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A música conecta

Alataj entrevista Renato Vanzella

Por Alan Medeiros em Entrevistas 31.08.2020

A indústria fonográfica se transformou de forma intensa ao longo dos últimos 20 anos. Esta transformação foi tão forte que ousamos dizer que nenhuma parte envolvida no processo de criação de um trabalho musical deixou de ser afetada, seja no que diz respeito ao processo ou faturamento. No decorrer dessa jornada, as distribuidoras, especialmente digitais, passaram a exercer uma função ainda mais essencial para indústria na qual estamos inseridos, afinal de contas, tudo passa por elas.

A FUGA é uma dessas empresas que possuem uma atuação realmente relevante na área de distribuição digital. Fundada em 2006 na Holanda, a marca logo se tornou global e hoje opera com escritórios na Coreia do Sul, Itália, Inglaterra e Estados Unidos, além de possuir representantes nos quatro cantos do mundo. Em 2016, quando completou uma década de vida, a FUGA já distribuia 1 milhão e meio de faixas mensalmente para clientes em 35 países diferentes.

No fim do ano passado, a empresa já contava com mais de 100 funcionários de 30 localidades diferentes. Entre eles, Renato Vanzella, Business Development Consultant do Brasil. Renato tem trabalhado diretamente com a FUGA no Brasil a partir de 2019 e desde então tem sido uma peça importante no processo de expansão do market share da companhia no Brasil. O convidamos para um bate-papo importante sobre a atuação da marca junto à cena de música independente no país e, claro, distribuição digital. Confira o resultado deste encontro:

Alataj: Olá, Renato! Tudo bem? Obrigado por nos atender. Acho que não podemos começar essa entrevista de outra maneira. Como a pandemia impactou sua rotina de trabalho junto a FUGA? Quais são as principais diferenças com relação ao período pré-pandemia?

Renato Vanzella: Oi Alan, tudo bem e você? Primeiramente, gostaria de agradecer o convite e a oportunidade. Esta pandemia impactou todo mundo, alguns de forma positiva, outros (muitos) de forma negativa. Para o meu trabalho e para toda FUGA em si, o impacto foi muito “superficial”. A FUGA é uma empresa digital e estamos acostumados a trabalhar assim. Por exemplo, minha chefe fica em Nova Iorque, minha dupla no Brasil fica no Rio de Janeiro. O que afetou um pouco foi a rotina de trabalho. Muitos selos e artista no Brasil gostam do contato físico, então muitas reuniões foram adiadas e canceladas. Por outro lado, outras oportunidades se apresentaram. Quem realmente quer trabalhar se viu em uma situação atípica e se adaptou ao tão falado “novo normal”. Isso nos possibilitou realizar ações, fazer negócios e abrir possibilidades que antes da Covid-19 eram inimagináveis. Digo inimagináveis porque sinto que o mercado no Brasil não se propunha pensar dessa forma mais ágil, direta e assertiva.

Distribuição musical é um assunto bastante complexo para boa parte dos artistas independentes. O que você acredita que poderia ser feito para tornar todo esse processo mais simples e conectado aos artistas?

Sim, distribuição é complexo, sempre foi e eu acredito que sempre será. Mas eu percebo que a informação que antes era “escondida” agora está aos poucos chegando ao artista, aos selos pequenos, às agências e etc. Ainda não está tudo claro e entender quem são os intermediários, os impostos, quais são os acordos de licenciamento etc., isso sempre será um tabu, porém a informação está mais acessível. O que eu vejo é uma falta de planejamento tanto de selos quanto de artistas. É fundamental, antes de assinar um contrato de distribuição digital, entender quem são as empresas que estão no mercado e quais são aquelas onde você se encaixa. Feito esse pente-fino, uma ligação, um email ou qualquer outro tipo de contato é fundamental. Eu sinto que é muito importante assinar com quem se cria uma empatia, onde vai existir um relacionamento, um atendimento, pois somente assim é possível fazer as perguntas para que as coisas fiquem cada vez mais claras. As informações da distribuição digital estão aí, o complexo é entender o que essas informações querem dizer. No meu entendimento, somente conversando, tirando dúvidas e vivenciando a distribuição digital é que a clareza chegará.

Se nós olharmos para o século passado, boa parte da receita dos artistas estava ligada às discografias, algo que mudou completamente com a chegada do MP3 e a popularização da internet. Você considera justa as quantias pagas por Spotify e outros streamers? O que poderia ser feito para que os artistas pudessem ficar com uma parte mais significativa deste bolo?

Eu considero justa a quantia que é paga atualmente. Boa parte das lojas ficam com 30% (ou menos) do seu faturamento mensal; imagina, você vende em um mês 100, repassa 70 e fica com 30 para pagar aluguel, funcionários, impostos e etc. Muitas dessas lojas não tem lucros até hoje. Isso sim, me preocupa. Criamos um novo modelo de negócio que aparentemente não é escalável. É claro que é possível pensar em outras formas de repasse, que favoreçam mais os artistas independentes, como por exemplo pagar pelo play do usuário. Já existem alguns estudos nesse sentido, porém não acredito que isso fará uma diferença com D maiúsculo no recebimento do artista.

O trabalho de empresas como a FUGA é essencial para que produtores tenham acesso à distribuição musical de forma ampla e profissional. Como você e sua equipe tem se relacionado com artistas e selos do cenário independente? Há algum tipo de trabalho especial nesse sentido?

A FUGA é uma distribuidora que visa fortalecer quem quer independência. A grande maioria de nossos clientes possuem um grande volume de distribuição, mas nós acompanhamos de perto todos os nossos clientes, mesmo aqueles que tem um catálogo menor. Esse é o diferencial da FUGA. Temos atendimento, fazemos o trade marketing, oferecemos e entregamos o nosso serviço para todos os clientes que estão conosco.

Particularmente, você enxerga alguma possibilidade latente de inovação ou revolução para o cenário da distribuição musical nos próximos anos?

A inovação é constante nessa geração e essas inovações trarão grandes desafios para a indústria, que vai precisar se organizar e ter muito jogo de cintura para acompanhar. Estão surgindo players novos no mercado, alguns focado no social, como o Tik Tok, outros que fazem uma mistura de social com stream, sem falar nas smart speakers. A própria pandemia antecipou inovações como doações, por exemplo.

Enfim, muito vai mudar mas acredito que dentro desse cenário que já conhecemos, o stream seguirá como a principal forma de consumo musical pelo menos pelos próximos dez anos. Agora, como esse consumo vai se configurar frente a todas essas mudanças, é a pergunta de um milhão de dólares.

Quais práticas você considera essenciais para que um lançamento tenha mais chances de desempenhar bem nas plataformas digitais? Existe algo próximo do que podemos chamar de uma fórmula do êxito?

Planejamento, planejamento e planejamento. Se sobrar tempo, reveja o planejamento. Não existe outra forma. Sempre foi assim: a antecedência para lançar e a continuidade no projeto são questões essenciais. Sem isso, não se tem êxito. Não existe uma fórmula ou um shortcut, existe apenas o planejamento, a ação, a análise e a continuidade. Eu vejo que muitos artistas querem ser aquele grande ídolo, sem nunca se dar conta de que, entre o ídolo e ele, existe uma grande escada. Nunca se deve mirar no topo, e sim no próximo degrau.

Um pouco sobre você: quais estilos, artistas e movimentos musicais tem acompanhado sua audição nos últimos meses?

No âmbito profissional eu escuto de tudo. Estou em uma distribuidora que trabalha com todos os estilos musicais, inclusive aqueles que nunca ouvimos falar. Ouvir e acompanhar esses mercados vira parte essencial do trabalho. Já no âmbito pessoal, eu sempre gostei de Punk Rock e acompanho esta cena desde meus 15 anos. Passei um pouco pelo Indie Rock, que também gosto muito, mas o Punk Rock sempre esteve ao meu lado.

Para finalizar, uma pergunta clássica do Alataj. O que a música representa em sua vida?

Vai soar clichê, mas música pra mim é tudo. Eu simplesmente não existo se a música não me acompanhar. Lembro-me do meu primeiro contato com um instrumento musical. Foi na escola, eu tinha oito anos. Conheci a música através da flauta doce que depois virou teclado, mudou para violão, bateria e retornando ao violão. Depois, guitarra e voz e logo vieram as primeiras composições, as bandas, no Brasil e na Inglaterra. Fizemos turnês inesquecíveis de Norte ao Sul do nosso país, de shows com zero público (nesse caso, zero mesmo, até o técnico de som tinha ido pegar uma cerveja, os roadies foram pegar água) até shows para 30.000 pessoas. Aí descobri que ser músico não era o meu destino e acabei caindo de paraquedas na indústria fonográfica. Fiz uns freelas aqui e ali para gravadoras independentes, me tornei YouTube manager de uma gravadora e depois Label Manager, até chegar aqui no Business Development da FUGA no Brasil. Soou muito clichê né? Mas realmente não sei como não ser clichê para essa pergunta.

A música conecta.

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