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A música conecta

Iconic | Donna Summer – I Feel Love [Casablanca]

Por Ágatha Prado em Iconic 26.05.2022

Já devo ter falado algumas centenas de vezes aqui na mesma coluna, sobre o real sentido de uma faixa icônica. Então vamos reforçar esse conceito: ícone é sinônimo de símbolo, ou uma representação atemporal de algo, muitas vezes, considerado sagrado. Ao correlacionar a faixa escolhida de hoje, certamente o sentido de sagrado, atemporal, rompante e icônico, faz total sentido. 

Voltamos para a década de 70, sob o teto do glamour estrelar da Disco Music em seu auge mais glorioso. Globos de luzes, paetês, luzes e discotecas, e a contemporânea inauguração da Studio 54, a casa noturna mais icônica do cenário norte americano. Além disso, a indústria musical era comandada pelos grandes astros da Disco, sob a égide poderosa da Motown Records que apadrinhava nomes como Marvin Gaye, Jackson  Five, Diana Ross, The Temptations, que destilavam a tendência musical da época juntos aos grooves orgânicos apoiados por orquestras acústicas.

Enquanto isso, nas entranhas de Boston, uma jovem garota ressoava uma voz absurdamente poderosa em meio ao coral da Igreja local. Seu nome era LaDonna Adrian Gaines, uma voz que comovia as congregações religiosas sob a influência nítida do Soul, R&B e claro, de todo o estrondoso sucesso dos artistas filhos da Motown. Não demorou muito até que sua voz fosse escalada para colaborar com algumas bandas da gravadora, transferindo seu brilho para a efervescente Nova Iorque, e poucos anos depois se radicar em Munique, na Alemanha. 

A garota em questão, atendia pelo nome artístico de Donna Summer, e em 1971 dava os pontapés iniciais de sua carreira solo, até conhecer um produtor que já era conhecido por pensar além de seu tempo – podemos até dizer, que o tal produtor era um ser vindo do futuro. O nome dele é Giorgio Moroder, e se você não o conhece, peço que pare tudo, dê meia volta, e pesquise sobre o legado brutalmente rompante que o artista promoveu para a transformação musical decorrente de tudo que conhecemos hoje. 

A parceria de milhões se iniciou em 1975, com o primeiro LP Lady Of The Night, rendendo o hit Love to Love You Baby, um sucesso que atravessou o continente e fez brilhar a terra natal de Donna Summer. Porém o grande “chute na porta”, viria em 1977, aliás um ano chave para a revolução musical vigente, e é exatamente esse o período que o mundo veria uma das faixas mais verdadeiramente icônicas de todos os tempos. 

Me permitam contar uma história, que meus alunos de síntese sonora já devem ter escutado em todas as aulas dessa disciplina, e que justamente converge com o contexto dessa faixa em questão. Moroder sempre foi um artista inquieto no sentido de não se acomodar com os padrões convencionais, e curioso por tecnologias que eram consideradas extravagantes para a época. Enquanto os demais artistas do momento se apoiavam uns aos outros por meio da música orgânica, com bandas e instrumentos de orquestra, Giorgio destrinchava os aprendizados em um instrumento criado em 1964, por Robert Moog, que ficou a ser conhecido como Minimoog. Com apenas um instrumento, era possível criar timbres originais, e ao mesmo tempo, simular as sonoridades do contrabaixo, dos pianos e de boa parte das sonoridades até então, promovidas pela orquestra acústica.

Assim então, o sintetizador dava as caras em uma das faixas mais revolucionárias da história. I Feel Love foi uma das primeiras músicas gravadas sob o acompanhamento do sintetizador, em sua maior parte, trazendo um som completamente diferente de tudo que era conhecido até então. E claro, além do bass sequenciado protagonizado pelo Minimoog, a estrela da narrativa fazia-se brilhar sobre a voz suave e sensual de Donna Summer, que a partir dali, passava a ser conhecida como a Rainha da Disco Music. 

Para você ter uma noção do rompante de paradigma decorrente de I Feel Love, Brian Eno – um dos grandes produtores e compositores do momento – quando ouviu a faixa, correu rapidamente em êxtase para David Bowie e disse: “eu ouvi o som do futuro”. E de fato, como poderia uma faixa trazer elementos completamente futuristas e ao mesmo tempo pertinentes, glamourosos, acessíveis e altamente dançantes, apenas com baterias mecanizadas, voz etérea e um instrumento? A revolução começava ali.

O sucesso de I Feel Love foi um estrondo meteórico, atingindo os primeiros lugares da Billboard e claro, deixando de cabelo em pé os formadores de opinião, e os artistas da época. É possível também dividir a linha do tempo da música, entre “antes de I Feel Love, e depois de I Feel Love”. A faixa influenciou projetos de Pós-punk e New Wave, que passaram a admirar o estilo e se apropriar do som inovador, com a precisão maníaca de seu groove em forma de grade de sintetizadores sequenciados. Além disso, abriu caminho para outros gêneros musicais, que emprestaram os elementos residuais da discoteca, incluindo a própria House Music e o Techno. 

A parceria da Rainha da Disco com Moroder, através de I Feel Love, foi descrito pelo próprio Giorgio como “o grande start da Dance Music”. Quer mais ICONIC que isso?

A música conecta.

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