1- Como você definiria a GOLDDOME? Qual é a relação existence entre a GOLDDOME e a REDOMA?
LN: Após 2 anos trabalhando com a GOLDDOME em todo e qualquer momento do meu dia, acho que finalmente consigo tentar definir (não definitivamente, amanhã posso mudar isso) o que somos. GOLDDOME é o resultado da união, da força-tarefa e das mentes livres desta que vos fala e de Juan Assis, meu sócio e, antes ainda, meu amigo/irmão. Damos vida digital e física às nossas ideias e ideais por meio da fotografia, da criação de vídeos e roupas, da música, cenografia e, na sua forma mais completa: festas e exposições. Citando-nos: “_A única pretensão é fazer. Criar, executar. Nada mais. _Nosso movimento reflete exatamente isso: confusões sensoriais, exposição sinestésica, materialização digital. __O conceito une símbolos e signos atemporais, o oculto, o misterioso e o tecnológico – convertidos em algo palpável, apreciável e absorvível em qualquer lugar do mundo”. A REDOMA é nossa última criação no que tange ao universo dos eventos. A GOLDDOME desejava dar forma física ao que produzia e não podia ser vivenciado de forma plena e integral antes de tal celebração. Nesse espaço protegido (uma redoma), podemos interagir com outras pessoas que se manifestam como nós e realmente mostrar o que passeia por nossas mentes e nossos corpos.
2- Quem mais está envolvido no projeto? Como vocês se conheceram?
LN: Como já disse, na GOLDDOME, trabalho igualitariamente com o Juan. Em um ensaio fotográfico, Juan apareceu em minha vida e nunca mais nos separamos. A conexão foi tão grande que dois meses depois já iniciamos o projeto da cúpula. Sentíamos muita falta de algo mais completo no qual pudéssemos lutar por um conceito, não por nossos egos. Após quase 8 meses de trabalho com a GOLDDOME, fomos convidados por um clube de Curitiba a “levantar” uma das suas noites que não estava bem. Outros dois coletivos foram chamados e realizamos 3 noites nas quais pudemos mostrar um pouco do que fazíamos, em um espaço físico e de lotação máxima da casa, para nossa surpresa. Dessa forma, conhecemos o coletivo com o qual fechamos a collab para a festa REDOMA. Na REDOMA, começamos em 3. Um dos integrantes que iniciou os trabalhos conosco, acabou não dando certo por motivos de grandes divergências de intenção, compromisso e conceito, continuamos somente nós dois ano que vem.
3- Chamar a REDOMA uma festa, para mim, soa quase como um eufemismo. Como eu vejo, é mais um movimento, um esforço para provocar algum tipo de sentimento e/ou ideia, você pode me explicar qual é a essência do projeto?
LN: Há _ realmente _ em nós o sentimento de que não somos uma festa. Não idealizamos uma festa desde o início. Focamos em uma celebração ritualística e em tudo que isso pode incorporar: arte (música, teatro, dança, cinema, moda, fotografia, cenografia), tecnologia, abstração e conforto. O que eu e Juan percebemos desde sempre no trabalho com a GOLDDOME é que, por abordarmos temas mundiais e históricos em nosso trabalho com fotografia e vídeo, além da produção de peças de roupas, as pessoas enxergaram em nós um cunho político e ativista, do qual nos demos conta apenas posteriormente, mas que trouxe sentido à liberdade vinda do próprio público ao se fazer presente na festa com tudo que você pode imaginar quanto a atuações espontâneas. O feminismo (aqui leia-se: luta por direitos iguais e foco no empoderamento, pois o foco de tal movimento não está somente nas mulheres como ainda muitos sugerem pensar) em nosso trabalho foi apontado por várias pessoas, chegando ao ponto de eu ser convidada para falar sobre o papel da mulher na música em dois grandes eventos do Brasil. Penso que o que acontece é que quando você produz arte em sua forma pura, você se conecta com o íntimo presente em todos os seres, de formas diversas, fazendo com que também interajam ativamente com o conceito proposto. Anterior à REDOMA, em menores eventos que realizamos em Curitiba e em São Paulo, percebemos que o que apresentávamos e vendíamos não eram peças de roupas ou “djsets”, mas sim, um lifestyle.
4- Aonde vocês tiram inspiração para o conceito das festas? Quais são suas maiores referências?
LN: Aos 16 anos eu fugia de casa por 2 ou 3 dias para estar presente nos eventos de acid techno, drum n’ bass e trance que rolavam aqui e em São Paulo. Após 2 anos, morei com um artista que se apresentava pelo Brasil todo e com ele viajei por festivais vendendo algumas peças de roupa e acessórios que produzia. A inspiração vem da experiência, do contato verdadeiro com a pista de dança e com toda a cultura de clubes e festivais, do encontro real com as pessoas de diversas culturas do mundo, com a conexão comigo mesma, tão nova, sendo parte de tudo isso. Essa mistura louca da rua com o movimento gerado pela convivência de pessoas é que me instiga. Eu amo música. Escuto rock, jazz, rap, samba, músicas regionais e música eletrônica desde pequena, acompanho e pesquiso sobre movimentos artísticos e políticos diariamente e, mais importante ainda, tenho amigos criativos e maravilhosos que só de respirarem perto de mim, me motivam. Acho que a vida nos dá referências. Absorver os acontecimentos sem julgamento prévio é que transforma as referências em novas criações. Além disso, claro… eu nunca poderia esquecer da Internet. Ahhhh, como eu amo a Internet!
5- REDOMA é uma festa diferente de todas que eu já vi em Curitiba, e no Brasil para ser sincera, me lembra de uma certa liberdade de expressão e um amor por combinar elementos áudio visuais e artes que eu só vi em Londres, Berlin e NY, como vocês conseguiram isso? Quais são os processos envolvidos na criação de um ambiente como esse?
LN: Aqui estamos extremamente ligados à resposta da pergunta anterior. O que eu e Juan fazíamos profissional e pessoalmente antes da cúpula, envolvia áreas artísticas que se conectam e, para nós, nunca poderiam andar separadas. O que eu sentia era que não existia mais um movimento cultural, apenas entretenimento e isso se dava porque a arte estava segmentada, as festas separavam as coisas, oferecendo apenas música (muitas vezes de qualidade) e bebidas, ou música e decoração (a qual ainda não é bem valorizada no Brasil). Eu não encontrava mais o que enxergava nos movimentos punk e hippie, por exemplo. Eu não conseguia sentir as pessoas conectadas nas festas e na vida artística em geral; cada um estava ali por um motivo próprio, não para celebrar ou viver o/no coletivo. O processo envolvido é exatamente o de pensar primeiro no conceito. O resultado do processo é permeado por muitas perguntas: “O que queremos passar? Qual a sensação que essa arte/esse artista vai ser capaz de nos provocar?… Essa sensação exprime o conceito? Será que essas pessoas vão ser tocadas pelo que estamos criando? Terão uma nova experiência estética?”. Nós não queremos agradar, queremos fazer parte da experiência de alguém com algo novo, experiência carregada de emoções. O mais é questão de gosto, pesquisa, muita conversa e troca entre nós e o mundo externo, para que a GOLDDOME e a REDOMA não sejam ligadas diretamente a certas pessoas, mas a contextos.
6- Um dos principais objetivos da REDOMA é a ocupação de espaços públicos com arte, musica e criatividade, você pode me explicar melhor como isso funciona?
LN: Os 5 dias de ocupação vieram da minha necessidade de não elitizar ou segregar a música eletrônica. Em muitos lugares do Brasil e aqui em Curitiba, a música eletrônica está fechada em clubs ou em eventos com preços altos, mas de qualidade. Isso me incomodava muito. Não consigo imaginar que há menos de 500km daqui, na cidade onde nasci por exemplo, a música eletrônica e a música em geral, estão nas praças, nas ruas, para todos. Além disso, não vejo necessidade de censurar a cultura ou passar a pedir permissão para produzi-la, centralizando o poder e a decisão do que vai ou não para as ruas, sendo essas públicas. Após pensar nos objetivos de tal ocupação, apresentei-os a todos e fui bem recebida. Por já conhecerem a festa, sentirem a mesma necessidade e serem participantes ativos dos movimentos culturais da cidade, muitos amigos ajudaram. O gerador foi alugado com dinheiro de doação dos mesmos, o “mini system” (dentro da lei do artista de rua que permite capacidade de 50W de potência) era de um deles, o line up de cada um dos dias foi preenchido por amigos de longa data e que apareceram durante o percurso da festa, sendo que cada um deles levou o próprio equipamento para as apresentações. Os locais escolhidos por nós eram locais de grande circulação de transeuntes, os quais detinham de espaço para que não “atrapalhássemos” o que já acontecia ali.
Foi maravilhosamente gratificante ficar sem dormir, carregar gerador o dia inteiro, tocar, trocar, sorrir ao lado de todos que participaram e ainda, atingir os objetivos. Nem sei descrever.
Os objetivos:
_testar a funcionalidade da lei do artista de rua;
_promover a música de qualidade sem custos ou fins lucrativos / segregação e elitismo;
_analisar o quanto Curitiba, seus vizinhos e seus moradores são receptivos à música na rua;
_divulgar o trabalho de cada um dos artistas, que, em sua maioria, ainda são independentes.
7- Curitiba não tem uma cena de subcultura tão estabelecida como a de Nova York, Londres, Berlin ou até São Paulo, para mencionar uma cidade brasileira, então como é promover eventos tais como os seus em uma cidade como essa? Como vocês conseguem envolver a platéia e trazer gente para as festas?
LN: Eu, sinceramente, não esperava tanta absorção e receptividade para com o que propusemos desde o começo, mas percebi que a mesma necessidade que tínhamos era a de muitos. Além disso, creio que o “underground” como muitos dizem ou até mesmo nos colocam, é algo que sempre existiu e vai existir. A arte vai se renovando, vão surgindo novas pessoas e “crews” interessadas em compartilhar o trabalho que fazem. Manter as pessoas envolvidas com o que criamos ou com os eventos faz parte desse interesse comum em compartilhar arte de variadas formas, além de buscar novas inspirações e trabalhar arduamente para não cair na repetitividade.
9- Mesmo a cena de Curitiba não sendo tão madura ainda, eu percebi um grande avanço na mesma, ou talvez seja porque passei a prestar mais atenção, o que você tem a dizer sobre isso? Você acredita que a cena experimental de Curitiba está crescendo, ou sempre foi assim, só que com menos visibilidade? Aonde você vê a cena indo no futuro?
LN: Curitiba é uma cidade complicada e que se mostra provinciana em muitos aspectos. As festas e festivais de música acontecem há anos aqui, eu mesma acompanho há muito tempo. A questão é que há muita dificuldade na socialização e aceitação do curitibano para com o diferente, o novo. É uma cidade repleta de preconceitos e julgamentos, além de núcleos que se fecham demais e competem entre si. Acredito que isso aconteça em outras cidades, mas falo apenas de onde tenho maior convívio. De qualquer forma estou muito feliz e vejo uma evolução muito grande através do trabalho de novas crews/coletivos e novos produtores. Exatamente aqueles que buscam a união em prol da arte e não uma ascensão de capital e ego.
10- Algum plano futuro interessante que você possa nos contar?
LN: Ah, sim! Para o ano que vem já estamos nas correrias.
A GOLDDOME ganha mais uma ramificação: uma label. Lançaremos produtores novos e acreditamos que será muito gratificante poder contribuir com a música brasileira no que diz respeito ao hip hop e à música eletrônica experimental.
A Redoma_004 é dia 6 de fevereiro, lançamos o evento em breve e já avisamos que o line up e todo o resto estão UM CREME.
No mais, temos planos para novas ocupações e outros projetos bonitos que prefiro divulgar quando realmente estiverem certos.
11- Eu acredito que uma das coisas mais lindas sobre pessoas criativas é que elas apoiam o trabalho umas das outras, então você pode mencionar pessoas criativas do Brasil que estão promovendo eventos, encontros, conceitos e labels como a REDOMA e a GOLDDOME?
LN: Com certeza concordo com a primeira afirmativa, principalmente porque na GOLDDOME e na REDOMA contamos com inúmeras pessoas talentosas para as criações e realizações. Portanto:
Amanda Mussi é DJ/produtora e designer visual de São Paulo e faz as festas DUSK e EGRÉGORA por lá. É nossa parceira na REDOMA desde o início.
> fb.com/mussiamanda > soundcloud.com/ohmussi
Diego Mazzitelli e Eduardo Cavassim são DJs e produtores residentes da REDOMA e, além disso, fazem parte de um coletivo chamado MUSIC NERDS que tem realizado eventos com os quais eu me identifico muito, além de criarem coisas belíssimas juntamente com Kessy Santos, Augusto Sala Bon, Sebastian Lezcano e Eloiza Montanha, outros integrantes que admiro muito.
> musicnerds.club > facebook.com/musicnerdsofficial
Isabella Glock e Davi Von Giller trabalham com fotos, gifs e produção de moda assim como nós na GOLDDOME. São talentosíssimos e nossos parceiros há anos. Acabam de soltar o coletivo NAÏF, que pra mim é uma das promessas criativas de Curitiba pro ano que vem.
> naif.land > facebook.com/NAÏF-1502776413358382
Gabriel Fedalto é DJ e iniciou os trabalhos com a label SWEETUF nesse ano de 2015. Apesar de pouco tempo trabalhando assim, já produz material de qualidade com os artistas do selo e eventos.
> sweetuf.com > facebook.com/SweetufRecs
Em vídeo, Matheus Gasparin é responsável por cobrir a maioria dos festivais e festas do Brasil. Muita honra poder contar com ele na GOLDDOME e REDOMA além de indicar para todos que conheço, por sua disposição e talento.
> facebook.com/matheus.gasparin > facebook.com/LaPalmAudiovisual
O projeto Urban Xpirit é de um de nossos colaboradores, Gee Siqueira, e cria instalações com manipulações de fotos de Curitiba.
> urbanxpirit.tumblr.com > facebook.com/urban.xpirit
12- Para finalizar, em uma das nossas conversas você mencionou o papel da música para reforçar e estabelecer direitos humanos, o que é um tópico bem pessoal considerando que você é mulher e seu parceiro Juan é homossexual, sendo assim vocês representam minorias na indústria. Como isso é expressado no que vocês criam? Como você acha que pessoas da indústria deveriam usar a música e a cultura para criar um mundo com mais amor e compreensão?
LN: É difícil falar disso tudo sempre. As mulheres são mesmo minoria no que diz respeito à discotecagem e produção de música eletrônica, são minoria em festivais de bandas, são minoria nos livros de história. Os homossexuais criam, fomentam e mantém o movimento cultural eletrônico há décadas e, mesmo assim, ainda são subjugados nas pistas ou nos palcos por heterossexuais sem o mínimo de noção de história.
O certo é incluir. Dar espaço para essas minorias mostrarem seu trabalho, exporem o que sabem fazer de melhor. Não aguento mais o discurso na internet ou na fala de muitos. Acredito que o certo é a prática, o tratamento pautado por amor e respeito no cotidiano e, além disso, SEMPRE responder ou se opor assim que notar algum preconceito sendo praticado, mesmo que isso seja desagradável no momento. Talvez dessa forma, a pessoa que cometeu tal ato possa pensar um pouco sobre o assunto.
Todos nós temos preconceitos. A música e a cultura não têm classe social, raça, opção sexual ou religião. Apesar de existirem variadas manifestações culturais e musicais vindas de certos grupos ou civilizações específicas, são de todos e para todos.
> Muito grata pelo convite e interesse, Georgia! De coração e alma. É muito prazeroso saber que existe jornalismo feito de forma pura e sensata.