DJ, produtor, label owner da gigante gravadora Toolroom, empresário e uma das figuras mais consistentes no cenário da história da House Music no Reino Unido. Este é Mark Knight, uma das figuras mais respeitadas do cenário britânico da música eletrônica, autor de muitos clássicos, o segundo artista mais vendido no Beatport de todos os tempos e remixador de nomes emblemáticos que vão de Underworld, Kylie Minogue, Dennis Ferrer, Sandy Rivera, Florence + The Machine até o gigantesco remix de The Man With The Red Face, juntamente com Funkagenda, faixa originalmente criado por Laurent Garnier e que virou um hino da pista de dança.
Como um artista que se mantém em um patamar elevadíssimo dentro do cenário há algumas décadas, Mark sabe muito bem aproveitar o melhor de cada época que viveu da música. Isso diz muito de seu próximo trabalho, o álbum Untold Business, um conjunto de 13 faixas alegres e cheias de vida, inspiradas nos anos 80 e apresentando um elenco de estrelas junto com ele, incluindo Michael Gray, Robert Owens, Shingai (Noisettes), Gene Farris Beverley Knight e The London Community Gospel Choir, Rene Amesz e Tasty Lopez e mais.
Quando me surgiu a oportunidade de entrevistá-lo frente a frente, em um bate-papo por vídeo, fiquei animada e ao mesmo tempo um tanto quanto nervosa, pelo peso da presença desse artista. Mas Mark é simplesmente alguém tão vívido fora quanto dentro de sua música. Com um carisma muito contagiante, nós tivemos uma conversa muito bacana sobre o novo projeto, transformações do cenário, sua gravadora Toolroom, rotina de estúdio e muito mais. Vem ver!
Alataj: Olá Mark, tudo bem? Obrigada por conversar com a gente. Você vive a música há muitas décadas e acompanhou muitas transformações no cenário da Dance Music durante todos esses anos, principalmente com a chegada da internet, redes sociais, novas tecnologias. Como você avalia o cenário da música eletrônica, especialmente da House Music hoje, em comparação com o que você conheceu nos anos 90?
Mark Knight: Essa é uma pergunta complicada, pois as coisas mudaram muito de lá pra cá. Eu sei que a tecnologia e a internet trouxeram muitos benefícios, mas eu acho que fico com os tempos passados porque as pessoas viviam mais, dançavam mais e viviam o momento com intensidade. Eu estava numa partida de futebol no sábado, e você olha para o lado e vê todas as pessoas olhando para seus telefones, sabe? Por que você precisa ficar olhando pro seu celular? Esteja presente no momento. Penso que é um indicativo da sociedade no geral. Os tempos dos anos 80 e 90 eram fenomenais. Tudo era novo, tudo estava crescendo, emergindo. Você tinha a oportunidade de simplesmente fazer a cena que você quisesse, porque não havia regras. Era mais empolgante, a gente saía às quartas, quintas à noite, sextas à noite, os clubs estavam com tudo, porque as pessoas estavam sedentas por aquilo, e essa sede não existe mais. Acho que é evidente, porque não é mais tão novo, não é mais tão excitante, então eu fico com o passado.
Eu não vivi a cena dos anos 90, mas toda vez que vejo alguma coisa que eu gosto, que eu ouço, sempre vem desse tempo, e na verdade se falarmos dos anos 90, 80, temos que falar do seu novo álbum. Eu li que é uma das suas maiores inspirações…
Acho que os anos 80 foram provavelmente mais inspiradores ainda que os anos 90. Quando eu estava crescendo enquanto criança, era surpreendente, em termos de música. Acho que os anos 80 foram os mais influentes, porque você tinha realmente uma colisão da tecnologia na música, e eu era tipo uma esponja musical, eu pegava tudo isso e eu ouvia o rádio e encontrava uma música nova que levava à outra música nova, e você tinha a experiência de ir a lojas de discos e caçar músicas… Sei lá, acho que os anos 80 foram provavelmente mais influentes pra mim do que os anos 90. Acho que o som do álbum é provavelmente mais inspirado nos anos 80 do que no 90. Mas os 90, de um modo diferente, é mais meio que… música eletrônica, estourou nos anos 90… Boogie, Funk… Eu me apaixonei… Foram os precursores da House Music… Isso me moldou, foi super influente.
Uma coisa que me deixa curiosa: a ideia desse álbum foi algo que aconteceu antes da pandemia ou você estava mergulhando nos seus discos, ou algo parecido? Como você criou essa ideia pra fazer esse som?
Acho que é algo que eu já queria fazer, mas a pandemia me deu o tempo para executar, porque em momentos que você está fazendo tours sem parar, e fazendo algumas músicas de apoio à tour no dia a dia, você não tem muita clareza e espaço na mente. Era algo que eu sempre quis fazer e a pandemia me deu o tempo para realizar. Eu acho que era… mais daquele tipo de listening experience, porque você não tinha os clubs, então o único meio que você iria ouvir música era pelo rádio. E isso sempre foi mais para rádio e para ouvir… Então acho que as duas coisas fizeram sentido e no tempo certo simplesmente aconteceu; tudo aquilo já estava lá, borbulhando no fundo para apenas vir à tona. Me dê o tempo e eu vou fazer acontecer.
Muitos DJs e produtores tiveram interferências positivas no estúdio durante a pandemia, mas alguns tiveram dificuldade para encontrar criatividade, principalmente porque eles não tinham a pista de dança e o contato com o público. Como foi isso pra você, especialmente produzindo esse álbum?
Acho que, como eu falei, não é especificamente focar… Na verdade, foi um tempo melhor para executar algo assim. E eu tenho sempre tantos projetos e ideias… Então eu nunca tenho certeza da inspiração, ela simplesmente vem, seja na música, composição, dança… Nunca sei direito isso; uma porta se fecha e outra se abre em relação a influências e energia. Então eu gosto de deixar as coisas versáteis e não gosto de ficar fazendo as mesmas coisas porque acho chato; acho chato fazer as mesmas gravações o tempo todo. Gosto de fazer coisas mais profundas e com mais longevidade do que só mais uma gravação pra club. Então foi uma experiência muito positiva pra mim, em termos de criatividade, eu realmente gostei, fiz muitas, muitas músicas. Gostei do tempo sem estar sob a pressão de ter que equilibrar a música e as tours, então foi algo bom pra mim.
Nós sabemos que as tracks foram feitas em colaboração com outros grandes artistas geniais. Como foi esse processo? E a escolha desses artistas em particular, conte um pouco disso também.
É sua função primordial como produtor escalar as pessoas certas para sua ideia, isso é produção. Misturar as linhas no meio… Produtor não é o cara que só senta no laptop para fazer o disco. É engenharia de áudio, produção, mixagem, arranjos, todas as facetas diferentes da produção. Mas a produção, em sua essência, é vir com ideias de como uma ideia ganhará vida. “Ok, precisamos dessa pessoa no baixo, dessa pessoa nos teclados, essa na bateria, essa nos trompetes…”, e individualmente você extrai dessas pessoas o que você quer para o disco. Você mostra pra eles o que você quer e faz com que eles reinterpretem ou até mesmo melhore aquilo. Então você vai conseguir as melhores partes e unir tudo no quebra-cabeça. Eu tinha as ideias pro disco na minha cabeça, e eu estava tipo “Ok, eu realmente quero trabalhar com essa pessoa nesse disco, com aquela naquele outro…”. E o que eu to querendo fazer com o álbum é mantê-lo na base de estúdio o tanto quanto possível, então não era o caso de ficar mandando tracks… Foi orgânico, todos no ambiente e recebendo aquela energia das pessoas. Quando fizemos o vídeo para Everything’s Gonna Be Alright, quando nós chegamos no estúdio… você não consegue competir com esse tipo de processo, isso pra mim é sobre o que realmente é fazer música, se alimentar daquela energia que você tem de um monte de gente num mesmo recinto ao mesmo tempo, não tem nada melhor que isso.
Eu ouvi falar que a magia vem justamente de fazer acontecer esses tipos de momentos, com todos os artistas juntos e trocando experiência… Amei isso! Tem uma coisa que eu queria te perguntar – os anos 80 e 90, como falamos, são os anos dourados da música eletrônica e, na minha visão, criaram músicas atemporais. Você em particular, quando está no estúdio, tem essa ideia de atemporalidade no momento da criação?
100%. É a premissa do álbum, compor algo que se destaque, que você possa ouvir de novo daqui 10 anos e ainda vai soar legal. É isso que você quer alcançar, essa é a ideia, não apenas compor álbuns para club ou algo para que você possa fazer um post e conseguir uma gig. É sobre escrever uma boa composição, uma boa música que vai durar para sempre. Personificar essa era, reimaginar num estilo 2021. Isso é muito importante pra mim, que soe como se fosse durar para sempre.
E o que você acha que uma track precisa necessariamente para atravessar gerações? Tem algumas características? O que você acha que é preciso?
Ótimas músicas têm ótimos hooks. Tem músicas que você canta pra sempre, ótimo refrão, ótima melodia, ótimo hook… Se você encontrar os músicos e você puder escrever a música com estes ingredientes, e colocar tudo isso junto, mas primordialmente as coisas que duram são as com bons hooks. Ótimos vocais, hooks melódicos, é sobre ter o mais disso possível num disco, porque essa é a mágica, isso é algo que atravessa gerações, que as pessoas sempre vão querer recriar e refazer. É isso que você está procurando.
Estamos vivendo um cenário em que vemos mais artistas e mais labels e milhares de releases diários. Nos últimos anos esse mercado bombástico também mudou a forma como esses artistas trabalham no estúdio, e eu vejo muitos artistas falando sobre precisarem apresentar música para o público com mais frequência, como se tivesse que lançar coisas o tempo todo porque senão não vai crescer ou se manter em um patamar já alcançado. Você acha que esses movimentos intensos estão fazendo a criação um pouco descartável ou você acha que é um processo natural?
Acho que qualidade é melhor do que quantidade sempre. Se você procura compensar constantemente lançando música, então seus discos não estão causando impacto suficiente. Todos os grandes músicos da história não lançavam discos a cada mês ou a cada semana. Eles só faziam isso a cada dois anos, mas eles depositavam toda aquela energia e amor e paixão em criar algo. Isso é consistente em todos os gêneros musicais. Provavelmente a falar de habilidade de produzir algo impactante.
Esse é um assunto que está conectado com a relação com os artistas e gravadoras. Nós sabemos de todo o Toolroom solidificou o selo da House Music. Mas vejo que, nos anos recentes, temos vivido uma transformação das novas gravadoras, porque elAs estão se transformando em marcas grandes e famosas, e por causa disso sinto que podemos ver artistas, especialmente os mais jovens, se limitar em suas produções, na capacidade criativa e até mesmo em não arriscar pra se encaixarem em algum som específico de algum label. Você também sente isso ou não?
Não. Honestamente, no caso da Toolroom, acho que temos um som bem específico, eu chamaria de Toolroom o top das músicas que queremos lançar, é o que nos dá a habilidade de ter longevidade, o tempo e o foco que colocamos na qualidade do que fazemos. Porque, de novo, faz sentido ter músicas que as pessoas querem tocar agora e daqui 10 anos, porque geramos dinheiro disso. Música descartável é uma estratégia de curto prazo, então temos um padrão de qualidade muito alto, e se você consegue fazer uma música que se encaixa nisso, você pode fazer parte do time; se você não consegue, você não pode. Não estou sendo agressivo falando isso, mas temos uma escola onde ensinamos as pessoas pra fazer som para turnê. Nós damos todas as ferramentas, todas as informações, mas é sua responsabilidade tomar partido e ser bom o suficiente. Não podemos fazer isso por você. Nós podemos te dar os tijolos, te mostrar tudo isso, mas se você vai ser bom o suficiente? Não sei. Mas nós definitivamente somos muito fortes e insistentes em encontrar novos talentos constantemente, porque é o que faz nosso negócio crescer, mas não podemos fazer todo o trabalho por você. Eu acredito no fato que temos um padrão de qualidade muito alto mesmo nos discos que lançamos, são 18 anos fazendo o que fazemos.
Os anos passaram e com eles muitas coisas mudaram dentro dos estúdios. Você, como um artista que viveu a evolução tecnológica a favor dos produtores musicais, mudou alguma forma de processo de criação da sua música ou tem algo que continua fazendo do mesmo jeito que quando começou a produzir?
Ainda sigo os mesmos princípios básicos de sempre. Ter ideias realmente fortes, ter as ideias na cabeça, o que você quer alcançar, se vai ser uma gravação para club, ou pra um álbum… Saber qual é o perfil e então criar o processo. Eu consigo ver todo o processo do início até a parte do Marketing, etc, e mapeio tudo isso na minha mente antes de começar. Olho desde o lado da criação até a parte dos negócios e tudo que há no meio disso; tudo começa assim. Começo, execução, entrega, mercado. E então começarei a compor algo. Sou bem clínico, acho que essa é a palavra pra isso. Por exemplo, nesse álbum, eu escrevi 13 músicas e tinha que por 13 músicas no álbum. Eu não compus 16 músicas. Eu tive 13 ideias e executei 13 ideias. Sempre fiz dessa forma. Se eu me comprometo em fazer algo, quero ter certeza de que a ideia é realmente forte. Não são todos que vão dar certo, não é acerto 100% em tudo, mas é muito bom. Não começo até que eu saiba o processo inteiro.
O processo entre visualizar, fazer acontecer e finalizar leva bastante tempo, como você falou. Mas manter essa produtividade, para algumas pessoas, não é fácil. Outras são muito disciplinadas quanto às suas rotinas no estúdio, e outras só vão quando se sentem inspiradas. Como funciona pra você?
Eu sou bem disciplinado, porque tenho que fazer muitas coisas. Ser um artista, ser dono de gravadora, empregar pessoas, produzir para mim mesmo… Então dois dias no estúdio, dois dias no escritório, um dia no radio show… Cada dia é bem disciplinado porque tenho muitos projetos, então não posso tipo “Ah, vou ver o que acontece hoje…”. Isso não pode acontecer. Se eu me comprometo com uma ideia, tenho que cumpri-la.
Hoje estamos numa situação pandêmica, mas quando você tem gigs e tours no meio disso tudo… Como mantém o equilíbrio, mentalmente e fisicamente? Você tem uma rotina?
Sim, sou bem disciplinado, então todos os dias às 9h vou ao escritório, trabalho até às 18h e então vou pra casa ficar com a família, com meu filho… Se eu tiver que trabalhar 18, 20 horas por dia, tudo bem, mas sou bem disciplinado quando faço as coisas e é disciplina para poder estruturar tudo isso. Tenho um time brilhante, tenho 28 funcionários nas tours, é uma operação grande, é isso o que me torna capaz de fazer tantas coisas, o time que construí ao meu redor. Tenho que liderá-los, mas é sempre um esforço coletivo. Então a combinação de disciplina e um time de pessoas me permite ser bem proativo e fazer muitas coisas.
Como Mark Knight, artista e como ser humano, o que você espera e o que nós podemos esperar do Mark Knight para os próximos meses?
Quero voltar a fazer turnês, não faço nenhum show há uns 17, 18 meses, então estou querendo fazer alguns neste verão, isso seria bom. Mas, obviamente, promover o álbum, fazer mais algumas coisas para club… Meu próximo desafio como produtor é ser levado a sério como um artista de álbum. Levo 20 anos compondo singles, um desafio que é novo para mim é ser respeitado como um artista de álbum, então é meu foco agora. E basicamente manter o equilíbrio que tenho neste momento na vida. Tive tanto mais tempo com minha família… Sempre tentei manter em 50/50, nunca toco duas semanas seguidas no mesmo mês, e provavelmente alternar o equilíbrio ainda mais direcionado à família, porque é meu maior desafio na vida, criar meu filho da forma certa, dar a ele as oportunidades que eu tive e ainda mais. Então meu foco primário, minha família e, musicalmente falando, ser levado a sério como um artistas que lança álbuns anualmente ou a cada oito meses.
A última pergunta é uma tradicional que sempre fazemos no Alataj, é uma pessoal e mais profunda: o que a música representa em sua vida?
Acho que representa todas as emoções pelas quais você passa como pessoa. É uma forma de expressar todas essas emoções, é a manifestação física de quem você é – os altos e baixos e tudo que há no meio. As inspirações, as ideias, você está apenas reimaginando para a música e… Sou muito sortudo de ter uma vida onde minha paixão é também meu trabalho, e incrivelmente privilegiado em estar nessa posição. Mas vem de muito trabalho e muita dedicação e eu amo isso. É algo que está dentro de você, que simplesmente continua ardendo e ardendo, e você quer fazer mais daquilo e o fogo nunca se apaga.
A música conecta.