A narrativa de Ibiza como polo global do entretenimento não começa com superclubs ou luxo, mas com sua história de isolamento e fatores que forjaram um espírito profundo de tolerância e liberdade. Até o início do século XX, as Ilhas Pitiusas (Ibiza e Formentera) eram vistas como um arquipélago periférico no Mediterrâneo, distante dos centros de poder. Foi justamente essa condição de esquecimento institucional que permitiu a construção do mito de Ibiza como símbolo de liberdade.
Essa localização remota favoreceu um modelo de organização local com alto grau de autonomia e baixa interferência das autoridades centrais. A economia do sal, por exemplo, influenciou uma distribuição de terras e tributos mais horizontal, criando assentamentos menos marcados pelo feudalismo. Esse arranjo contribuiu para a formação de uma identidade insular aberta e acolhedora, capaz de receber estrangeiros sem perder seus próprios costumes.

Foi com base nessa tolerância que os movimentos de contracultura encontraram terreno fértil. A chegada dos hippies, entre os anos 60 e 70, trouxe ideais alternativos que se integraram ao cotidiano agrário local de forma curiosamente pacífica. Mesmo com o choque cultural — muitos visitantes vinham da elite europeia e americana — a convivência se deu sem grandes conflitos, consolidando a reputação de Ibiza como território de rebeldia e liberdade. Empresários e autoridades logo perceberam o potencial simbólico disso, transformando a imagem da ilha em um diferencial competitivo para o turismo.
Com o tempo, essa herança libertária foi estrategicamente ressignificada. A ilha passou de destino de sol e praia a epicentro da vida noturna jovem, depois elitizada — até se tornar, ao longo do século XXI, um hotspot de luxo comparável a Mônaco ou Marbella. O ideal de liberdade, que antes atraía hippies, acabou assimilado pelas lógicas de mercado, forçando até os legados da contracultura a se adaptarem à nova realidade econômica.
Foi nesse contexto de comercialização crescente que o Circoloco surgiu em 1999. Instalado no DC-10 — uma antiga fazenda ao lado do aeroporto de Ibiza — o evento nasceu como um after-hours de segunda-feira de manhã, com foco exclusivo na música e em sua energia crua. Para o cofundador Antonio Carbonaro, o Circoloco encarnava o “espírito de liberdade das Ilhas Baleares”, tentando resgatar a autenticidade da ilha. Em sua origem, pegou a contramão das tendências na ilha e adotou a filosofia “No Soul for Sale”, rejeitando patrocínios, ostentação e, acima de tudo, o conceito de área VIP.
Ainda que seu motor inicial tenha sido a música, a essência do Circoloco está na conexão que se criou entre seus frequentadores, do palco à pista — um reflexo direto do passado libertário de Ibiza. A festa se organizou como um coletivo coeso, frequentemente comparado a um time de futebol, com espírito identitário. Essa cultura de inclusão permite que tanto visitantes jonves quanto os super ricos se sintam parte da mesma experiência, centrada na convivência e não em distinções hierárquicas.
Hoje, o Circoloco superou suas origens humildes — uma festa de 80 pessoas às margens do aeroporto de Ibiza — e se consolidou como marca global e estilo de vida. Mesmo expandindo suas fronteiras com turnês internacionais e a Circoloco Records (em parceria com a Rockstar Games), manteve-se fiel ao seu credo original de união e autenticidade. O sucesso da marca mostra como a liberdade, outrora marginalizada, pode ser preservada como valor cultural e projetada mundialmente sem perder sua alma.
Esta história está prestes a ganhar um novo capítulo no Brasil. No próximo dia 15 de novembro, o Autódromo Capuava, em Indaiatuba, será palco de mais uma edição do Circoloco em solo sul-americano. Com produção assinada pela Entourage, o evento terá um lineup imponente com Carlita, Chris Stussy, DJ Tennis, Omoloko, PAWSA, Prospa, Saoirse e Seth Troxler confirmados. A relação desta festa de Ibiza com as pistas brasileiras não é de hoje e nos últimos anos se viu uma presença crescente de artistas nacionais tocando nas segundas-feiras do DC-10. Chegou a hora de fortalecer ainda mais este intercâmbio cultural.



