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A música conecta

Alataj entrevista The Paradox

Por Laura Marcon em Entrevistas 22.02.2021

Quando surgiu a possibilidade de termos algum contato com Jeff Mills e Jean-Phi Dary a ansiedade já tomou conta da equipe do Alataj. Não é todo dia que pinta a oportunidade de fazer perguntas para lendas vivas, peças-chave na história e que são referências absolutas no cenário da música como um todo. 

Mills e Jean-Phi dispensam grandes apresentações. Ambos são veteranos da música, tanto da eletrônica quanto do Jazz. Mills é simplesmente um dos criadores do poderoso Techno que escutamos agora e também uma figura visionária desde o início de sua trajetória, atuando desde 1980 na linha de frente do time vanguardista de profissionais do cenário.

Já o francês Jean-Phi é, desde os anos 80,  figura constante em projetos colaborativos com grandes e conceituados nomes do estilo, que vão de Magic Malik até Tony Allen. E foi através desse segundo que Jean-Phi e Mills se conheceram e começaram sua relação musical. A sintonia nas jams e tours realizadas em conjunto com Allen deram uma luz à dupla que agora materializaram suas experimentações sonoras através do projeto The Paradox, anunciado no ano passado.

O primeiro lançamento da dupla é o EP Counter Active, um conjunto de seis faixas originais e um Radio Edit de audição obrigatória. A viagem é intensa e ao mesmo tempo sofisticada, como bem pede uma parceria entre um mestre do Techno e do Jazz. Cada uma das músicas foi criada a partir de uma troca singela e improvisada dentro do estúdio e também por isso encontra-se muito sentimento na obra. 

O EP foi lançado pela Axis Records, gravadora de Mills, e foi disponibilizado nas plataformas digitais no começo de fevereiro e em vinil na última sexta (19). Tivemos a honra de conversar um pouco com os dois artistas sobre detalhes do projeto, a parceria na música e percepções sobre o cenário e o momento em que estamos passando. Vale muito a leitura!

Alataj: Olá Jeff e Jean, como estão? É uma honra poder conversar com vocês. Acredito que a primeira pergunta possível para esse bate-papo é: como surgiu a ideia de trabalharem juntos nesse projeto? Foi uma ideia que amadureceu com os anos de colaboração musical ou surgiu repentinamente?

Jeff Mills: Tínhamos tocado e viajado juntos regularmente nos últimos anos com o falecido Tony Allen. Nosso relacionamento cresceu e chegou ao ponto em que encontramos uma maneira de nos encontrar no estúdio para gravar algumas das ideias que estávamos discutindo.

Jean-Phi: Tenho certeza de que a ideia já estava presente há tempos. Começamos com Tony Allen da mesma maneira. Portanto, era de se esperar que algo assim acontecesse.

Vocês dois são reconhecidos pela arte da experimentação musical improvisada, jam sessions, apresentações ao vivo que não seguem um script. Assim também aconteceu na hora de gravar as faixas?

Jeff Mills: Primeiro, tudo começou com a discussão do que gostaríamos de fazer e de que maneiras poderíamos conseguir o resultado. Então, nós apenas tocamos – qualquer coisa que viesse à mente e o que sentimos. Quando encontramos algo interessante, amadurecemos em uma composição.

Jean-Phi: Para este projeto esse foi o processo principal: gravar do zero e deixar as coisas saírem.

Cada um de vocês já participou de projetos musicais distintos, então há muita habilidade na hora de trabalhar em grupo, mas é sempre uma experiência diferente. No caso de vocês, tem alguma particularidade em especial que lhes chamou a atenção na execução do projeto? Se pudessem citar uma característica que admira no companheiro, qual seria?

Jeff Mills: É muito fácil trabalhar juntos porque encontramos uma maneira que é menos comprometedora e acontece naturalmente. Acho que ambos gostamos dos detalhes refinados e da atenção ao design, então podemos entender que leva tempo para fazer as coisas certas.

Jean-Phi: A capacidade de escuta de Jeff é realmente algo especial. É como se ele estivesse lendo sua intenção. Isso significa que durante a apresentação, se você sentir que fará uma pausa ou fará um solo, algo no groove mudará para apoiá-lo mais e seguir seu caminho.

Vocês pretendem viajar o mundo apresentando esse projeto ao vivo ou é uma parceria que permanecerá no estúdio?

Jeff Mills: Sim, estamos planejando apresentações ao vivo e estamos prontos para ir assim que pudermos. Eu acho que o show é a combinação perfeita entre uma apresentação ao vivo e dança, então eles deverão ser muito divertidos!

Jean-Phi: Gostaríamos de tocar esse projeto ao vivo o mais rápido possível. Foi feito dessa forma, então deve ser tocado no palco.

Uma pergunta para Jeff: Você acompanhou as transformações da música eletrônica desde os seus primórdios até chegar nesse cenário bombástico que vemos hoje e que não engloba mais apenas a música, mas fama, mídia, imagem e movimenta muito dinheiro. Como você avalia o mercado que vivemos hoje neste contexto geral? Alguma coisa de tempos passados que sente falta?

No geral, acho que esse setor está se movendo na direção certa. Existem problemas na economia da música, mas mesmo assim, ainda é possível alguém comprar equipamentos e instrumentos, se trancar em uma sala para fazer algo incrível e ser reconhecido por isso. Este sistema ainda funciona. O progresso criativo ainda está nas mãos dos músicos.

Uma pergunta para Jean: Jazz, Funk, influências afro-cubanas e outros estilos permeiam seu trabalho musical. Você também é multi-instrumentista e tem uma relação com instrumentos orgânicos desde muito cedo. Em que momento os elementos eletrônicos entraram em sua vida? O que você enxerga de mais interessante nessa fusão na hora de criar?

Sempre estive envolvido com instrumentos analógicos e orgânicos. Amo os sintetizadores desde o início, talvez já com cinco anos. Naquela época havia “festas dançantes com bandas” e meu pai cantava algumas canções com essas bandas. Fiquei fascinado pelos teclados, órgãos, sintetizadores. Então descobri o boletim meteorológico de Joe Zawinul, Georges Duke, Herbie Hancock e também o Disco de Giorgio Moroder com seu grande sintetizador modular e tantas bandas de Rock Alternativo, Jazzrock. Eu realmente amo e ouço muitos projetos misturando Jazz Funk, Pop, Afro usando instrumentos acústicos e analógicos.

O ano de 2020 foi muito duro para o cenário da música e certamente trará muitas consequências em diversos aspectos para todos os profissionais, além de muito aprendizado. Como vocês lidaram com esse período? 

Jeff Mills: Concentrei-me no mais importante da música, que é “a criação”. Assim que entrei em segurança no meu estúdio, para começar, comecei a fazer o máximo de música que pude para exaurir todas as coisas em que estive pensando ao longo dos meses. Então, comecei a ouvir música – para ver quais ideias eu poderia aprender e extrair para colocar na música eletrônica. O resultado foi um álbum completo todos os meses de março a dezembro. Um dos projetos se chama Every Dog Has Its Day. Outro é chamado Zanza 21, que tem um apelo do jazz latino. Fui muito inspirado por Sérgio Mendes e Antonio Carlos Jobim.

Vocês acreditam em mudanças expressivas no mercado quando as atividades forem totalmente retomadas?

Jeff Mills: Espero que sim.

Jean-Phi: Acho que haverá um antes e um depois. Espero que as pessoas estejam mais conscientes das reais necessidades da vida. É importante entendermos que estamos todos no mesmo barco. Se algo acontecer em algum lugar, as consequências se espalharão pelo mundo. Mas também sabemos que a música cura as pessoas e pode ajudar nos dias difíceis. Só espero que o mercado também entenda isso.

Uma pergunta para se pensar não apenas enquanto profissionais da música, mas também como seres humanos: o que vocês esperam e desejam para 2021?

Jeff Mills: Depois de meses de pessoas paradas ouvindo música, espero que alguns dos aspectos vitais que mantêm os níveis de qualidade e valor mais altos sejam reconhecidos novamente. Ficou claro que a indústria da música ficou muito distraída e cega pelos “likes” do Facebook e “seguidores” do Twitter. Esperançosamente, a ênfase em “boa música” voltará!

Jean-Phi: Espero que a arte e a educação tenham mais apoio dos líderes políticos, o que parece não ser o caso agora. Espero que as pessoas optem por se envolver mais e realmente se interessar pelas artes. Isso ajudará a ”vivermos juntos” e levará a uma mentalidade mais espiritual. Acho que a arte pode fazer as coisas mudarem. Mas a luta contra quem não quer educação e arte para seu povo é difícil.

Para finalizar, uma pergunta pessoal do Alataj: o que a música representa em suas vidas?

Jeff Mills: Para mim, é uma forma alternativa de dizer ou insinuar algo. Pensando de forma mais ampla, é importante ter isso porque todos vivemos em uma sociedade onde a ideia de sermos compreendidos ou reconhecidos é como medimos nossas posições e propósitos.

Jean-Phi: A música é o que me fez o que sou. E agora é o mesmo para meus filhos. Música é tudo.

A música conecta.

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