Passadas três semanas do rastro de euforia deixado por Eric Prydz em seu tour pelo Brasil, resolvi analisar friamente os aspectos que compõem o show intitulado HOLO. É inegável que a vinda de Prydz, sendo sua estreia em terras tupiniquins, é algo para se comentar por meses e certamente será lembrada por muito tempo. Não irei comentar neste artigo aspectos técnicos do espetáculo, você pode encontrar curiosidades, como os 800 mil pixels de LED que formam a tela tridimensional, na matéria pré-evento escrita por Claudia Assef.
Como todos, saí do show impactado com a sensação das imagens em ‘’cima’’ do público, porém, mais ainda, estava intrigado com o que aquelas imagens estavam querendo transmitir. Ainda no Uber de volta para o hotel, me veio à mente o estudo dos Sistemas Complexos. Estava evidente em meus pensamentos que tudo aquilo não era apenas aleatoriedade, ele não criaria um show tão desconcertante, sem ter por trás um objetivo maior. Me parecia que Eric estava transmitindo um conceito que está ligado às grandes questões da atualidade e, quando analisei cuidadosamente suas projeções, percebi que meu faro estava correto, pois comecei a fazer conexões surpreendentes. Mas, primeiro, o que seriam os tais ‘’Sistemas Complexos’’ que aparecem projetados durante o show?

Em 2021, o físico Giorgio Parisi foi um dos laureados pela Sociedade Real Sueca com o Prêmio Nobel de Física após apresentar um estudo sobre os vidros de Spin, que é uma das formações mais complexas da natureza e difíceis de entender. Basicamente, um sistema complexo é composto por muitos elementos que apresentam comportamentos aparentemente aleatórios, isto é, que não podem ser explicados olhando apenas para suas propriedades gerais. Assim como os vidros de Spin, existem milhares de formações complexas onde suas interações iniciais acabam por gerar novas qualidades no comportamento coletivo final, na “dimensão visível”, através da auto-organização, por exemplo.

Pode-se então considerar que um Sistema Complexo é um conjunto de partes ou subsistemas com processamentos internos singulares, conectadas entre si, de modo que formam uma unidade coletiva com uma dinâmica própria e com propriedades emergentes. Costuma-se dizer de um sistema complexo que o ‘’todo é maior do que a soma das partes’’. Exemplos de sistemas complexos incluem sistemas sociais (redes sociais), biológicos, (colônias de animais) e físicos (clima). Áreas intimamente relacionadas aos sistemas complexos são a teoria do caos e sistemas multiagentes.

Atualmente, o tema é um dos mais quentes da ciência e acaba por influenciar diversas áreas do conhecimento, ou então, pode ser considerado que, diversas áreas do conhecimento trabalham com sistemas com características complexas. Algumas áreas são: Autômatos celulares; Cibernética; Computação científica; Dinâmica não-linear; Geometria fractal; Inteligência artificial; Nanotecnologia; Pensamento sistêmico; Redes Complexas; Teoria do caos; Teoria da catástrofe; Complexidade computacional; Teoria da evolução; Teoria da informação; Teoria geral dos sistemas; Sistemas adaptativos complexos; Biologia sistêmica e Redes de Transcrição (genética)
Eu acrescentaria a música eletrônica como mais um dos sistemas complexos do momento, porém ainda sem estudos científicos sobre como elementos orgânicos e eletrônicos interagem entre si formando música apta a ser reconhecida por nossos cérebros como uma linguagem universal única. Música eletrônica não tem bandeira, não tem ideologia, ela é um dos primeiros entendimentos universais do ser humano, afinal, possui características ancestrais do tribalismo, desde quando ainda éramos apenas caçadores-coletores a cerca de 40 mil anos. Então, essa herança sonora é comum a todo ser humano, estando em nosso DNA evolutivo. Agora que entendemos o que são os sistemas complexos, você certamente está tentando lembrar das imagens apresentadas. Então, vamos ao HOLO.
Enquanto assistia sua apresentação arrepiante com diversas pessoas chorando ao meu redor, comecei a perceber que as famosas projeções tinham um certo padrão, apesar de parecerem a primeiro olhar aleatórias, elas detinham uma mensagem por de trás. O que uma baleia jubarte e um olho biónico teriam em comum? O que um astronauta e um cardume de peixes teriam a nos ensinar por igual? É aí que entra o conceito de sistemas complexos que vimos anteriormente, onde, ao meu ver, é a verdadeira mensagem que as projeções de HOLO transmitem. Vamos analisar;
Baleia Jubarte no fundo do mar
O surgimento de uma enorme baleia fez todos vibrarem. Esse ser extraordinário é objeto de muitos estudos por causa da sua complexa forma de se comunicar através de cantos entre os mares. “Isso realmente indica um nível de ‘transmissão cultural’ além de qualquer espécie não humana observada”, diz Jenny Allen, pesquisador da Universidade de Queensland, na Austrália.
“E a cada ano que as observamos, elas cantam uma música diferente, o que significa que as baleias jubarte podem aprender um padrão de música inteiro de outra população muito rapidamente, mesmo que seja complexo ou difícil.” Completa Allen.

Tempestade vermelha e chuva ácida
outra imagem que me chamou muito atenção, foi uma nuvem vermelha aparentemente sobrecarregada, também imagens de chuva ácida e tempestades em meio a floresta, sendo claramente uma mensagem as mudanças climáticas e o clima em si, pois, é um dos fenômenos mais complexos e difíceis de prever da natureza. A dificuldade vem da complexidade da dinâmica atmosférica, onde cientistas tentam prever o clima através de super computadores recebendo informações de temperatura, quantidade de chuvas, pressão, vento e umidade relativa do ar. O processamento computacional é da ordem de quatrilhões de informações por segundo. “É algo que demanda uma contação muito sofisticada’’
A chuva ácida é uma das consequências da poluição atmosférica. Os gases provenientes da queima de combustíveis reagem com o oxigênio do ar e o vapor de água, transformando-se em ácidos que são depositados na superfície terrestre através das precipitações.

Olho e mão biônicos
Um olho meio humano, meio biônico enorme, que parecia estar nos vigiando, onde tudo via. Pode ser visto como a evolução da interação homem e máquina, assim como uma mão biônica que hoje, com os avanços da Interface-Cérebro-Máquina, (BMI, em inglês), pode ser controlada apenas com o pensamento do cérebro, sendo capitado os sinais neurais, decodificados e enviados para um braço robótico. Esse é um dos temas de maior estudo na neurociência atualmente – como redes neurais interagem dentro do córtex pré-frontal e acabam por gerar movimentos através de sinais em máquinas, que são extensões do nosso ser.

Uma mão humana
A imagem de uma mão gigante saindo de uma porta e se apresentando para o público, se estendendo até nós, com certeza foi uma das mais impactantes. Ela pode simbolizar que, foi através do uso das mãos que o ser humano se desenvolveu e acabou construindo tudo que temos hoje. A evolução de caminhar sobre duas pernas, deixando livre duas mãos para utilizar pedras e fazer experimentos que, invariavelmente nos levaram até onde estamos agora.

Telescópio transmissor de ondas de rádio
Fazem pouco mais de 130 anos desde a descoberta das ondas eletromagnéticas de rádio, que, além de causarem uma revolução global que nos permitiu se comunicar instantaneamente com TV, GPS, rádio e Internet, também é a forma como estudamos as interações entre estrelas no universo. Se algum dia descobrirmos vida inteligente fora da terra, provavelmente será através da captação de sinais de rádio. Assim como, desde que inventamos os satélites, estamos emitindo ondas para o espaço infinitamente, quem sabe um dia, elas chegarão em algum lugar capaz de interpretá-las.

Código DNA
Desde o descobrimento da sua estrutura química, em 1953, o DNA é uma das moléculas mais estudadas do mundo. Um aspecto interessante comprovado cientificamente na teoria sobre código genético é sua universalidade. Isso significa que praticamente qualquer ser vivo, seja qual for o reino ou espécie, compartilhará com exatidão os mesmos tipos de combinação no DNA que definem suas características. De um ponto de vista hipotético, qualquer organismo celular, no momento de sua formação, teria o potencial de se transformar em qualquer tipo de célula ou composto orgânico mais complexo.

Uma galáxia pairava sobre nós
Circular, cada uma com centenas de bilhões de estrelas. Uma galáxia é um dos aglomerados mais complexos do universo, elas surgiram após uma grande explosão que deu origem ao Universo, o chamado Big Bang. Assim, após esse evento, o acúmulo de materiais celestes, como poeiras e gases cósmicos, iniciaram um processo de agrupamento, a partir da ação da gravidade.

Homem-máquina cercado e preso por TVs
Nesta representação, um homem travestido de robô caminha sem sair do lugar, apesar de sua aparência mecânica, seu caminhar é completamente humano, demonstrando que as TVs ao seu redor e presas a ele, o transformaram em algo programável, como uma máquina. Essa imagem tem um forte tom de crítica às mídias de massa, que ao longo do tempo, tem manipulado cadeias sociais inteiras, eleito e derrubado mandatários, além de nos tirar do mundo real. Compreender a influência das mídias na sociedade contemporânea, é um dos temas mais complexos das ciências sociais da atualidade

Sistemas em rede
Uma rede corresponde a um grafo, que se representa por um conjunto de nós ligados por arestas, que em conjunto formam uma rede. Esta rede ou grafo, permite representar relações. Muitos foram os que se dedicaram a perceber as propriedades dos vários tipos de grafos e como são constituídos, ou seja, como se agrupam os seus nós. Estes estudos são essenciais para a compreensão das relações complexas do mundo que nos rodeia, nomeadamente para as áreas da biologia, da neurociência, da linguística de associação, da psicologia, das redes socias e das redes de comunicação, etc.

Inteligência de enxames
Se trata de uma propriedade de sistemas agentes não-inteligentes de capacidade individual limitada, que podem exibir comportamento coletivo inteligente, como por exemplo um cardume de peixes; enxames de abelha, colônia de bactérias ou um bando de pássaros. Como vimos na tela durante o show, um cardume se movia de forma orquestrada, onde interações locais levam a um padrão global.

Poderíamos falar aqui de outra série de imagens que possuem complexidade envolvida, como os ‘’raios gama de alta frequência’’ atingindo o público em cheio, ou então um sol laranja nascendo, um astronauta, ou a referência a nave espacial Discovery, lançada pela Nasa em 1984. Tudo estava claramente dentro de um arcabouço teórico dos Sistemas Complexos e Eric mostrou que, mais do que um grande DJ, mais do que um show único, ele também tem conteúdo capaz de nos fazer refletir em diversos níveis, não apenas emocional, mas racionalmente e, fazendo pessoas, espaço, música e arte se fundirem em algo novo, que não pode ser compreendido olhando apenas uma parte, mas sim, o todo, como nos Sistemas Complexos.

Eram pelo menos quatro gerações de clubbers que tem Eric como uma referência musical, que desde o início dos anos 2000 até agora, são influenciados por suas músicas marcantes.
Os fãs brasileiros simplesmente deram sold out em duas datas na ARCA em São Paulo, além de quase esgotar uma terceira no domingo, dia 9 de outubro. Podemos dizer que a cena eletrônica brasileira ficou abalada com tamanha expressão artística fundindo música, imagens 3D e iluminação quebrando a quarta parede, ou seja, junto da pista que se aliava a um telão gigante com 3 dimensões, onde Eric comandava suas músicas de dentro. Para a grande maioria foi a primeira experiência com algo assim, em particular eu somente havia visto algo tão complexo no show do Roger Waters ‘’Us & Them’’, em Curitiba 2019. Eric seguramente está alguns anos à frente do resto da cena eletrônica, trazendo o futuro da dance music para 2022.
A música conecta.