Ahhh, a nostalgia! Há um fenômeno muito particular em nosso sistema mental que, vez ou outra, nos leva até memórias das mais diversas esferas e, inevitavelmente, gera um sentimento que transformado em palavras soa mais ou menos assim: “saudade daquele tempo bom, que não volta nunca mais”. Quem nunca? Mas, deixando os clichês e saudosismo de lado, ainda bem que na música, o tempo bom sempre pode voltar. É a máxima dos ciclos, implacável, mais uma vez. Logo, o título dessa matéria não é a toa, afinal, poucos movimentos tiveram um passo tão marcado quanto esse que gera uma vibração diferente na pista de dança, o Acid House. O Bizarre Inc surfou nessa onda em um timing perfeito e entregou faixas que bebem dessa fonte com um temperinho a mais.
O Acid transcendeu o rótulo de sub-gênero do House e se transformou em um fenômeno cultural que mudou a forma de como a Dance Music é percebida, enquanto comportamento e estilo de vida, algo que permanece até hoje, mas não com a mesma força do seu “boom”. Nasceu no famigerado anos 80, naquela derradeira quase-mística em que um bocado de transformações globais marcantes aconteceram. Quando você descobre como ela “aconteceu” consegue entender que talvez a turma de Chicago não imaginava o que viria pela frente quando começou a “brincar” com a Roland TB 303. De forma bem resumida, aquilo que os artistas da windy city sopraram para o outro lado do oceano, germinou os mais diversos frutos, um movimento inovador para os moldes daquele tempo. (Vale a pena ler sobre tudo isso a fundo).
Essa inovação toda que rolou “quase sem querer”, desdobrava o Acid em um momento muito particular, que mais para frente, o transformaria em fenômeno. Bem ali nesse mesmo momento, um grupo de jovens se reunia para formar uma banda, movidos por esse frenesi inigualável do Segundo Verão do Amor e de uma juventude desobediente. Era a força do movimento Chicago e Detroit adentrando territórios onde os jovens também pareciam estar sedentos por algo que quebrasse paradigmas. Chamada Bizarre Inc, o projeto, adivinhe só, britânico, foi formado em Stafford, em 1989, por Dean Meredith, Mark “Aaron” Archer e, mais tarde, Carl Turner, e há de ter sido para muitos locais o primeiro contato com essa tal “dance music”.
Seus primeiros singles apareceram no circuito já no mesmo ano, como Time To Get Funky, Bizarre Theme / X-Static e o primeiro álbum, Technological, até chegar na icônica Playing with Knives, em 1991, faixa que foi o pulo do gato para eles e os levou ao Top 5, no Reino Unido. O som dessa turma soa bem inovador quando pensamos na soma dos elementos e na construção das faixas, o que justifica facilmente o fato de que eles conquistaram mais vezes posições de destaque dos catálogos musicais.
Não demorou muito para que eles cativassem os ravers daquele tempo e não vai demorar muito para que eles também te surpreendam, caso você não os conheça. Em 1992, eles lançaram o segundo álbum, Energique, que alcançou o Top 1 nos Estados Unidos, já que estava bem aquecido, principalmente pelo single I’m Gonna Get You.
O álbum é uma mistura ousada, “meio maluca”, de House em seu eixo mais edificante, de Garage, Techno, Breakbeat, vocais Soulful, Hip Hop, pitadas sombrias e sim, Acid, que quase sempre aparece de forma sagaz, ora escondida no meio dos tantos de acontecimentos sonoros, ora mais sobressalente. Mas, bem distante da antecessora Acid Tracks do Phuture, que rege toda a história do estilo. Essa é a mágica da música, afinal. Ter a oportunidade de aprender e captar algo e fazer a sua leitura “desse mundo”, transformado-o em algo seu.
Por isso, que eles merecem as devidas honras. Flertaram com os gêneros sem medo de ser feliz, deixando os ouvidos surpresos pela forma inesperada de “trocar de canal” na mesma música, como você pode ouvir aqui também:
No momento que a banda conquistou popularidade, suas faixas passaram a ser trilha sonora das festas e contribuiu para embalar a cultura rave, que estava em total ebulição naquele momento, representando muito mais que diversão e hedonismo, mas, como um manifesto aos moldes políticos da época. Enfim, a contracultura. Por essa razão, podemos dizer que tanto o Acid, quanto o Bizarre Inc se retroalimentam naquele momento. Em 1994, um remix para o single Secret da Madonna veio a tona, um feito poderoso, indiscutivelmente:
É possível encontrar os synths e linhas de baixo típicas do gênero nas produções, mas vai muito além do que se espera quando pensamos no gênero, suas músicas resistem ao teste inevitável do tempo. Segue a preferida da redação que é uma verdadeira aula de produção musical e uma releitura “mais contemporânea”, entre aspas, porque a palavra de ordem aqui é atemporalidade:
A banda já não existe mais, o que justifica o saudosismo do texto, mas se pudéssemos materializar o sentimento de nostalgia e viver a experiência na íntegra, iremos hoje, voltar às famigeradas raves dos anos 90 e você pode crer, em algum momento, você iria dançar alguma faixa do Bizarre Inc na pista. Bom, como dito no início do texto: ainda bem que na música, o tempo bom sempre pode voltar. Esperamos que os seletores atentos captem a mensagem.