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A música conecta

90’s – Uma história de respeito a pista, conheça a trajetória de Handerson

Por Alan Medeiros em 90's 23.03.2016

Personagens fundamentais na história da dance music brasileira já estão fora de atividade há algum tempo, por uma série de motivos, acontecimentos ou caprichos do destino. Em contrapartida, alguns profissionais seguem ativos e se reinventando através de muito estudo e amor incondicional pela profissão. A segunda história da coluna 90’s é escrita por um dos nomes mais relevantes da música eletrônica catarinense nos últimos 20 anos. Handerson é um profissional respeitado por todos que conhecem um pouco do movimento que transformou o litoral de Santa Catarina em uma das principais cenas do Brasil e do mundo. Abaixo, ele nos conta como conquistou seu merecido espaço dentro da música, em uma época onde ser DJ exigia perseverança e muita força de vontade.

Com a palavra, Handerson:

Minha relação com a música começou muito cedo, ainda aos 9 anos de idade, quando  passava horas na madrugada gravando fitas k7 durante os finais de semana. Nessa época, seguia artistas como Michael Jackson, Madonna, Depeche Mode, New Order, Petshop Boys, Erasure, Technotronic entre outros. Comecei a frequentar clubs também muito cedo, e sempre ficava deslumbrado com o som e a iluminação, mas ainda pouco entendia sobre a figura do DJ.

“Era uma sensação incrível estar ali no meio da multidão, curtindo aquelas músicas e admirando o trabalho do DJ Celso”

Aos 13 anos, comecei a comprar meus primeiros discos e  me interessar pela arte da discotecagem. Uma das grandes influências sem dúvida foi o Baturité, que por intermédio do meu primo, passei a frequentar, entrando mais cedo, antes mesmo do club abrir, já que conhecia muita gente la dentro, pois na época meu tio fazia alguns trabalhos de decoração dentro da casa. Eu entrava e ficava escondido até encher, pra que nenhum segurança me visse, pois era menor de idade e caso fosse descoberto, certamente me colocariam para fora. Era uma sensação incrível estar ali no meio da multidão, curtindo aquelas músicas e admirando o trabalho do DJ Celso, que naquela época 93/94 era sem dúvidas o grande nome da noite em Balneário. O cara sempre chegava para a temporada de verão com muitas novidades e tendências que se tornariam os grandes hits do club ao decorrer do ano.

Aos 14 anos, em 94, comecei a tocar nas primeiras festas. Todo fim de semana tinha algo na casa de alguém da nossa turma de sétima e oitava série do colégio e eu era chamado pra tocar. Nesse período, surgiu outra referência que ficaria marcada na minha carreira, o programa de rádio Power Mix. Esse sem dúvidas foi o que mais me chamou atenção quanto a técnica dos DJs. Era um programa mixado, de duas horas, dividido em 4 blocos de 30 minutos, produzido por uma equipe de DJs paulistas radicados em BC, chamada Dance Now.

Era de praxe gravar aqueles programas, para durante a semana passar horas ouvindo aquelas mixagens sutis e bem elaboradas, em uma época que a dance music vivia o seu grande boom, com artistas como Masterboy, Ice MC, La Bouche, Double You, DrAlban, Ace Of Base e tantos outros. Uma época muito difícil de se mixar, pois além de tocar com discos, as faixas tinham um pequeno trecho pra você fazer a mixagem, se deixasse passar, já era, começava o vocal e você precisava se virar nos trinta. Mas aqueles caras tiravam de letra.

Até ai, com 14 anos, eu mal podia imaginar que a minha história com esse programa de rádio, um dia se tornaria bem mais ampla e profissional. Essa paixão pela música ainda era dividida com o futebol, que joguei dos 11 aos 18, treinando diariamente e participando de muitas competições pelo estado. Meu grande sonho era ser um jogador profissional. Porém comecei a frequentar mais e mais festas, e ir para o Baturité no sábado era algo sagrado. O futebol foi ficando em segundo plano, e meu sonho de se tornar DJ do club passou a fazer parte dos meus pensamentos com mais frequência. Aos 17 anos, fiz minha matrícula no curso de DJ realizado em BC pelos paulistas DJ Rato e DJ Robson, onde tive o primeiro contato com os toca discos, CDJ e Mixer. Nessa época eu já trabalhava no Baturité e In-Dustrya como barman. Isso facilitou um pouco as coisas pra mim, como já conhecia os administradores desses clubs, passei a trabalhar na cabine, cuidando da iluminação e tocando no começo e fim de noite no Rancho do Perê (Porto Belo, extinto Bonna Parte) e no In-dustrya em Balneário Camboriú.

Logo as chances começaram a aparecer e comecei a tocar festas em outras cidades e clubs, de maneira ainda modesta. No verão de 98/99 fui chamado para tocar na pista 2 do Baturité e gravar o Baturité Power Mix para as rádios, já que como o club abria de segunda a segunda, era muito puxado para o residente da época fazer tudo sozinho. Passado o verão, continuei trabalhando como residente no In-dustrya, até que em uma noite de março de 1998, o dono do Baturité passou a noite toda curtindo meu som em uma festa que eu estava tocando na Cachaçaria Nacional, um clube com uma pistinha para umas 300 pessoas que tinha recém inaugurado em BC, e na segunda seguinte o Fabricio, gerente do Baturité na época me ligou dizendo que no sábado era pra eu tocar no Batura, a principio, era apenas para auxiliar o residente, mas logo na minha primeira noite, fui avisado que no próximo final de semana, eu assumiria a pista sozinho.

“Alguns DJs da cidade, comentavam que eu não aguentaria 3 meses. Acabei ficando 8 anos como residente da pista principal”

Foi no dia 27 de março de 1998, minha primeira noite como residente do club mais importante de Santa Catarina naquele momento. Apesar de muito novo, ainda não tinha completado 18 anos, confesso que fui tranquilo para aquela missão. Alguns DJs da cidade, comentavam que eu não aguentaria 3 meses. Acabei ficando 8 anos como residente da pista principal, saindo em 2007, já no final da história do club, que por mais de 30 anos, reinou absoluto na noite da cidade. Durante esses 8 anos, além de tocar todas as noites, em 90% delas sozinho, das 23hs. até as 6/7 da manhã, pude observar todo desenvolvimento da cena, toda transição para os dias atuais.

Durante esse período, produzi o Baturité Power Mix (Transamérica– antiga 99fm) e Rádio Baturité (Jovem Pan). Mesmo após o fechamento do club, continuei produzindo os programas de música eletrônica nas rádios, entre eles; Amores da Brava Club House, Passport Scotch session, Groove Station, Dreams Connection, BurnFm e o próprio Power mix, que continuou até meados de 2014. Foram mais de 15 anos com programas nas duas principais rádios do litoral catarinense.

Esses programas tiveram grande importância na cena, educando musicalmente muitas pessoas, inclusive DJs da nova geração. Ainda hoje as pessoas chegam pra mim e falam entusiasmadas “Você é o cara que fazia o Power Mix? nossa eu morava em tal lugar e ouvia você todo final de semana.” É muito gratificante. Por um tempo, chegamos a fazer a transmissão ao vivo da pista do Baturité, da meia noite as 5 da manhã, ao vivo da Barra Sul, isso também marcou muito as pessoas.

“Aprendi a conduzir uma noite do início ao fim, talvez por isso tenho tanto respeito e preocupação com quem está na pista”

Esses 8 anos como residente de um dos clubs mais importante do estado, foram primordiais para a minha carreira. Ali aprendi muitas coisas, pude dividir a cabine com grandes ícones da cena nacional como Anderson Noise, Mau Mau, Renato Lopes, Camilo Rocha e tantos outros. Aprendi a conduzir uma noite do início ao fim, talvez por isso tenho tanto respeito e preocupação com quem está na pista. Quando sai do Baturité, pude ampliar um pouco os horizontes, já que na época em que era residente por lá, tocava todos os sábados e ficava impossibilitado de ir mais longe, restringindo as gigs pelo sul do país e estados mais próximos.

A partir do momento que passei a ter os sábados livres, consegui mostrar meu trabalho no resto do país e também fora dele, em lugares como Paraguai, Argentina e Inglaterra, onde em 2013 me apresentei em 3 clubs, incluindo a Pacha de Londres onde fui headliner junto com o alemão Sharam Jey, e em uma festa da Space de Ibiza na capital britânica.

Como participei dessa transição dos anos 90 para os dias atuais, consegui compreender a cena do estado como poucos. Desde as dificuldades que tínhamos para tocar no passado (equipamentos precários, pouca valorização por parte dos empresários da noite, calotes e tudo mais), até os dias de hoje, onde a coisa está bem mais profissional e os DJS conquistaram seu espaço. Até hoje vejo antigos colegas de profissão, muitos deles da mesma época em que comecei, reclamando da nova geração, colocando a culpa de não estarem mais tocando no sync por exemplo. Eu acho que a tecnologia esta ai para ser usada e você tocar com vinil, não te faz melhor que ninguém. Acredito que o DJ para ser um bom profissional, precisa muito mais do que isso. Precisa ter feeling, carisma, saber conduzir uma pista e nunca se acomodar ou parar no tempo.

Hoje Santa Catarina tem uma das cenas mais consolidadas do país, e todas as regiões do estado, tem seus núcleos formadores de opinião, com bons DJs e pessoas envolvidas de forma ativa com a música eletrônica. Mas nem sempre foi assim. Um capítulo que não poderia deixar de fora, é o crescimento da cena no Oeste de Santa Catarina, do qual também tive o prazer de participar ativamente, tocando em várias cidades, porém uma festa em especial tem o mesmo espaço que o Baturité no meu coração: Hari Music.

Eu ainda era residente do Baturité, quando o Walter um dos organizadores veio até a minha casa e me fez o convite para tocar em uma festa que ele e mais dois amigos promoveriam em Xanxerê e gostariam de contar com o meu trabalho, pois frequentavam o Baturité e gostavam do meu som. Sabe quando você coloca fé em algo logo de cara e consegue perceber uma energia boa no ar? A festa foi um sucesso, levou um conceito totalmente novo para a região. No dia seguinte fui convidado para ser residente. A casa completou 10 anos em 2015, toquei aproximadamente em umas 20 edições, dividindo a pista com grandes artistas nacionais e também de fora do país. Era um momento de transição para mim, pois estava nos meus 2 últimos anos de Baturité e a Hari foi de suma importância para alcançar um novo nível de trabalho, já que era uma pista totalmente diferente dos clubs que costumávamos tocar, algo grande, com mais cara de festival. Ali pude tocar algumas coisas diferentes, que talvez outras pistas não entenderiam. Hoje o oeste do estado é um dos lugares mais legais de se tocar.

Meu recado para os mais velhos na profissão é que nunca deixem de se reciclar e estudar. O mercado exige muito mais hoje do que nos anos 90. A nova geração está ai, sedenta por conhecimento. Talvez um dos fatores que tenha sido fundamental para que eu ainda esteja de forma ativa no mercado, foi nunca ter me acomodado, sempre busquei novas ferramentas, novos conhecimentos e desafios, procurei e ainda procuro me aperfeiçoar cada dia mais na produção  musical, mesmo depois de ter lançado muitas músicas, sei que ainda tenho muito para aprender e evoluir. O público de hoje, é bem mais exigente que de outrora. As pessoas saem de casa para ouvir o seu DJ preferido, para ouvir suas produções. Acho que nos anos 90 era algo mais irrelevante, não importava muito o DJ que estava tocando, e sim as músicas e a festa em si.

Uma observação importante é que até boa parte dos anos 2000, não existia essa divisão comercial x underground. Você frequentava um club como o Baturité, In-dustrya, Mein Bier, Confetis e conferia um pouco dos dois mundos. A grande diferença de hoje para o início da minha carreira no final dos anos 90, é a valorização do artista e a maneira de como a coisa se profissionalizou, separando os homens das crianças. Se você almeja ter sucesso na profissão de DJ nos dias atuais, terá que se dedicar muito, estudar, pesquisar, produzir. Não há mais espaço no mercado para os DJs de fim de semana. Ou você encara a coisa da maneira mais séria e profissional possível, ou é carta fora do baralho.

“Consegui arrancar sorrisos espontâneos de muitas pessoas estranhas, que por aquele momento estavam ali em uma pista de dança felizes com o meu som. Isso é mágico!”

Sinto me honrado por viver exclusivamente da música há 17 anos e por ter tocado em tantos lugares incríveis. Fiz e ainda faço muitos amigos, viajei bastante e fazendo o que mais gosto que é discotecar. Consegui arrancar sorrisos espontâneos de muitas pessoas estranhas, que por aquele momento estavam ali em uma pista de dança felizes com o meu som. Isso é mágico! Aquele feedback positivo depois que você termina teu set, é algo tão importante quanto o cachê. Por isso acordo feliz  e agradecido todos os dias, por ter a oportunidade de trabalhar com o que amo. Esse é o meu combustível que faz com que eu me dedique cada dia mais a essa nobre arte.

Eu poderia parar por aqui, olhar para trás e sentir-me satisfeito com tudo isso que pude viver através da música, afinal de contas, sou um cara realizado profissionalmente. Mas ainda me sinto desafiado e sei que posso contribuir mais um pouco com o meu trabalho, e quem sabe escrever mais algumas páginas da minha própria história de amor com a música.

Além da minha carreira solo, tenho um projeto paralelo com meu grande amigo André Anttony chamado Unterwelt80, com muitos lançamentos agendados para o ano de 2016. A minha carreira e a do Unterwelt é gerenciada pelo Detroitbr, um núcleo formado por pessoas que trabalham duro pela cena e que possuem essa mesma paixão pela música. O núcleo é composto por grandes artistas e é um orgulho para mim fazer parte desse seleto time. Atualmente também sou residente do Taj Bar Balneário Camboriú, eleito pelo segundo ano consecutivo o melhor bar do Brasil, onde tenho como companheiros de residência os DJs Conrado e Maycon Schramm, grandes profissionais que também contribuíram muito pela noite de BC.

Agradecimentos são muitos e fica difícil citar todos, mas profissionalmente falando, tem 3 caras que não posso deixar de mencionar, que foram o começo de tudo e considero pessoas importantes na história da noite de BC; Ezequiel – gerente dos bares do Baturité (in memorian) – foi o cara que convenceu o Baby a me dar uma oportunidade como DJ. Baby – donos dos bares dentro do Baturité e também proprietário de clubs como In-dustrya e Bonna Parte ( In memorian) -, o cara que me deu a primeira chance e também me ensinou muito sobre equipamentos e som. Nato – dono do Baturité, que por mais que tivéssemos pensamentos divergentes em alguns momentos, sempre acreditou no meu trabalho e acabou se tornando um amigo para a vida toda -, me ensinou muito sobre o funcionamento de um club.

Grande abraço. Handerson.

A música conecta as pessoas! 

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