.facebook.com/Molekulrecords/videos/1466819506693459/
E a cena de Londres? Como você a vê hoje comparada a antigamente? E como enxerga o futuro dela?
Londres é uma cidade que muda rapidamente e conforme ela se desenvolve, mais prédios vazios e ocupações desaparecem. Então, a cena voltou a ser novamente bem underground, mas ainda existe e apenas numa escala bem menor. Festas via ocupação acontecem regularmente, mas é difícil fazer uma enorme rave semana sim, semana não, então elas são normalmente menores, para umas 200, 300 pessoas. Com o fechamento do Club 414 não há mais um local regular, mas a Caustic, Hydraulix e Rebeltek ainda estão fazendo eventos. Não acabou!
O que sempre me chamou atenção e me marcou em suas músicas são certamente a atitude Punk e as mensagens muitas vezes Políticas que você sempre enviou através delas. Como é o seu processo de criação e a ideia por trás das tracks? Podemos citar exemplos recentes em parceria com o Sterling como Punk Attitude, Scum Like Us, Disco Daze, WE’RE ON THE OUTSIDE, Expect Resistance, Political Power.
Eu sou bem politizado e vindo de uma cena anarcho punk, senti que era importante sempre promover uma mensagem na música, seja com letras ou apenas com a atitude e o sentimento dela. Quando estávamos fazendo festas ilegais com frequência, desafiando o sistema toda semana, ligando as pessoas, promovendo atividades ilegais (como o uso de drogas) e mudanças no estilo de vida que façam você (esperançosamente) acordar para o sistema capitalista de merda que está ao redor de nossas vidas diariamente e corrompe nosso jeito de pensar e a nossa moral, então você TEM que fazer a música significar mais do que um ruído de fundo para você dançar. Recuperem as ruas, eventos antifascismo, ocupações, artes alternativas e comunidades, jeitos diferentes de viver nossas vidas, ruas no geral e coisas de comunidade sempre se entrelaçaram com a música. Essa música e a cena realmente mudaram vidas e ligaram as pessoas para algo novo, algo otimista, como a boa música faz — o significado por trás de uma música é essencial para o seu impacto e credibilidade.
Outra referência que temos é com relação ao padrão de qualidade que vocês sempre tiveram com os lançamentos desde o início. A Curve Pusher, do Lawrie Immersion, continua sendo a base de mix e master de vocês? Vimos o novo estúdio e ficou realmente fantástico! Como é sua relação com ele? Podemos esperar mais algum lançamento de vocês juntos (Lochi)? Quando se juntam sempre saem verdadeiras obras de arte!
Lawrie é e sempre será fundamental na nossa cena e nós ainda somos bons amigos. Curve Pusher ainda masteriza diversos discos nossos e eu fui lá recentemente para masterizar um disco e iniciar um trabalho num novo som como Lochi. Nós temos que fazer algumas das nossas masterizações na Holanda devido ao nosso acordo com a Triple Vision, porém sempre que possível nós usamos o Lawrie porque ele é o melhor. Nós tivemos momentos incríveis nos anos 90 quando ele tinha o soundsystem Immersion e fazia enormes festas via ocupação todo fim de semana e no estúdio improvisado onde detonávamos sons para o Routemaster e Stay Up Forever durante a semana, tudo feito no ônibus Routemaster ou em ocupações na sombria Londres do norte! Bons tempos!
https://www.facebook.com/curvepusher/videos/2135587520043482/
Já são 30 anos de carreira, não é mesmo? Olhando para trás, qual é a sensação? O que podemos esperar de novidades para os próximos anos? Tem ideia da sua importância para a indústria e para artistas como referência e fonte de inspiração?
Sim, quase 30 anos fazendo techno underground! Nós esperamos ter um legado – eu e o Aaron queremos manter o catálogo da SUF vivo pelo maior tempo possível, de qualquer forma que esteja ao nosso alcance, e manter a música viva. A história é escrita por pessoas que têm tempo e influência durante o período sendo registrado – na cena musical não é diferente. A imprensa musical escreveu a história da cena rave nos últimos 30 anos com relatos dos superclubes (Cream e semelhantes), Ibiza, grandes DJs e festivais comerciais, mas nós tivemos experiências completamente diferentes que nunca foram documentadas, mas mudaram vidas e foram igualmente importantes. Milhares e milhares de pessoas têm conexões com as raves undergrounds, seja em Londres ou ao redor do mundo – festas inacreditáveis no Brasil como Rave Patrol, SP Groove e mais recentemente a Techno Route são parte importante da história e elas vivem no coração e na mente das pessoas que as viveram. Esse é o verdadeiro legado e o que de fato importa.
Para finalizar, gostaria de agradecer novamente seu tempo em responder as questões para nós. Uma última pergunta: qual música possui um significado especial na sua vida?
A música dirigiu minha vida – eu tenho muitos sons favoritos, mas esse é um apropriado e de uma banda punk brilhante e imensamente desconhecida do tipo faça você mesmo, do fim dos anos 70, que se chama The Desperate Bicycles. Eles financiaram e fizeram seu próprio disco no seu próprio selo – desconhecido na época, mas bem inspirador para um punk adolescente como eu. Segue a letra que pegou minha atenção e ainda me faz sorrir até hoje: “Você não precisa de habilidades, apenas do interesse… O interesse é o desejo de fazer o que você acredita”. Por causa deles e outros como eles, um pouco de habilidade e muito interesse e desejo, existe a Stay Up Forever e o gênero conhecido como acid techno!
A música conecta.