Marc Leclair, o rei do recorte aka Akufen ou ainda para os Perlon maníacos, Horror Inc, desembarca esse fim de semana no Brasil para duas gigs. A primeira delas rola hoje em Curitiba, na festa Alter Disco. A segunda amanhã, na tradicional noite Mothership do D-EDGE.
Desde o seu debut álbum “My Way (Force Inc. 2002)”, Akufen se apresenta como um artista original, que busca explorar facetas experimentais e inteligentes dentro da dance music. Sua concepção musical é abrangente, o que o credencia como um artista de bagagem e visão privilegiada. Ás vésperas de mais um fim de semana agitado em sua carreira, Akufen nos recebeu para um bate papo inspirador. O que você irá encontrar abaixo, são lições de vida envolvendo a história de um personagem que dedica sua vida a música.
1 – Olá, Marc! É incrível poder falar com você. Podemos começar nossa conversa falando a respeito de seu álbum de estreia, My Way. Ao olhar para 2002, quais são as principais diferenças no seu “eu artístico” que você pode ressaltar?
Não há muitos olhares diferentes para o passado. Desde que me lembro, eu sempre quis fazer as coisas de uma forma diferente, não para o meu bem, mas simplesmente porque eu senti que era necessário questionar minha integridade, em uma indústria onde todos parecem acreditar que o reconhecimento deve soar como todos os outros sons. É um risco grande assumir isso, mas é muito mais gratificante quando você consegue ser honesto e original no seu próprio estilo. É por isso que mantive um perfil low e nunca queria lançar uma música com o único propósito de permanecer visível aos olhos do público.
https://www.youtube.com/watch?v=fb2kW4nOkPs
2 – Você é o dono da Musique Risquée, gravadora responsável por lançar trabalhos incríveis. Ter seu próprio selo surgiu de uma necessidade de expressão ou uma vontade de promover músicas e artistas que você acredita?
Dono é uma grande palavra para isso. Iniciei a ideia de colocar uma label em parceria, mas o principal homem por trás da label é meu grande amigo Vincent Lemieux, que vem fazendo o verdadeiro trabalho duro. Minha contribuição foi gravar para a label e promovê-la o melhor que posso com os meios limitados que tive à minha disposição. Foi um trabalho feito aos poucos realmente. No início, Musique Risquée era para ser um colectivo de quatro indivíduos, envolvendo Vincent, Stephen Beaupré, Scott Monteith (aka Deadbeat) e eu. Em pouco tempo, sentimos a necessidade de lançar a label a fim de promover a música que nós sentíamos que não conseguiam o reconhecimento que mereciam. Todos os artistas presentes na label são amigos. É uma coisa de família realmente.
3 – Artistas como você, possuem uma visão diferenciada da música enquanto arte. Nós a compreendemos como uma uma forma de conexão entre as pessoas. Como você a enxerga?
Eu gosto de ver-me como um musicólogo. Eu posso dizer a mesma coisa para Vincent e para a maioria dos artistas que lançam pela Musique Risquée. Todos nós temos um conhecimento musical muito forte, que tem sido muito útil na construção da label. Nós nunca quisemos limitar-nos à demanda. Eu posso dizer para mim mesmo que viver na costa leste do Canadá sempre foi muito decisivo em meu som. Montreal é uma ilha, um portal para um monte de gêneros musicais muito significativos para a cultura da cidade. Ela é americana na alma e ao mesmo tempo muito romântica de uma forma europeia.
4 – Quando você é um artista que alcança certo grau de reconhecimento, é natural que você passe parte do ano viajando, esperando horas em aeroportos, dormindo mal e comendo o que é mais prático. Como você faz para conciliar sua saúde mental e física, em meio as viagens?
Conhecendo novas pessoas, criando laços fortes com elas, aprendendo sobre novas culturas na sua maioria e mantendo contato com nossas famílias e amigos ao longo do caminho. Há muitas maneiras de viver a vida na estrada. Você pode perder o contato com a realidade e você pode permanecer ligado à ”terra”. Eu prefiro o último.
5 – É claro pra gente que você busca entregar as pistas uma dance music que estimula novas formas de dança. Na sua visão, as cenas house e techno estão muito saturadas e os trabalhos soando muito parecidos?
Novamente, há muitas maneiras de olhar para as coisas. Você pode ir pela maneira mais fácil, ser o garoto-propaganda e ter um monte de trabalho como produtor mainstream, ou você pode construir algo mais atemporal como um artista respeitado. No final, o último é mais gratificante. A honestidade é mais valiosa quando você olhar para trás. A longo prazo, você ganha mais por ser original, do que tentar imitar o que foi feito em excesso. As pessoas vão lembrar de você melhor.
6 – Em 2005, você produziu um full-lenght que pode ser definido como uma meditação experimental sobre o ciclo da gravidez. Como estas questões humanas exercem influência sobre a sua arte?
Sempre. Em todos os aspectos do meu trabalho. Questões humanas têm um impacto direto sobre a música, e vice-versa. Quando iniciei o álbum “Musique Pour 3 Femmes Enceintes”, três das minhas amigas mais próximas estavam grávidas. O álbum foi uma celebração deste evento milagroso. Eu tentei, eu como um pai naquele momento, retratar com o melhor do meu conhecimento as várias etapas de uma gravidez. É muito subjetiva, porém, foi a minha interpretação com base no que eu sentia. Eu também tentei a perceber a partir do interior, como a própria criança lentamente ganhando consciência durante toda a gravidez.
7 – Produzir alguns remixes parece ser algo que te agrada bastante, não é mesmo? Fale um pouco sobre a sua experiência trabalhando com remixes
Para mim, a remixagem é um exercício fantástico em conversa com outro artista. Ela faz com que fiquemos fora da nossa zona de conforto e nos força a trabalhar a partir de fontes que não são familiares para nós. Eu amo remixar. E quando o artista original está satisfeito com o remix, é uma imensa satisfação. ”Modificar” a música de outra pessoa, leva a uma condução totalmente diferente do que a da peça original. Na maioria das vezes ele acaba sendo uma forma completamente nova de música, inspirado pelos melhores elementos do original. É sempre muito interessante comparar diferentes visões de um mix para outro. Você nunca irá obter o mesmo resultado.
8 – Fora dos palcos e do estúdio, o que você costuma ouvir em seus momentos de lazer?
Eu venho ”coletando” músicas pela maior parte da minha vida. Ouço vários tipos de música quando estou em casa. Isso varia do clássico ao jazz, contemporânea ao pop. Na verdade, tenho uma grande coleção de discos de vinil brasileiros e cubanos. Não há nenhuma restrição, eu só abraço a música a nível mundial. Quando ela ressoa para mim, não importa o que seja. Adoro acordar ao som de Bach, ouvir Baden Powell no período da tarde e cozinhar ao som de Charlie Parker à noite. Cada momento do dia tem sua trilha sonora.
9 – Fale um pouco sobre o seu relacionamento com as gravadoras que você trabalha. Há alguma que você gostaria de destacar?
Os melhores relacionamentos que eu cultivei foram com meus amigos mais próximos que fazem parte da label. Eu desenvolvi uma amizade significativa com o fundador da Perlon, Thomas Franzmann (aka Dimbiman e Zip) desde 1999. E também com Mike Shannon de Cynosure que tem sido um grande amigo meu desde o início. Eu tive relacionamentos decepcionantes com muitos selos, os quais não vou nomeá-los. Hoje em dia eu me limito a um punhado de marcas, baseada no respeito, confiança e lealdade. Eu acredito que é necessário trabalhar com vários selos quando você começa, mas você acaba descobrindo logo quem são seus verdadeiros aliados e quem você deve evitar a trabalhar junto. Há um monte de tubarões lá fora, e se você está vulnerável você acaba perdendo muito tempo, energia e dinheiro.
10 – Para encerrar, uma pergunta pessoal. O que a música representa na sua vida?