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A música conecta

ianni quer contar histórias

Por Alan Medeiros em Xpress 28.02.2025

Em meados dos anos 80 e 90, o lançamento de músicas no formato de álbum se proliferou no mundo de forma contundente. Nesse período, adquirir um álbum era a principal forma de consumo musical, impulsionado pelos formatos físicos de CD e vinil. Entretanto, nas décadas seguintes, uma mudança profunda na indústria musical e nos hábitos de consumo transformou por completo a indústria fonográfica, e este formato de lançamento foi bastante impactado.

A causa dessa transformação é multifatorial e não se encontra estagnada. Mesmo nos dias de hoje, a indústria musical ainda vive um período de transformação, com movimentos tão ou mais impactantes quanto este relatado do álbum – músicas inferiores a 2 minutos, por exemplo, dominam boa parte das paradas de sucesso no Spotify. Além disso, dados da Ditto Music revelam que, nos últimos cinco anos, a proporção de álbuns em relação ao total de lançamentos musicais caiu de 35% em 2016 para apenas 9,7% em 2021.

Conversando com alguns estrategistas que trabalham com lançamentos dentro da música eletrônica, fica claro como o formato de lançamento que dominou o fim do século passado simplesmente não é recomendável para a maioria dos artistas nos tempos atuais. Analisar isso requer paciência para olhar além da primeira camada. Entre várias razões “técnicas” ligadas às plataformas, desafios impostos pelos algoritmos das redes sociais e outros fatores, um pode ser considerado crucial: na velocidade com que corre o mundo em que vivemos, falta tempo para construir e contar histórias com profundidade. Mais do que isso, faltam ouvintes interessados também.

Na ‘era dos singles’, premia-se a constância a qualquer custo: lançamentos a cada 4 semanas, manter as plataformas alimentadas com novos conteúdos. Por isso, talvez, reverbera a sensação de uma caçada por tendências e de que todo lançamento já nasce com alto potencial descartável. Os moldes atuais da indústria fonográfica revelam uma posição de zona de desconforto para quem trata a criatividade como um processo de cozimento lento. Mas, ao invés de pensar no futuro, que tal olharmos um pouco para trás?

Na ‘era dos álbuns’, este formato dominava não somente por uma questão inspiracional, mas também porque não era possível lançar um single a cada 4 semanas, claro. Acontece que a necessidade de se lançar múltiplas músicas juntas fazia com que os artistas amarrassem melhor essa conexão entre elas e a própria tradução de suas jornadas musicais dentro de um lançamento. Além disso, esses trabalhos eram um retrato mais fidedigno da relação entre obra, artista e espaço temporal, justamente por estarem fundamentados em histórias e inspirações mais profundas, desenvolvidas com mais… tempo.

The Wall (1979), do Pink Floyd, por exemplo, é uma ópera rock que narra a vida de Pink, um personagem fictício que enfrenta traumas pessoais, isolamento e alienação. Da Lama ao Caos (1994), de Chico Science e Nação Zumbi, é um disco que mergulha com profundidade nas questões sociais e culturais de Pernambuco. O álbum é um marco do movimento Manguebeat e ganhou reconhecimento por sua inovação sonora e lirismo engajado. Claro que aqui, a título de exemplo, estamos mencionando grandes histórias, reconhecidas globalmente. Mas um olhar mais aprofundado em microcenas do período também é capaz de extrair casos semelhantes.

De volta ao presente, é notória a ausência de narrativas com um contexto mais aprofundado. É justamente por isso que o novo lançamento de ianni, artista que já destacamos aqui anteriormente, nos impactou. Em um EP de 8 faixas e quase 40 minutos, Ianni evoca um mergulho profundo em vivências pessoais, sentimentos e imaginações para contar uma história de Carnaval às vésperas do feriado. O trabalho, que conta com colaborações, reforça a trajetória que, embora ainda recente, apresenta um artista extremamente preocupado com o contexto e os detalhes que o cercam.

JOATINGA é House, Deep, Tech, Dub e Brasil. Lançado de forma independente, ele vai lutar contra a maré e as tendências de algoritmos na ‘era dos singles’. Hoje, justo na semana em que foi lançado, é impossível prever seus resultados, mas é certo que este é um trabalho que transmite com honestidade o momento de seu idealizador. “A ideia é fazer com que o ouvinte se sinta parte dessa viagem”, finaliza Ianni.

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