A música eletrônica com assinatura brasileira vive hoje um de seus momentos mais instigantes e isso se deve, em grande parte, a artistas que têm deslocado o senso comum daquilo que deve ser validado como parte do estilo musical, expandindo limites entre território, gênero e presença. De antemão, nos cabe o seguinte questionamento: de quem é a régua do que pode ser considerado ou não como parte da cultura clubber?
Essa história não pode ser pensada sem levar em conta o impacto das múltiplas configurações do Funk e, nesta direção, o trabalho de Ramon Sucesso, DJ e produtor musical, se situa exatamente nas interseções entre o alcance das grandes massas e a cultura das festas periféricas, oferecendo uma proposta que projeta o espírito de uma cena em constante reinvenção.
Nascido no Complexo do Chapadão, na Baixada Fluminense, Ramon Sucesso é fruto direto da efervescência cultural da periferia carioca, traduzindo uma estética sonora que carrega a potência e o ritmo da localidade. Assim, até de maneira implícita, faz com que sua origem seja reconhecida e sentida.
Aos 21 anos de idade, Ramon tem uma história de longa data com a discotecagem, mais precisamente desde 2016, quando trabalhava em shows e bailes funk no Rio de Janeiro. Contudo, a virada de chave foi em 2018, quando lançou o canal no Youtube denominado Irmãos Sucessada, junto ao seu irmão e à revelia dos pais evangélicos, inspirado em Somália Sucessada, figura ativa da propagação do funk no âmbito digital.
A criação do canal fez com que Ramon começasse a se destacar como um dos nomes mais inventivos da nova geração de DJs e produtores, acrescentando repertório ao que conhecemos como som de pista, rompendo com padrões estabelecidos e propondo uma experiência que é simultaneamente dançante, provocativa e visceral. A materialização mais evidente dessa proposta talvez esteja no Sexta dos Crias, quadro criado no canal para celebrar a chegada do final de semana com a apresentação de DJ sets, o que se transformou em festa posteriormente.
Dentro e fora das redes sociais, Ramon apresenta uma identidade carregada de diferenciais que enaltecem seu projeto. Na apresentação de seus sets, a velocidade e a precisão da mixagem são simultâneas à expressividade corporal. Além disso, o uso exclusivo da controladora e não das tradicionais CDJs se torna parte da performance, em que o artista torna visível, na manipulação dos equipamentos e nos impulsos que seu som provoca, o convite à presença plena, onde o corpo e a música dialogam.
Sua sonoridade é marcada por distorção, colagens digitais, dissonâncias e uma fricção que provocam o ouvinte. As influências diretas do Funk proibidão se misturam com o Trap, os breaks e o resgate do Beat Bolha (batida comprimida, saturada, que rompe o groove tradicional e que funciona como sua marca registrada), resultando em uma assinatura sonora que escapa do previsível e amplia o espectro do que conhecemos dentro da música brasileira. Ele carrega um repertório que não busca adaptar suas referências ao espaço que ocupa. Ao contrário: força esses espaços a entrarem em reconfiguração. A potência de Ramon está justamente em não negociar suas origens.
Enquanto a cena global costuma importar a extravagância como um exotismo, Ramon a incorpora de forma natural. Essa autenticidade impulsionou o lançamento de seu disco Sexta dos Crias, bem recebido pela crítica da Pitchfork, e garantiu seu nome em lineups de grandes festivais, como o Primavera Sound, espaços que, até pouco tempo, pareciam inacessíveis para artistas com a sua sonoridade. Sua trajetória também passa por pistas como Mamba Negra, Tormenta e outras festas centrais no circuito da cena underground LGBTQIAP+, consolidando ainda mais sua presença como agente transformador da cultura de pista, em diversos territórios e camadas sociais.
No cenário do som urbano, Ramon Sucesso é uma figura-chave na construção de novas narrativas estéticas. Ele se conecta com artistas como DJ Marlboro, DJ Marcão, DJ Nazi, BADSISTA, Mu540, Clementaum e VHOOR, nomes que, cada um à sua maneira, fomentaram e seguem promovendo rupturas e expandem o que se entende por música eletrônica no país – e fora dele. Mesmo inserido nesse grupo, sua assinatura é singular, marcada por um equilíbrio entre ancestralidade e experimentação sonora vanguardista.
Ainda assim, a recepção crítica e mercadológica dessas sonoridades ainda expõe os limites da curadoria dominante. Por não oferecer uma narrativa fácil de vender, esses artistas frequentemente escapam dos espaços convencionais de exposição e consumo, principalmente dentro do próprio país, o que muitas vezes resulta na exportação dos nossos talentos. E nós sabemos que esse não é um problema só da música. Isso revela um desafio maior: reconhecer e valorizar produções que não se alinham às expectativas tradicionais, mas que são fundamentais para o avanço da cultura brasileira.
Diante disso, é possível afirmar que o trabalho de Ramon Sucesso ultrapassa o papel tradicional do DJ ou produtor ao se posicionar como uma figura que ajuda a reescrever as regras do jogo cultural. Sua música e performance reafirmam o poder original da música de se comportar como uma projeção de ambiente de comunhão. Ele desafia a própria ideia de pertencimento, mostrando que a inovação passa pelo embate com o estabelecido e pela criação de novas possibilidades de existência, abrindo um campo para repensar as formas de resistência e liberdade dentro da música, reafirmando assim o poder da cultura periférica como força vital e agente ativo de transformação.