Rochelle Jordan construiu, ao longo da última década, um lugar singular entre o R&B, a música eletrônica e as zonas híbridas onde ambos se encontram. Frequentemente descrita como uma autora de R&B experimental, ela desenvolveu um soundworld próprio — um universo em que heranças vocais dos anos 90, nostalgia profundamente afetiva e referências da club culture se sobrepõem sem hierarquia. Through The Wall, o recente álbum que marca um de seus pontos de inflexão, sintetiza essa virada: vocais diáfanos que dialogam com UK garage, drum & bass e house, resultando em uma estética que aproxima alt-R&B e dance-pop sem dissolver a introspecção que sempre definiu sua escrita.
Essa fusão, obviamente, não surgiu do nada. Nascida em Londres, criada em Toronto e filha de pais britânico-jamaicanos, Jordan cresceu em uma casa atravessada por Northern soul, reggae/dancehall e a bass culture britânica que vazava pelo quarto vizinho — cheio de UKG, house e DnB. O encontro entre esse repertório multicultural e sua devoção precoce ao R&B dos anos 90 moldou tanto o timbre quanto o ethos de sua carreira. Sua interpretação, marcada por precisão emocional e certa “diva-ness”, mantém eco de Janet Jackson, Mariah Carey e Aaliyah, mesmo quando transposta para atmosferas de pista. Em faixas como Doing It Too, esse cruzamento fica explícito: uma arquitetura pop-dance que carrega a cadência do house e, ao mesmo tempo, a sutileza melódica típica do R&B clássico.
O ponto de virada dessa trajetória aconteceu um pouco mais cedo, em Play With The Changes (2021), onde Jordan decidiu, de forma consciente, assumir a zona entre underground e mainstream como campo de criação. O álbum incorpora house, breakbeat e eletrônica, e cristaliza a ponte que ela vinha construindo entre R&B e dance music. “Rochelle é o mundo”, diz a artista — uma declaração que funciona como método: fugir das regras de gênero, imprimir assinatura própria, tratar o risco como ferramenta de linguagem. O disco trouxe também a narrativa emocional presente no próprio título: superar paredes — externas e internas — e reivindicar agência criativa após anos de obstáculos na indústria.
As colaborações ajudam a iluminar a posição de Rochelle Jordan dentro da música eletrônica, embora Through The Wall não seja estruturado como um álbum de feats. O disco tem direção executiva de KLSH — colaborador central da artista — e dialoga estéticamente com universos próximos ao UK garage, drum & bass e house. Já no conjunto mais amplo da carreira, Jordan já se conectou a nomes que reforçam sua presença tanto na cultura de DJing quanto no circuito global: KAYTRANADA (com quem acumula colaborações expressivas e mais de 30 milhões de streams, a exemplo de Spit It Out), Terry Hunter (em Crave) e Byron the Aquarius (que remixou sua faixa Something). Esses encontros, somados a colaborações anteriores com Kelela (em Raven), Snakehips (em Sumthin Crazy) e Childish Gambino (em Telegraph Ave), ajudam a situá-la no eixo do alt-R&B contemporâneo com influências eletrônicas de alto calibre.
Essa combinação de apuro estético, raízes multiculturais e vocais expressivos rendeu a Jordan não apenas aclamação crítica — exemplificada pela nota 8.3 da Pitchfork para Through The Wall e por recomendações no Rate Your Music e Album of the Year — mas também uma presença crescente no circuito audiovisual e televisivo. Sessões recentes de Ladida no COLORS e no Good Morning America mostram sua capacidade de transitar entre o underground e plataformas de alcance massivo, ampliando sua visibilidade sem abrir mão da identidade.
Ao reunir a precisão do R&B, a energia da pista eletrônica e uma abordagem profundamente autoral, Rochelle Jordan reposiciona o papel da mulher negra dentro da música eletrônica contemporânea verdadeiramente original e redefine os contornos entre introspecção e pista, melancolia e euforia. Ela mesma resume esse arco de forma direta: “Continuei derrubando todas as paredes. E este álbum me fez sentir que finalmente atravessei aquela última.”