Em agosto de 1998, a trágica morte de Jillian Kirkland, uma jovem de 17 anos por overdose após uma rave no State Palace Theatre em Nova Orleans, Louisiana, serviu de catalisador para intensificar a cruzada governamental anti-rave que já se alastrava nos Estados Unidos. A tragédia rapidamente alimentou um pânico moral em torno das raves, patrocinado inclusive na grande imprensa. Agindo nesse clima de alarme, a Drug Enforcement Administration (DEA) mirou no promotor do evento, James “Disco Donnie” Estopinal, e nos proprietários do local, os irmãos Brunet, sob a ameaça de processá-los com uma lei federal de cunho radical.
A ferramenta legal usada pela DEA era a Crack House Statute, uma parte do Anti-Drug Abuse Act de 1986 que originalmente tornava ilegal manter qualquer local com o propósito de fabricar, distribuir ou usar substâncias controladas. A acusação da DEA baseava-se na premissa de que o único propósito das raves existirem era promover o uso de drogas. O confronto inicial foi pessoal e dramático: agentes da DEA foram à casa de Donnie e o confrontaram, acusando-o de ser uma pessoa ruim, de arruinar a vida da sociedade e de estar matando pessoas. Donnie, que havia fornecido um relato em primeira mão de sua experiência, sentiu-se compelido a questionar se havia de fato feito algo errado.
Apesar da postura implacável do governo, a defesa demonstrou que as ações dos promotores eram contrárias à acusação de “promover drogas”. Donnie e os Brunet haviam implementado uma política de tolerância zero e tomado medidas ativas para mitigar o uso de drogas no State Palace Theatre. Eles ofereciam ingressos gratuitos a qualquer um que denunciasse a presença de drogas e, inclusive, incentivaram prisões de traficantes, incluindo seguranças que foram pegos vendendo substâncias ilícitas. O State Palace Theatre era um local de música multi-gênero, sediando bandas populares como Dave Matthews Band e Beastie Boys, o que desmentia a ideia de que seu propósito era unicamente servir como um antro de drogas.
O risco legal era extremo: sob a Crack House Statute, Donnie e os proprietários do local poderiam enfrentar uma pena de vinte anos à prisão perpétua. Para evitar essa ameaça catastrófica, eles aceitaram inicialmente um acordo judicial. Contudo, uma intervenção mudaria o curso do caso: o juiz federal responsável rejeitou o acordo. O juiz, citando os argumentos do advogado de Donnie, Graham Boyd, da American Civil Liberties Union (ACLU), determinou que a acusação violava a Primeira Emenda da Constituição. A decisão se baseou no fato de que o governo havia onerado substancialmente mais o discurso do que era necessário para atingir seu objetivo declarado e que existia um direito constitucional de tocar a música de sua escolha. A tentativa de usar a Crack House Statute para coibir a crescente cultura rave da época fracassou nesse caso.
Apesar da vitória de Donnie na esfera judicial, o processo evidenciou a fragilidade legal dos promoters de raves nos Estados Unidos do final dos anos 90. O Congresso, liderado pelo então Senador Joseph Biden, viu o fracasso da acusação contra Donnie como uma necessidade de ajustar o estatuto federal mais rigidamente ao problema em questão. Isso levou à introdução do RAVE Act (posteriormente renomeado Illicit Drug Anti-Proliferation Act), uma emenda à Crack House Statute que buscava facilitar a punição de organizadores.
A saga de Disco Donnie não apenas revela a intensidade da perseguição governamental motivada pelo pânico moral, mas também destaca a luta pela liberdade de expressão cultural na era da Guerra às Drogas. Foi um momento decisivo que obrigou a comunidade da música eletrônica a se defender publicamente contra a criminalização de sua cultura. O caso mostrou que o governo estava disposto a usar leis antiterrorismo e antidrogas pesadas contra eventos culturais, sob a suposição exagerada de que as raves existiam unicamente para o consumo de drogas.