Skip to content
A música conecta

Alataj entrevista Curol

Por Isabela Junqueira em Entrevistas 08.07.2022

Ela nasce Carolina Ribeiro, mas é sob o alias de Curol que ascende na música eletrônica alternativa agregando um toque muito especial e bem característico ao Afro House — que funciona como uma espécie de vetor para sua criatividade musical; tornando-se também um caminho de reconexão com sua ancestralidade. A DJ e produtora vem cravando seu nome de forma precisa no panorama dos talentos globais e o caminho até esse sucesso foi longo, mas muito coerente.

Curol é aquele tipo de artista que parece que quanto mais perguntamos, mais queremos saber… por isso é impossível resumi-la ao seu catálogo musical e números. Para não deixar de mencionar, ela está na prateleira de selos como Enormous Tunes, Nature Recordings, Sony Music Entertainment entre incontáveis outros expressivos selos. Agora, ela parte para o ataque em uma nova função, encabeçando o Nature Recordings, seu mais novo selo.

Em um momento muito preciso, pintou a oportunidade de trocar figurinhas com essa talentosíssima artista, que se abriu para compartilhar um pedaço do seu universo conosco, nos dando a oportunidade para conhecer um pouco mais sobre seu trabalho, jornada, reconexões e mais alguns aspectos que compõem essa artista potente e preciosa. Então sem mais delongas, espero que vocês curtam essa troca tanto quanto eu.

Alataj: Olá Curol, é um prazer imenso te receber aqui no Alataj! Como foi esse processo de imersão no Afro House e principalmente do resgate da sua ancestralidade diante desse envolvimento?

Carolina Ribeiro (Curol): O prazer é todo meu de receber de vocês essa oportunidade com perguntas tão pertinentes! Eu ouvia Afro House nas festas nos meados de 2011, mas não sabia exatamente o que era. Gostava do groove, e uma vez ouvindo o Shadow Movement, no Deputamadre Club, em um warm up para o Gui Boratto, eu perguntei para um amigo, o DJ Jota, e ele me apresentou o gênero. O que me despertou interesse em produzir foi colocar instrumentos orgânicos na DAW, mesclando nossa cultura brasileira dentro do gênero. Passei a estudar a história afro-brasileira para entender melhor o meu próprio processo de construção de identidade e trazer mais conhecimento através de mensagens com as músicas e seus respectivos conteúdos audiovisuais.

Eu imagino que seja muito forte… tem alguma situação de descoberta que te marcou ao longo desse processo?

Sim, claro! Os reconhecimentos! Quando criamos um projeto, a parte mais difícil é o “como fazer?” Eu descobri que meu objetivo em passar uma mensagem através da música está sendo interpretado de forma orgânica, exatamente como planejado. O que mais tem me marcado é ver a galera dizendo “O seu som é afro, mas tem uma pegada bem brasileira, né?”. Citando fatos associados à esses feedbacks que recebo, também percebo o ganho de reconhecimento por parte dos gringos, que se interessaram nas minhas misturas e que as classificam como promissoras. Um exemplo: receber um convite para fazer um set exclusivo para a BBC Radio 1, ser destaque da 1001Tracklists no The Future of Dance e também no Beatport, dentro do gênero de Afro e Organic, como aconteceu com meus últimos lançamentos.

Recentemente, tivemos a oportunidade de veicular um editorial sobre o processo de embranquecimento da House Music que, entre tantos pontos e dores levantados pelo redator, nos fez refletir muito também sobre a representatividade. Você entende que o Afro House vem para romper com isso?

Se falarmos do Afro House no Brasil, não! Mas se for mundialmente, eu acredito que sim. O gênero está em alta principalmente dentro dos artistas pretos do pop; Drake é um bom exemplo, já que três dos quatro produtores de seu novo álbum, Honestly, Nevermind, são produtores de Afro House. Obviamente isso dá mais visibilidade para os artistas oriundos da África, pois faz o ouvinte pesquisar mais sobre o gênero, e esses artistas ganham espaços para se tornarem referências. Outro exemplo clássico disso é o Zakes Bantwini com o ‘Osama’.

Inclusive, nos conta um pouco sobre como você se aproximou da House Music e como seus rumos foram guiados ao Afro House.

Meu primeiro contato com a House Music foi quando eu tinha 12 anos, antes mesmo de aprender a tocar violão. Meus tios gostavam de Rave e colocaram o show do FatBoy Slim – Big Beach Boutique II em 2002, na Brighton Beach (Inglaterra) pra gente assistir na TV, tipo sessão de filme em família, e eu fiquei fascinada com a magia da praia lotada e o que ele fazia com músicas conhecidas nas batidas eletrônicas! Curiosamente, ele gosta de misturar tropical, afro e tribal em seus mashups, e isso me despertou internamente um gosto natural pelo groove mais swingado.

https://www.youtube.com/watch?v=6Xf1mdGVDmc&ab_channel=TheGoodFarang

De My Soul, seu primeiro lançamento, para Roots, um dos mais recentes: o que mudou e o que permanece intacto em você?

Mudou praticamente tudo (rs). O que prevaleceu foi o swing, que antes eu tinha intenção e ficava só na intenção, hoje com certeza está nas músicas.

E você tá chiquérrima, hein? Com guest mix para BBC Radio 1 e tudo… que felicidade, Curol! Como foi o seu processo de seleção das faixas e como foi ouvir seu mix ali, em uma das rádios mais tradicionais do mundo?

Quando recebi o convite, achei que seria super fácil por pedirem apenas um mini set de 30 min, mas não, tinha outros pré-requisitos, um deles era acrescentar 2 produções de mulheres DJ/Produtoras diferentes, e, particularmente, achei muito incrível isso tudo, por mostrar uma preocupação com a diversidade. E uma preocupação que eu tive foi mostrar o molde da minha identidade do “futuro”.

O 1001Tracklists te selecionou como uma das pessoas negras que moldarão o futuro da música eletrônica, você foi a melhor DJ de 2021 pelo WME Awards e os destaques não param… como você lida com a visibilidade, crescente dos números e o constante olhar no futuro, Curol? Lidar com pressão nunca é fácil, mas imagino que mais ainda quando a ideia é não deixar o lado artístico padecer, né?

Eu sou puxada pela orelha pela minha noiva, manager e terapeuta por às vezes não exaltar essas conquistas como uma pessoa normal comemora seus reconhecimentos (rs). Eu gosto de dizer que estou com os pés no chão e não me deslumbro por considerar que ainda não conquistei meus principais objetivos como almejo, e esses meus objetivos são coletivos. Eu tenho ciência dessa visibilidade, mas não muda minha postura como pessoa. Continuo no meu objetivo de comunicar e informar sobre cultura e conhecimento através da música, então a pressão externa não me pega, sabe? Prefiro fazer minhas criações de forma espontânea. Já recebi propostas que neguei justamente porque isso não faz parte das minhas intenções. A minha pressão é comigo mesma, eu tenho minhas ideias e desejos e estipulo minhas próprias metas.

Chegando a reta final do nosso papo, você acabou (literalmente) de lançar seu remix para Olhos Coloridos, da Sandra de Sá — uma faixa considerada uma espécie de hino da consciência negra, já que a letra surgiu de um caso de racismo e afirma a identidade negra valorizando a beleza do “cabelo duro”. Revisitar uma música dessa e reinserir ela através da música eletrônica é algo que, depois desse papo, fica ainda mais justificado. Fale um pouco mais sobre como surgiu essa ideia, em parceria com o Mehen, e como é lançá-la em seu novo selo, o Nature Recordings.


Nesse caso de racismo, não houve valorização da beleza do cabelo duro, muito pelo contrário, o sargento que prendeu o compositor Macau riu do cabelo e da cor dele de forma pejorativa, prendeu ele na viatura do carro durante todo o dia… a troco de nada, e ao ser liberado, ele chorava muito, em frente ao mar.  Esse é o motivo do nome Olhos Coloridos, os olhos estavam vermelhos de chorar.
A afirmação da identidade negra é que todo preto tenha orgulho de ser quem é e agir em igualdade! É sobre quem somos e como somos.

O selo já estava no planejamento da minha equipe desde que começamos a trabalhar. O fato de alguns outros selos não aceitarem minhas demos por não encaixar em um estilo “exato”, favoreceu essa criação, e com isso vimos essa grande oportunidade de estreia mesclando a e-music com o cenário da música popular brasileira.

E a ideia inicial da música foi do Edu, o Mehen! Ele que me fez o convite e a partir desse contato, estamos aqui agora…

Esse lançamento também conta com um clipe que será lançado nas próximas semanas,  e pra gravação do clipe nós nos reunimos todos no Rio de Janeiro e ‘moramos’ 3 dias em um Airbnb, foi uma imersão total! Aproveito o espaço para dizer que tenho orgulho de contar essa história com esse carinha humilde, inteligente e talentoso que é o Edu.

E como você planeja o desenvolvimento do seu selo para essa próxima etapa, após a estreia com o remix oficial para Olhos Coloridos?

Meu selo está mais nas mãos da minha equipe, muito bem preparada e experiente em lidar com gravadoras, que por sinal, está à frente da Elevation Music Records, do Illusionize, e seus respectivos sub-selos. Estamos com o segundo lançamento engatilhado para agosto, dia 05, a Oxum, que sem dúvidas é a música mais pedida da minha carreira pelo público até o momento, mas também já estou preparando uma compilação de artistas brasileiros que poucos conhecem, mas que têm muito talento e flertam com Afro e Organic.

Por fim, mas nunca menos importante, nossa tradicional pergunta: o que a música representa na sua vida? Muito obrigada pelo papo e saiba que daqui torcemos muito por você!

Cura e autoconhecimento.
 

A música conecta.

A MÚSICA CONECTA 2012 2024